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sábado, 29 de agosto de 2015

Jesus

Novas evidências reforçam a teoria
de que Jesus era casado.
“Evangelho da Esposa de Jesus”, como o papiro foi nomeado, traz também uma referência a uma discípula chamada Maria.
Novos testes em um controverso fragmento de papiro reforçam as evidências de que Jesus tinha uma esposa. O “Evangelho da Esposa de Jesus”, como foi nomeado, é um excerto, não maior do que um cartão de crédito, contendo um texto cóptico que traria referências de Jesus dizendo as palavras “minha esposa” e também se referindo a uma discípula chamada “Maria”. As informações são do The Independent.
Papiro divulgado em 2012 causou controvérsias por reforçar que Jesus teria sido casado

Estudos feitos no ano passado estipularam que o documento foi originado entre os séculos VI e IX Depois de Cristo (D.C.). Mas Christian Askeland, pesquisador associado do Instituto de Pesquisa Bíblica e Septuaginta de Wuppertal, na Alemanha, acredita que as similaridades entre o evangelho e o papiro contendo o Evangelho de João indicam que ambos são falsos.
Segundo o professor, a datação feita por radiocarbono mostrou que o Evangelho de João foi escrito há 1200 anos e em uma língua extinta há 300, portanto, o documento era falso. De acordo com ele, a chance do Evangelho da Esposa de Jesus ter sido escrito pelo mesmo autor é grande, o que comprovaria que ambos são forjados.
Porém, pesquisadores da Universidade de Columbia estão fazendo novos testes e dizem que os primeiros resultados descartam a teoria de Askeland.
James Yardley, que está trabalhando nas pesquisas, disse à publicação LiveScience que “em nossos primeiros testes, já podemos dizer que as tintas usadas nos dois papiros (no Evangelho da Esposa de Jesus e no Evangelho de João) são bem diferentes. Os resultados recentes confirmam fortemente essa observação”. Yardley afirmou que não daria mais detalhes até que o estudo fosse divulgado.
Apesar das evidências levarem a crer que o evangelho encontrado seja verdadeiro, ainda não há uma resposta de como isso afetaria o cristianismo.
A professora Karen King, especialista da área de teologia de Harvard, que anunciou a descoberta do texto em 2012, disse que enquanto o documento não prova concretamente que Jesus tinha uma esposa, ele pode iniciar um debate sobre os primeiros cristãos e se o “modo ideal” de viver é o celibatário.
Ela também já havia afirmado no ano passado que o “principal tópico” do papiro é se mulheres que eram mães e esposas também podiam ser discípulas. “Esse fragmento do Evangelho nos dá um motivo para reconsiderar o que pensávamos saber sobre o status conjugal de Jesus e as controvérsias que isso gerou na forma que os cristãos encaram o casamento, celibato e família”, afirmou a pesquisadora em 2012, época da descoberta.

Fonte:
( Site Terra )

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

E era o ano de 79

Alfred Elmore - Pompeia
Era o dia do deus romano do fogo
Plínio, o Velho, navegava comandando uma frota romana.
Ao entrar na baía de Nápoles, viu que uma fumaça negra vinha crescendo do vulcão Vesúvio, uma árvore alta que abria sua ramagem na direção do céu, e de repente caiu a noite em pleno dia, o mundo tremeu em violentas sacudidelas e um bombardeio de pedras de fogo sepultou a festeira cidade de Pompeia.
Karl Brullov - A Última Noite de Pompeia
Pouco antes, o fogo havia arrasado a cidade de Lugdunum, e Sêneca havia escrito:
Houve apenas uma noite entre a maior cidade e cidade alguma.
Lugdunum ressuscitou, e agora se chama Lyon. E Pompeia não desapareceu: intacta debaixo das cinzas foi guardada pelo vulcão que a matou.
Eduardo Galeano (1940-2015)
em "Os Filhos dos Dias".

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Os Curdos

A maior Nação sem Pátria do Mundo.
População Total: 27 a 36 milhões de pessoas.
Descendentes do antigo império medo persa (nação a quem pertenceu o rei Dario, e ante quem serviu o profeta Daniel), os curdos lutaram muito para possuir seu próprio território como pátria para dar um lar a seus mais de 20 milhões de habitantes que hoje vivem divididos entre a Turquia, Síria, Iraque e Irã. São na maioria muçulmanos. Determinar o número exato é impossível, os governos de seus respectivos países tendem a subestimar seu número, enquanto que seus movimentos nacionalistas o exageram. Os curdos são descendentes dos medo persa mencionados na Bíblia. Em 612. a.C. conquistaram Nínive, e por sua vez foram conquistados pelos persas em 550. a.C. Alguns antropólogos os identificam como os elemitas mencionados na profecia de Jeremias 49 (Bíblia). No século VII d.C., ao se converterem, na sua maioria, ao islamismo, começaram a se chamarem “curdos”. Os curdos mais famosos da história foram Dario, o Medo, que reinou na Pérsia (hoje Irã), no tempo de Daniel, e Saladino, que lutou contra o Rei Ricardo Coração de Leão, nas cruzadas e reconquistou Jerusalém para o islamismo em 1187.
Um Povo diferente.
Não há dúvida que eles são a maioria mais importante do Oriente Médio. Sua pátria, que eles chamam de Curdistão, não tem limites oficiais, mais se estende desde as montanhas Zagros no Irã até a parte do Iraque, Síria e Turquia Oriental. Uma região montanhosa de 500.000 km2 onde se encontram 100% do petróleo turco e sírio, e 74% dos curdos do Iraque (Kirkuk-Mosul) e a metade do iraniano (região de Kermanach). Ao norte se encontra o Monte Ararat (onde desceu a arca de Noé), e os rios Tigre e Eufrates banham a região.
Um Povo com Língua própria.
A diferença entre árabes e curdos está no fato de que estes ainda não estruturaram a sua língua e a sua escrita; os mais alfabetizados escrevem em árabe. O curdo é um idioma indo Iraniano relacionado com o persa. Tem um grande número de dialetos. Em alguns casos é possível o entendimento restrito entre um dialeto e outro, porém na maioria dos casos não o é. Provavelmente o obstáculo mais grave para a comunicação entre os curdos e com outras nações resida no fato de que o analfabetismo é muito grande (inferior à 10%). Poucos são os que tem oportunidade de ir a escola, geralmente por questões econômicas.
Um Povo com Crenças próprias.
Religião de origem mazdeísta, não obstante os curdos tem sido fiéis seguidores de um provérbio que se aplica a toda a minoria do Oriente Médio: "Mais vale uma raposa em liberdade do que um leão preso". Assim, o povo curdo teve que mudar sua religião para sobreviver. Da mesma forma, mantém antigas crenças em espíritos que habitam em cavernas, montanhas e vales.
Um Povo com Identidade própria.
Ainda que originalmente eram nômades, hoje em sua maioria são agricultores. Vivem em pequenos povoados que se destacam por sua estrutura competitiva de clãs e por sua desordem: em algumas ocasiões ganharam a reputação de serem brutos. Os turcos provocaram algumas tribos curdas a unirem-se para o massacre dos armênios até o final do século XIX.
A parte disto, são muito hospitaleiros. Suas mulheres realizam tarefas domésticas, e durante a colheita também trabalham no campo. Em suas festas as esposas tem lugar ao lado de seus maridos, e é permitido que falem. Os curdos normalmente tem uma sã esposa.
Pode-se dizer que sua cultura está baseada no amor. Por exemplo, é bem visto uma jovem deixe seu lar para unir-se ao seu amado, ainda que contra a vontade de seus pais. As mães sempre levam consigo seus bebês, até quando vão realizar trabalhos no campo. É permitido às crianças, desde pequenos, a sentar-se com os adultos e participar de suas conversas, que geralmente são sobre o amor, doenças, ou morte. Os filhos levam o sobrenome do pai, ainda que podem tomar o da mãe se ela é bonita ou de família muito conhecida.
Preparados para morrer pela sua Pátria.
Nação sem estado, massacrados pelos turcos, árabes e persas, esquecidos pela ONU, os curdos são na grande maioria analfabetos. Desde o início deste século, quando se desenvolveu seu nacionalismo, o povo curdo mantém uma guerra de guerrilhas contra as potências ocupantes de seu território. O tratado de Sôvres, firmado em 1920, havia prometido a eles o direito a sua independência depois da queda do império otomano. Mais quando o texto de Sôvres foi substituído pelo de Lausane, foi perdida toda esperança.
Não é a primeira vez que as esperanças curdas por obter uma nação própria terminou em desastre. Seus guerrilheiros chamam a si mesmo "peshmerga" (os que enfrentam a morte), e através dos anos tem sido frustrados seus intentos por aspirar uma nação própria, em terras com governantes que os depreciam. No Iraque, Saddam Hussein tentou por longo tempo eliminá-los. Quando as forças aliadas na guerra do Golfo, expulsaram o exército iraquiano do Kuwait, centenas de milhares de curdos sem lar se dirigiram ao norte para reclamar suas antigas terras, somente para serem atacados por Saddam e forçados a fugir novamente.
Os problemas no Iraque tem levado o Primeiro Ministro da Turquia a utilizar a palavra curdos, já que até pouco tempo a existência deste grupo humano não era aceita, e eram chamados de turcos das montanhas. Agora, uma nova legislação foi proposta e trarão liberdade limitada para a língua curda permitindo fitas e vídeos em sua língua, mais não livros.
Forças curdas foram atacadas com
armas químicas no Iraque, diz Exército alemão.
Forças curdas que lutavam contra jihadistas do Estado Islâmico no Norte do Iraque foram alvo de um ataque com armas químicas, informou o ministério de Defesa alemão neste ano (2015). Desde 2014, um contingente de 89 soldados alemães está na região para treinar combatentes curdos no uso de armas enviadas por Berlim.
— Aconteceu um ataque com armas químicas e vários peshmergas ficaram feridos, com irritações nas vias respiratórias — afirmou um porta-voz do ministério, sem revelar quem estava por trás do ataque. — Especialistas americanos e iraquianos estão tentando determinar o que aconteceu.
O ataque com gás tóxico teria sido realizado com um morteiro perto de Irbil, capital da região autônoma do Curdistão do Iraque, há dois dias e teria ferido dezenas de combatentes. No entanto, não foram dados mais detalhes sobre o tido de armas químicas que podem ter sido usadas. A fonte destacou ainda que os soldados alemães presentes na região desde setembro do ano passado, não correram perigo em nenhum momento.
Os jihadistas do EI já foram acusados outras vezes pelo uso de armas com gases tóxicos contra os combatentes curdos. As Unidades de Proteção do Povo Curdo (YPG) e o Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH), assim como vários especialistas, afirmaram em julho que foram registrados ataques químicos na província de Hasake, no Nordeste da Síria contra os peshmergas.
As forças curdas citaram na ocasião “irritação na garganta, olhos e nariz, acompanhada de dores de cabeça, musculares, perda de concentração, problemas de mobilidade e vômitos”. Neste caso também não foi determinada a natureza do gás.
Em março, o governo do Curdistão iraquiano afirmou ter provas de que o EI usou gás de cloro como arma química contra suas forças. O cloro é um gás sufocante, proibido nos conflitos armados pela Convenção de Armas Químicas de 1997.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Como as Artes Plásticas retratam os índios ao longo da História do Brasil

Victor Meirelles - A Primeira Missa no Brasil
Os índios são ao mesmo tempo espectadores e personagens, em "A primeira missa no Brasil", quadro de 1861, do pintor Victor Meirelles (1832-1903), apresenta uma visão idealizada do episódio narrado por Pero Vaz de Caminha, em sua carta ao rei dom Manuel, que ajudou a formar o imaginário histórico brasileiro.
Antônio Parreiras - Iracema
Personagem do romance homônimo de José de Alencar, obra-prima do Romantismo brasileiro, Iracema também seduziu o pintor e ilustrador Antônio Parreiras (1860-1937), que também criou sua versão da virgem dos lábios de mel, ressaltando a tristeza e o abandono que a consomem.
Albert Eckhout - Dança dos Tapuias
O pintor Albert Eckhout (1610-1666) veio para Pernambuco em 1637, na comitiva de Maurício de Nassau, com a missão de retratar o Novo Mundo, seus habitantes, sua fauna e sua flora. A "Dança dos Tapuias", uma de suas obras primas, encontra-se atualmente no Museu Nacional de Dinamarca.
José Maria de Medeiros - Lindoia
A morte de Lindoia, de José Maria de Medeiros(1849-1925), retrata o episódio do poema épico "O Uraguai", de Basílio da Gama, em que o irmão da índia mata - tarde demais - com uma flechada a serpente que ela usou para se suicidar. Medeiros procura captar o espírito do autor que diz ser bela a morte em Lindoia.
Rodolfo Amoedo - O Ultimo Tamoyo
Entre 1554 e 1567, os índios do litoral do sudeste brasileiro se rebelaram contra os portugueses no episódio que ficou conhecido como Confederação dos Tamoios e deu origem ao poema homônimo de Gonçalves de Magalhães, no qual se inspirou o pintor Rodolfo Amoedo (1857-1941) para pintar este "O último tamoio", que retrata a morte do cacique Aimberê.
Victor Meirelles - "Moema"
Moema, de Victor Meirelles (1832-1903), é baseado no poema épico "Caramuru", de José de Santa Rita Durão. A índia, apaixonada por Diogo Álvares Correia, o Caramuru, ao vê-lo regressar à Europa, atira-se na água e nada atrás do navio até perder as forças e afogar-se. A maré deposita na praia seu corpo sem vida.
Johann Moritz Rugendas - Índios em uma fazenda de Minas Gerais
Índios em uma fazenda de Minas Gerais, do artista alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1858), que veio ao Brasil em 1821, com a expedição do barão Langsdorf, permanecendo por aqui três anos. Fez desenhos a grafite e bico-de-pena de tipos brasileiros, índios e negros, bem como documentou paisagens e espécies vegetais.
Jean-Baptiste Debret - Caboclo
Caboclo, de Jean-Baptiste Debret (1768-1848) retrata um mestiço que, a rigor, já teria deixado à vida selvagem e aderido à civilização, mas esses limites talvez fossem muito difíceis de se ver no Brasil, em especial aos olhos de um francês. Mas Debret não faz julgamentos, apenas retrata.
Hercule Florence - Índios Bororos
Índios bororos, no traço objetivo e delicado de Hercule Florence (1804-1879), artista, inventor e pioneiro da fotografia, que percorreu o Brasil com a expedição do Barão Langsdorf, entre 1825 e 1829, perfazendo um trajeto de 13 mil quilômetros. Produziu uma quantidade imensa de imagens de enorme valor antropológico.

Fonte:
( UOL Educação )

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Madison Grant (1865-1937), o guru de Hitler

Madison Grant - Sua obra seviu como "Bíblia" para o Führer

Ele é uma das mais obscuras figuras entre os precursores do nazismo, mas a importância desse advogado americano em sua época foi extremamente marcante e, claro, alcançou a Alemanha e impressionou um jovem ambicioso de Viena: Adolf Hitler.
Adepto e grande divulgador das teorias racistas por um lado e conservador naturalista pioneiro por outro, Madison Grant nasceu em 1865 – ano que marca a abolição da escravatura nos Estados Unidos, a descoberta das primeiras leis da genética e da sistematização do eugenismo pelo cientista – matemático e antropólogo – inglês Francis Galton. Grant morreria em 1937, ano de construção do campo de Buchenwald, na ocasião em que Hitler, seu mais célebre admirador, se dedicava a dar uma sequência industrial a mais um de seus ensinamentos.
No curso dos anos de juventude de Grant, a sociedade americana é dominada pelos WASP (cidadãos de raça branca, origem anglo-saxã e religião protestante), membros da classe dirigente que amam se apresentar como “patrícios” – um termo, como sabemos, tomado emprestado à aristocracia detentora do poder em Roma. Eles são descendentes dos “pais fundadores”, que se organizaram para formar um novo país no fim do século anterior. Esses “patrícios” estão convencidos de sua destinação natural: as virtudes que teriam herdado pelo sangue os designaram para a tarefa de governar os Estados Unidos, impondo a sua visão do mundo aos demais.
Assim, os WASP veem o país como o seu patrimônio, e aos habitantes não WASP da América estão reservados dois papéis: ou o de servos de sua missão ou o de parasitas aproveitadores das sobras da grande obra dos pais fundadores. Assim, os ameríndios, herdeiros de uma terra inculta à qual os pioneiros levam as bênçãos da civilização, são dizimados sistematicamente e concentrados em suas reservas, por causa de sua “selvageria”, como é classificada qualquer forma de resistência.
Os descendentes dos escravos são tratados com mais condescendência, vistos como “primitivos”. As discretas populações asiáticas são desprezadas. Católicos e judeus, como o conjunto dos imigrantes da Europa central ou meridional, são acusados de déficit moral, os primeiros por uma suposta inclinação atávica, e os segundos por sua cupidez (“o judeu polonês”, escreve Grant, “anão por natureza e concentrado em seu interesse particular...”).
O mexicano é pouco mais que um indígena. Sua imagem tradicional é a de um bandoleiro pouco asseado, desordeiro e propenso ao consumo excessivo de álcool – e nesse perfil se enquadram indistintamente todos os latinos. As outras populações do mundo são ignoradas ou tratadas como fauna exótica.
A educação recebida por essa elite, que mistura cultura clássica, ritualística social estrita e exercícios físicos, faculta aos mais altos responsabilidades em aproximadamente todos os domínios. Formado por preceptores em Manhattan e em Dresden, na Alemanha, admitido no círculo estreito de Yale, diplomado em direito em Columbia, Madison Grant se forma como um “gentleman erudito”. Um de seus amigos mais próximos é Theodore Roosevelt (1858-1919), historiador, naturalista, explorador, escritor e soldado que se torna, em 1901, o 26º presidente dos Estados Unidos.
Caçador e naturalista, Grant é, também ele, inspirador da ecologia, das reservas naturais, um dos criadores do zoológico do Bronx, em Nova York, (1899), e o salvador de várias espécies vivas. Mas é a salvação da “raça branca” que lhe confere a celebridade e uma influência decisiva sobre todo o pensamento racista do século XX e, particularmente, a ideologia hitlerista.
Jean-Louis Vullierme
Filósofo e Escritor

sábado, 4 de julho de 2015

Lucrécia Bórgia

Bartolomeo Veneto - Lucrécia Bórgia
Se Judas encarna a imagem do traidor, Lucrécia Bórgia representa a manipuladora sem escrúpulos de costumes depravados. Mas a realidade é bem diferente. Aquela que é descrita como uma envenenadora e uma depravada foi, na realidade, uma aristocrata erudita.
Fruto da união entre o cardeal Rodrigo Borgia e sua favorita, a patrícia romana Vannozza Cattanei, Lucrécia nasceu em 18 de abril de 1480. Recebeu a educação refinada das crianças da aristocracia, que era uma preocupação de seu padrasto, o humanista Carlo Canale. Ela aprendeu línguas antigas, se familiarizou com a poesia, dedicou-se à música e estudou filosofia e letras latinas. Aristóteles, Tito Lívio, Salústio e Virgílio balizaram uma formação que, tanto quanto sua beleza, se revelaria útil para o destino que lhe estava reservado.
Na adolescência, Lucrécia mudou-se para o palácio de seu pai. Cresceu então à sombra do poder da Igreja. O Vaticano tinha sua corte, assim como a dos reinos da França, Inglaterra e Espanha. Era fértil também em artes e, sobretudo, em intrigas. O cardeal Bórgia subiu ao trono de Pedro em 1492. Lucrécia tornou-se, a partir de então, filha do papa Alexandre VI. De espectadora das lutas pelo poder, tornou-se protagonista das ambições de seu clã e trunfo no jogo político de seu pai.
Nada distinguia a casa pontifical das outras casas principescas da época. Nem seus costumes nem suas preocupações, das quais a principal era consolidar e estender a influência familiar, reforçando a da Igreja. Essa era a obsessão dos soberanos pontífices desse final de século XV. Era evidentemente também ao papa Borgia, cujos Estados papais se estendiam por toda a parte central da península, cercados pelos domínios da família Aragão em Nápoles, dos Sforza de Milão e dos Médicis de Florença. Afirmar o poder da Igreja passava tanto pela ostentação de uma corte e a organização de um exército poderoso como pelo casamento diplomático.
Aos 11 anos, Lucrécia foi prometida, no espaço de seis meses, a dois maridos diferentes: um aristocrata espanhol e depois um italiano. Mas foi com o condottiero Giovanni Sforza, senhor de Pesaro, que a adolescente de 13 anos se casou, em 1493. Os riscos de uma invasão francesa a Roma e a peste que devastava a Cidade Eterna precipitaram a ida do casal para Pesaro. Em 10 de junho de 1494, Lucrécia enviou uma carta a Alexandre VI na qual expressava a admiração e o carinho que ela dedicava a seu pai. Descobrimos uma adolescente comedida e ponderada que revelou certo desinteresse em relação às festas que celebravam sua chegada ao novo domínio de Pesaro. A aliança com os Sforza revelou-se rapidamente um erro estratégico para o clã Borgia. Alexandre VI conseguiu anular o casamento em 1497, afirmando de maneira não comprovada que ele não havia sido consumado. Giovanni Sforza, humilhado ao ser chamado de impotente, vingou-se, espalhando o boato de relações incestuosas entre Lucrécia, seu irmão César e o papa. Foi o primeiro elemento que alimentaria a lenda negra de Lucrécia.
Peça do jogo de xadrez diplomático de seu pai, ela não poderia ficar sozinha muito tempo. Casou-se novamente em 1498 com Afonso de Aragão, filho do rei de Nápoles. Apaixonou-se por ele e o casal, longe das intrigas políticas, vivia tranquilamente em Roma, onde ele mantinha uma corte frequentada pelos cardeais Médicis e Farnese, os pintores Michelangelo e Pinturicchio. Lucrécia recebia com fidalguia em seu palácio romano artistas e literatos. Falavam de artes. Lucrécia animava essa sociedade e ali brilhava pela vivacidade de seu espírito. Mas não por muito tempo. Novamente seu casamento foi insatisfatório para os Borgia. Como o nascimento de um filho tornou impossível uma anulação, César optou por uma solução radical: o assassinato do cunhado por um de seus homens.
Divorciada e viúva aos 21 anos, Lucrécia se casou pela terceira e última vez com Afonso I d’Este, duque de Ferrara, em 1505. Com a morte de Alexandre VI, em 1503, ela pôde enfim viver dias felizes. Apresentou-se como protetora das artes e das letras, cercou-se de muitos poetas, particularmente de Ludovico Ariosto – que lhe dedicou Orlando furioso – e Pietro Bembo, por quem nutria um amor platônico – que lhe dedicou Gli Asolani. Ela inspirou também os pintores, protegeu Dosso Dossi, Rafaele Garofalo e Ticiano.
O fim de sua vida foi triste devido à morte brutal de seus próximos e abortos que a enfraqueceram. Em 14 de junho de 1519, ela deu à luz uma menina, que morreu em seguida. Dez dias mais tarde, aos 39 anos, faleceu de uma septicemia. Ela foi, de fato, duas vezes vítima das ambições do pai e dos inimigos de sua família. Sua lenda negra, que tem como origem a vingança destes últimos, se perpetuaria após sua morte. O filósofo Leibniz, no século XVII, insistiu em sua depravação – um mal característico do reino de Alexandre VI – e Voltaire lhe fez eco no suposto incesto com seu Essais sur les moeurs (1756). No século XIX, Lucrécia foi uma fonte inesgotável de inspiração para os românticos. Fascinou lorde Byron, tornou-se a heroína de uma tragédia de Victor Hugo (1833), foi objeto de um conto fantástico de Mérimée e figurou com destaque em Les crimes célèbres, de Alexandre Dumas. O historiador Jules Michelet chancelaria essa imagem de messalina incestuosa e intrigante.

Fonte:
Olivier Tosseri: ( História Viva )

terça-feira, 30 de junho de 2015

A palavra "século", uma conquista de temporalidade histórica

Rupert Bunny
“A palavra latina saeculum era aplicada pelos Romanos a períodos de duração variável, ligada muitas vezes à ideia de uma geração humana. Os cristãos, embora conservassem a palavra na sua antiga acepção, conferiram-lhe também o sentido derivado de vida humana, vida terrena, em oposição ao além. Mas, no século XVI, certos historiadores e eruditos tiveram a ideia de dividir os tempos em porções de cem anos. A unidade era bastante longa, a cifra 100 simples, a palavra conservava o prestígio do termo latino, e no entanto levou algum tempo a impor-se. O primeiro século em que verdadeiramente se aplicaram o conceito e a palavra foi o século XVIII: a partir daí, esta cômoda noção abstrata ia impor a sua tirania à história”.
Jacques Le Goff (1924-2014)

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Origem da Língua Portuguesa

“A nossa língua comum foi construída por laços antigos,
tão antigos que por vezes lhes perdemos o rastro”.

Mia Couto
No século III a.C., os romanos invadiram e conquistaram a Península Ibérica, incorporando-a ao Império Romano. A convivência fez com que os povos vencidos passassem, a falar a língua dos invasores. Nessa época, a língua era apenas falada e empregada pelo povo, que usava o Latim Vulgar, falado na região do Lácio¹, em Roma. Dessa língua originaram as línguas neolatinas ou românicas. (galego-português, castelhano, francês, catalão, italiano, provençal, sardo, e romeno).
Bem diferente do Latim Vulgar era o Latim Clássico, língua falada e também escrita por grandes escritores da época, como Virgílio e Horácio. Todavia, foi o Latim Vulgar que expandiu pela península, sendo falado do século III a.c. até o século V da era cristã. Com isso ele sofreu diversas modificações e influências de outras línguas.
Fases da Língua Portuguesa:
No desenvolvimento histórico da língua portuguesa houve três grandes fases:
Pré-histórica - compreende as origens até o século IX. Não há nenhuma documentação dessa época. A partir do século V, surge o romanço português, dialeto do latim usado até IX.
Proto-Histórica - estende-se do século IX ao século XII. Encontram-se documentos, redigidos em latim bárbaro, com palavras tiradas do romanço.
Histórica - tem início no século XII e vai até os dias atuais. Os textos dessa época começaram a ser escritos em português arcaico.
Essa fase é dividida em dois períodos.
Arcaico: compreende o período que vai do século XII ao século XVI. Houve, inicialmente, uma língua comum, o galego-portugês, falado a noroeste da Península Ibérica. Em regiões da Galiza e no norte de Portugal.
Era usado em textos, numa literatura bem trabalhada. Surgiu, então, a primeira cantiga da língua portuguesa, escrita em galego-portugês, chamada Cantiga da Ribeirinha de Paio Soares de Taveirós.
Moderno: compreende o período que vai do século XVI à nossa época. AS primeiras gramáticas da língua portuguesa surgem no início do século XVI, de autoria de Fernão de Oliveira (1536) e de João de Barros (1540).
Em 1572, é publicada a obra épica Os Lusíadas de Luiz Vaz de Camões. A partir dessa obra, a língua já começou a apresentar as características atuais.
O Português Hoje
O português é língua oficial do Brasil, Angola, Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, apesar da incorporação de vocábulos nativos e de modificações gramaticais e de pronúncia, eles mantém uma unidade com o português de Portugal.
Vejamos:
● América – Brasil.
● África - Guiné Bissau, Cabo Verde, Angola Moçambique, e São Tomé e Príncipe.
● Ásia - Macau, Goa, Damão e Diu.
● Europa - Portugal.
● Oceania - Timor Leste.
● Ilhas Atlânticas próximas a costa africana - Madeira (Ilha da Madeira) e Açores.

¹Lácio (em latim: Latium) é uma região histórica da Itália Central na qual a cidade de Roma foi fundada e cresceu até tornar-se capital do Império Romano.

domingo, 7 de junho de 2015

Arqueólogos nas barbas do "Estado Islâmico"

Foto G1
A destruição do sítio arqueológico de Palmira, declarado patrimônio histórico pela Unesco, seria uma "enorme perda para a humanidade", alertou a diretora da organização, depois que os jihadistas do grupo Estado Islâmico (EI) assumiram o controle da cidade.
"Palmira é um extraordinário patrimônio da humanidade no deserto e qualquer destruição ocorrida em Palmira seria não apenas um crime de guerra, mas também uma enorme perda para a humanidade", disse Irina Bokova em um vídeo publicado pela organização, que tem sede em Paris.
Bokova acrescentou que está "extremamente preocupada" com os últimos acontecimentos e reiterou o pedido por um iminente cessar-fogo e uma retirada das forças militares.
"Afinal de contas, trata-se do berço da civilização humana. Pertence a toda a humanidade e acredito que todos deveriam ficar preocupados com o que está acontecendo", completou a diretora da Unesco.
Os jihadistas já destruíram outros tesouros arqueológicos desde que declararam um "califado" ano passado no Iraque e na Síria. "É importante porque estamos falando do nascimento da civilização humana, estamos falando de algo que pertence a toda a humanidade", ressaltou a diretora da Unesco.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Como Hobbes pode Explicar o Mundo Atual

John Faed
Já faz tempo que Thomas Hobbes, na sua grande e clássica obra “O Leviatã” citou o estado-natural como bellum omnium contra omnes, desse modo, não são novas as ideias desse famoso filósofo inglês, tão repetidas em todos os cantos, em diversas salas de aula e discussões políticas, não deve haver arrependimento quando, em suma, conseguimos utilizar de um método clichê para explicarmos, ou melhor dizendo, tornarmos públicas as razões óbvias pela qual podemos dizer que já estamos no estado-natural, quer dizer, na guerra de todos contra todos.
Levanto três exemplos na história passada e recente:
1. Cristão corta cabeça de jihadista em vingança por atrocidades do EI.
Não é surpresa que o EI (Estado Islâmico) tem praticado atrocidades, invadindo cidades, decapitando pessoas de outras religiões ou ainda, nacionalidades consideradas impuras. O problema é grave e garante uma série de ações – insuficientes – para conter o avanço desse que é o mais novo grande inimigo do ocidente civilizado, no Oriente Médio.
Poderíamos nos ater aos fatos evidenciados, até o momento em que, um cristão faz o mesmo com um integrante do EI. Podemos nos perguntar agora: e daí? Ele só está retribuindo o que já fizeram com diversas pessoas.
Ora, é completamente inaceitável a referência ao povo islâmico como único, maldoso, assassino e fundamentalista, da mesma forma como não podemos culpar cristãos, por exemplo, de serem os impuros.
Neste momento, estamos analisando o ocorrido sob o prisma religioso e sem nenhum cunho político-capitalista, portanto ainda nesse ponto, essas análises serão suprimidas – por hora.
Perceba que são povos diferentes, vindos de uma mesma origem que se confundem na fundação de suas mentalidades religiosas. Contudo lutam há pelo menos um milênio por uma supremacia que só funciona na base da filosofia weberiana dos tipos de autoridade, causando o mais completo caos nas relações, aonde não só se tenta convencer da força de seu Deus pelo poder invisível, mas também da força das armas, que insistem em ser a principal fonte desse poder.
Com todas as evidencias levantadas, podemos analisar que, a confusa história desses povos, tanto cristãos, quanto muçulmanos, que já se encontraram tantas vezes ao longo da trajetória da humanidade, que podemos trazer à tona, inclusive, convivência pacífica por algum tempo, mas também as cruzadas religiosas, tudo em nome da suprema hegemonia que tem tornado perversa, envolvendo pessoas que nada tem a ver, como as crianças que lutam, para morrer nessa que é uma terra de gigantes.
2. As Cruzadas Religiosas
Todo mundo nas aulas de história em algum momento, já se viu revoltado com sua religião padrão, melhor dizendo, o cristianismo, quando revê a história das cruzadas religiosas. Uma guerra santa, bem parecida com a Jihad islâmica, porém com espadas, cavaleiros e reis europeus, lutando contra os impuros, os fora da ordem e inaugurando um novo estágio histórico, criando ainda os primeiros protótipos de cidades medievais.
A religião parece não ser uma adepta da paz, quando se chocam os interesses ditos divinos, mas representados por figuras terrenas, seres de carne, osso e erros constantes, longe de toda a perfeição de que os livros sagrados descrevem a força de Deus.
As cruzadas, assim como a Jihad, contavam com crianças despreparadas, mas armadas como gente grande para enfrentar um inimigo que só representava a ameaça de subir o valor dos artigos de tapeçaria para os soberanos. Estima-se que nesse movimento tenham morrido, cerca de um milhão de seres humanos.
3. As Guerras Políticas
O mundo se viu obrigado, em especial a partir do século XV a assistir um intenso movimento de intercâmbio de ideias, costumes, cultura e muita demonstração de poder que iam além da religião.
Estima-se segundo pesquisa feita pelo Population Reference Bureau que, cerca de 100,5 bilhões de pessoas já morreram em guerras até os dias de hoje. Ora, poderíamos fazer diversas ponderações sobre esse dado assustador, mas podemos fazê-lo mais tarde.
Toda guerra por causa social, política, econômica ou cultural que envolvem os mais diversos motivos desmotivados e infundados motivam o acontecimento dessa desordem. Vivemos num permanente estado de sítio não declarado, como se viver fosse uma dádiva dada por homens armados até os dentes que podem a qualquer momento, retirar esse presente.
Por curiosidade, são dois dos conflitos atuais mais importantes em andamento, dos quais já escrevi sobre:
Guerra Civil Síria: Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas) 220 mil mortos; 6,5 milhões de desalojados; 3 milhões de refugiados.
Guerra Civil da Ucrânia: Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas) 9 mil mortos; 285 mil desalojados; 1 milhão de refugiados.
O bellum omnium contra omnes representa, dessa maneira, a clara disputa pelo poder simbólico no mundo, acontece que a análise de Hobbes sobre esse estado-natural animalesco, poderia ser resolvido dentro das fronteiras, sob o comando de um governo soberano, o grande problema é que a teoria não previa uma intensa luta supranacional, que ultrapassam os limites imaginários e físicos.
Thomas Hobbes era, de fato, um visionário, mas quando limitou o espaço de convivência em uma fronteira, não pode conceber a ideia de que governos de outros países que tentassem controlar outrem, só causariam o que nós podermos perceber: o caos.

Fonte:
Blog Obvious: ( Eduardo Almeida )

terça-feira, 2 de junho de 2015

Fordlândia

Fordlândia - Escritório
Fordlândia: uma história e tanto que não deveria ser esquecida
Fordlândia foi o nome dado a uma vasta área de terra adquirida pelo empresário norte-americano Henry Ford, através de sua empresa Companhia Ford Industrial do Brasil, por concessão do Estado do Pará, por iniciativa do governador Dionísio Bentes e aprovada pela Assembleia Legislativa, em 30 de setembro de 1927. A área de 14.568 km² fica localizada no município de Aveiro, no estado do Pará, às margens do Rio Tapajós.Ford tinha a intenção de usar Fordlândia para abastecer sua empresa de látex necessário a confecção de pneus para seus automóveis, então dependentes da borracha produzida na Malásia, na época colônia britânica. Os termos da concessão isentavam a Companhia Ford do pagamento de qualquer taxa de exportação de borracha, látex, pele, couro, petróleo, sementes, madeira ou qualquer outro bem produzido na gleba. As negociações foram conduzidas pelo brasileiro Jorge Dumont Villares, representante do governador Dionísio Bentes, que visitou Henry Ford nos EUA. Os representantes da Ford, para receber a área, foram O. Z. Ide e W. L. Reeves Blakeley.A terra era infértil e pedregosa e nenhum dos gerentes de Ford tinha experiência em agricultura equatorial. As seringueiras, árvores de onde se extrai o látex, plantadas muito próximas entre si, o oposto das naturalmente muito espaçadas na selva, foram presa fácil para pragas agrícolas, principalmente micro-organismos do gênero Microcyclus que dizimaram as plantações.
Os trabalhadores das plantações recebiam uma alimentação típica norte-americana, como hambúrgueres, instalados em habitações também ao estilo norte-americano, obrigados a usar crachás e comandados num estilo a que não estavam habituados, o que causava conflitos e baixa produtividade. Em 1930, os trabalhadores locais se revoltaram contra gerentes truculentos, que tiveram que se esconder na selva até o exército brasileiro intervir e restabelecer a ordem.
O governo brasileiro suspeitava dos investimentos estrangeiros, especialmente na Amazônia, e oferecia pouca ajuda. Ford ainda tentou realocar as plantações em Belterra, mais para o norte, onde as condições para a seringueira eram melhores mas, a partir de1945, novas tecnologias permitiam fabricar pneus a partir de derivados de petróleo, o que tornou o empreendimento um total desastre, causando prejuízos de mais de vinte milhões de dólares.
Fim do Sonho
Com o falecimento de Henry Ford, seu neto Henry Ford II assumiu o comando da empresa nos Estados Unidos e decidiu encerrar o projeto de plantação de seringueiras no Brasil. Através do Decreto número 8.440 de 24 de dezembro de 1945, o Governo Federal brasileiro definiu as condições de compra do acervo da Companhia Ford Industrial do Brasil: a Ford foi indenizada em aproximadamente US$ 250.000, e o governo brasileiro assumiu as obrigações trabalhistas dos trabalhadores remanescentes, além de receber seis escolas (quatro em Belterra e duas em Fordlândia); dois hospitais; estações de captação, tratamento e distribuição de água nas duas cidades; usinas de força; mais de 70 quilômetros de estradas; dois portos fluviais; estação de rádio e telefonia; duas mil casas para trabalhadores; trinta galpões; centros de análise de doenças e autópsias; duas unidades de beneficiamento de látex; vilas de casas para a administração; departamento de pesquisa e análise de solo; plantação de 1.900.000 seringueiras em Fordlândia e 3.200.000 em Belterra.
Resumidamente, então, podemos entender que Ford deu com os burros n’água por ignorar que as seringueiras precisavam de todo um ecossistema para sobreviverem e produzirem. Jamais resistiriam isoladamente no inóspito solo amazônico.
Cultura Popular
Os cineastas Marinho Andrade e Daniel Augusto, que produziram o sensível documentário “Fordlândia”, a que assisti no Canal Brasil há um bom par de meses e que tem como fio condutor um filho de americanos que nasceu em Fordlândia, voltou para a América do Norte com os pais e anos mais tarde leva a família para conhecer o lugar onde nasceu.
O escritor argentino Eduardo Sguiglia lançou o livro "Fordlândia" (Editora Iluminuras, 1997), escolhido como um dos quatro melhores trabalhos de ficção pela The Washington Post (2000).

domingo, 1 de março de 2015

Fontes Históricas

Fonte histórica, documento, registro, vestígio...
"[...] Fazer história é um fazer artesanal. É uma prática que implica rastrear documentos nos arquivos, interrogar os mortos, decriptar silêncios, interpretar registros orais, escritos ou iconográficos, perceber as funções que tais documentos tinham em dado momento histórico."
(Mary Del Priore e Renato Pinto Venâncio. O livro de ouro da História do Brasil.
Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 9.)
Nos jornais toda a história de uma época
1. Fonte histórica, documento, registro, vestígio são todos termos correlatos para definir tudo aquilo produzido pela humanidade no tempo e no espaço: a herança material e imaterial deixada pelos antepassados que serve de base para a construção do conhecimento histórico. O termo mais clássico para conceituar a fonte histórica é documento. Palavra, no entanto, que, devido às concepções da escola metódica, ou positivista, está atrelada a uma gama de ideias preconcebidas, significando não apenas o registro escrito, mas principalmente, o registro oficial. Vestígio é a palavra atualmente preferida pelos historiadores que defendem que a fonte histórica é mais do que o documento oficial: que os mitos, a fala, o cinema, a literatura, tudo isso, como produtos humanos, torna-se fonte para o conhecimento da história.
(Kalina Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva. Dicionário de conceitos históricos.
São Paulo: Contexto, 2009. p. 158.)
2. De que se utiliza o historiador para exercer o seu ofício? [...] Para reconstituir o quadro geral da sociedade, o historiador dependerá sempre de informações sobre fatos a que não assistiu. Desse modo, ao contrário do romancista, que pode criar seus personagens e inventar os acontecimentos, o historiador deve reconstituir os fatos exatamente como ocorreram. Assim, para atingir seus objetivos, é obrigado a recorrer aos documentos, através dos quais poderá tomar conhecimento dos fatos.
Bilhete italiano de terceira classe, 1925
Torna-se, então, evidente que a História se faz com documentos - sem eles não há realmente História.
[...] A tarefa do historiador consistiria apenas na simples coleta de informações contidas nos documentos?
[...] Na concepção atual da História os documentos constituem a matéria-prima do historiador, o meio através do qual a História atingirá o seu objeto: a interpretação dos documentos permitirá a compreensão dos fatos históricos.
[...] como [diz] Lucien Febvre, que "toda História é filha de seu tempo" [...] ou, como [diz] Collingwood: "Cada nova geração deve reescrever a História à sua própria maneira".
Geralmente, reserva-se a designação de documento para "os atos escritos emanados dos poderes públicos ou de particulares, em suma, aos papéis conservados pelos arquivos administrativos ou privados"
Esse conceito, no entanto, dá uma ideia restrita da infinita diversidade dos meios de que dispõe o historiador para compreender a realidade, a vida humana. Justamente por isso, é preferível adotar-se o conceito amplo de Henri Marrou de que "documento é tudo aquilo capaz de nos revelar qualquer coisa sobre o passado do Homem". Ou, então, o de Besselaar, para quem o termo designa "todo e qualquer vestígio do passado, capaz de nos dar informações acerca de um fato ou acontecimento histórico".
É nesta acepção que muitos historiadores empregam, com o mesmo sentido de documento, os termos fonte histórica, testemunho histórico, vestígio histórico, restos históricos, para designar os materiais que permitem a reconstituição do passado. [...] Hoje, a concepção da História, tornando-se cada vez mais complexa e ampliando continuamente seu campo de estudo, interessa-se em compreender e construir integralmente o passado humano: esse novo sentido globalizante da História leva o historiador a estudar as instituições, o Direito, a Economia, as estruturas sociais, os costumes, a Religião, as Ciências, as Letras, as Artes - enfim, todos os aspectos da vida humana.
"A diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita. Tudo o que o homem diz ou escreve, tudo o que fabrica, tudo o que toca pode e deve informar sobre ele."
(Marc Bloch. Apologia da história ou o ofício do historiador.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 79.)

Classificação das Fontes Históricas:

Fontes Arqueológicas - vestígios da presença humana em material variado (restos de animais, utensílios, fósseis etc.), geralmente não intencionais;
Fontes Escritas - traços escritos em material variado (pedra, papiro, papel etc.), geralmente intencionais. De acordo com a intencionalidade, o traço descrito pode ser:
Fontes de Arquivo - se a intenção foi comprovar alguma coisa: todo documento recebido ou redigido por uma pessoa pública ou investida, pela lei ou pelo costume, de uma autoridade especial;
Fontes Literárias - possuem a intenção de informar aos contemporâneos e à posteridade alguma coisa, mas não de comprovar;
Fontes Orais - são traços que têm a intenção de informar, mas não possuem um material de transmissão.
(Rubim Santos Aquino. História das Sociedades: das comunidades primitivas
às sociedades medievais. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2008. p. 70-75.)

domingo, 1 de fevereiro de 2015

O Olhar do Historiador: As Cruzadas

"Nunca os muçulmanos foram humilhados dessa forma", repete al-Harawi, "nunca antes suas terras foram tão agressivamente devastadas". [...] Foi, de fato, na sexta-feira 22 do tempo de Chaaban, do ano de 492 da Hégira, que os franj se apossaram da Cidade Santa, após um sítio de quarenta dias. Os exilados ainda tremem cada vez que falam nisso, seu olhar se esfria como se eles ainda tivessem diante dos olhos aqueles guerreiros louros, protegidos de armaduras, que espelham pelas ruas o sabre constante, desembainhando, degolando homens, mulheres e crianças, pilhando as casas, saqueando as mesquitas.
Dois dias depois de cessada a chacina não havia mais um só muçulmano do lado de dentro das cidades. Alguns aproveitaram-se da confusão para fugir, pelas portas que os invasores haviam arrombado. Outros jaziam, aos milhares, em poças de sangue na soleira de suas casas ou nas proximidades das mesquitas. [...] Os últimos sobreviventes forçados a cumprir a pior das tarefas: transportar os cadáveres dos seus, amontoando-os, sem sepultura, nos terrenos baldios para em seguida queimá-los. Os sobreviventes por sua vez deveriam proteger-se para não serem massacrados ou vendidos como escravos.
Batalha de Ager
O destino dos judeus de Jerusalém foi igualmente atroz. Durante as primeiras horas de batalha, vários deles participaram da defesa de seu bairro, a Judiaria, situada ao norte da cidade. Mas quando a parte da muralha que delimitava suas casas desmoronou, os judeus se apavoravam, vendo que os louros cavaleiros começavam a invadir as ruas da cidade. A comunidade inteira, reproduzindo um gesto ancestral, reuniu-se na sinagoga principal para rezar. Os franj então bloquearam todos os acessos. Depois, empilhando feixes de lenha em torno, atearam fogo. Os que tentavam sair eram mortos nos becos vizinhos, os outros, queimados vivos.
Amin Maalouf.
As cruzadas vistas pelos árabes. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 12.

sábado, 31 de janeiro de 2015

O Olhar do Historiador: As Cruzadas

Francesco Hayez - Cruzados sedentos perto de Jerusalém
No entanto, essa barbárie dos povos do Ocidente não se assemelhava à dos turcos, cuja religião e costumes repeliam toda espécie de civilização e de luz [...]. Foi nas vizinhanças de Helenópolis que os cruzados viram acorrer para suas tendas vários soldados do exército de Pedro, que, tendo fugido à matança, tinham se escondido nas montanhas e nas florestas vizinhas. Uns estavam cobertos de andrajos, outros, nus, muitos, feridos. Mortos de fome, sustentavam dificilmente os restos de uma vida miserável, que tinham disputado, por sua vez, às estações do ano e à barbárie dos turcos. O aspecto desses infelizes fugitivos, a narração de suas misérias espalharam a tristeza no exército cristão; correram lágrimas de todos os olhos, quando souberam dos desastres dos primeiros soldados da cruz [...]. Os cruzados avançavam em silêncio, encontrando por toda a parte ossadas humanas, trapos e bandeiras, lanças quebradas, armas cobertas de poeira e de ferrugem, tristes restos de um exército vencido. No meio desses quadros sinistros, não puderam ver, sem estremecer de dor, o acampamento onde [...] os cristãos tinham sido surpreendidos pelos muçulmanos, mesmo no momento em que seus sacerdotes celebravam o sacrifício da Missa. As mulheres, as crianças, os velhos, todos os que a fraqueza ou a doença conservava sob as tendas, perseguidos até os altares, tinham sido levados para a escravização ou imolados por um inimigo cruel. A multidão dos cristãos massacrada naquele lugar, tinha ficado sem sepultura.
J. F. Michaud. História das cruzadas. São Paulo: Ed. das Américas, 1956. p. 58.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Enquanto na fábrica: o amor "visto de baixo"

Giuseppe Pellizza da Volpedo
A afirmação [...] da feminista Maria Lacerda de Moura: "Ambos, homens e mulheres, nasceram pelo amor e para o amor" seria realidade para todos? Ao mesmo tempo em que o país passava a crise do café, a crise das Bolsas de 29, a criação de pequenas indústrias, na base da pirâmide formava-se nova classe com regras próprias de organização. Nela, os "casamentos", ou melhor dizendo, as uniões, eram precoces, as uniões, consensuais e concubinatos eram regra embora sujeitos à instabilidade e a circulação de crianças, "bastardas", na casa de parentes e familiares, bastante comum. Longe de ser fruto de "ignorância" ou "irresponsabilidade", como acusavam médicos higienistas e juristas, essa classe trabalhadora possuía uma cultura diversa daquela das elites. Uma cultura popular que se chocava, muitas vezes, com a das camadas dominantes. Era difícil, se não impossível, adaptar-se à camisa de força dos valores burgueses quando se tinha de sobreviver em condições tão árduas.
No mundo do trabalho, cada vez mais urbano ou industrializado, a confusão entre a mulher fácil e a esposa e mãe era enorme. Por um lado, embora as mulheres correspondessem à grande parcela da força de trabalho e esses fossem tempos de forte militância em favor de seus direitos, a mentalidade machista era muito arraigada. Mesmo entre anarquistas e comunistas, a fábrica, espaço de trabalho para milhares de imigrantes e seus descendentes, era considerada um "lupanar", um "bordel", um "antro de perdição". A maior parte da imprensa operária atacava as mulheres que deixavam seus lares para trabalhar no seu ganha-pão. Não poucas operárias tinham de provar em casa que trabalhavam em "serviço honesto". Outras contavam com o depoimento de amigos e colegas para testemunhar que "na fábrica, se comportava bem..." O jornal A Razão, em editorial de 29 de julho de 1919, repetia argumentos já conhecidos pelo leitor. Seduzidas pelas facilidades do mundo moderno, pelo discurso radical do feminismo e do anarquismo e convivendo de perto com o submundo da prostituição, as mulheres deixariam de ser mulheres: "O papel de uma mãe não consiste em abandonar seus filhos em casa e ir para a fábrica trabalhar, pois tal abandono origina, muitas vezes, consequências lamentáveis".
De fato, algumas dessas consequências eram dramáticas para as casadas ou noivas. O assédio de chefes e patrões não era raro. É da operária Luiza Ferreira de Medeiros o depoimento sobre o cotidiano na Fábrica Têxtil Bangu, no subúrbio do Rio de Janeiro, durante a Primeira Guerra:
Mestre Cláudio fechava as moças no escritório para forçá-las à prática sexual. Muitas moças foram prostituídas por aquele canalha. Chegava a aplicar punições de dez a quinze dias pelas menores faltas, e até sem faltas, para obrigar as moças a ceder a seus intentos. As moças que faziam parte do sindicato eram vistas como meretrizes, ou pior do que isso: eram repugnantes.
Com a crescente incorporação das mulheres ao mercado de trabalho e à esfera pública, lembra a historiadora Margareth Rago, a questão do trabalho feminino era motivo de discussão com outros temas que envolviam as mulheres: virgindade, casamento e prostituição. Enquanto o mundo do trabalho cabia como uma luva na metáfora do "cabaré", o lar era valorizado como o espaço sagrado da "santa rainha do lar", do "reizinho da família". Com o vertiginoso crescimento urbano das primeiras décadas do século, o mundo do trabalho passou a ser visto como algo profundamente ameaçador para as mulheres e não faltavam críticos dessa situação:
São Paulo caminha para uma perdição moral [...]. Outrora, em suas ruas onde só se encontravam famílias e casas habitadas por quem tem o que fazer, se veem hoje, caras impossíveis, mostrando, embora cobertas pelo cold cream e pelo creme Simon, polvilhado pelo pó de arroz, os sulcos que não se extinguem, deixados pelo deboche e pelas noites passadas em claro libando, em desenvolta moralidade, as taças de champagne falsificado, entre os pechisbeques do falso amor.
Junto ao clamor pela "volta ao lar" dessas que não se sabia se trabalhadoras direitas ou prostitutas disfarçadas, corria também a preocupação de médicos, como o Dr. Potyguar de Medeiros, com a educação como meio de escapar ao ineroxável meretrício. Em seu estudo de 1921, Sobre a phrophylaxia da syphilis, dizia que as jovens trabalhadoras não tinham meios para se defender das armadilhas do mundo moderno.
Nas habitações coletivas que se erguiam nas cidades em crescimento, nas pensões, nos porões ou casebres de favelas, casais se faziam e desfaziam ao sabor das necessidades de uma população itinerante. Elas são o espaço de outra moral, de outra família e, por conseguinte, de outros afetos e amores. Uma série de fatores somava-se para que as mulheres pobres garantissem sua autonomia: a ausência de propriedade, os entraves burocráticos, a dificuldade de homens pobres se fazerem, como os burgueses, de únicos mantenedores da família. Não deviam ser poucas a pensar, como a mulata Rita Baiana, do romance O cortiço, de Aluísio de Azevedo: "Casar? Protestou Rita. Nessa não cai a filha do meu pai! Casar! Livra! Para quê? Para arranjar cativeiro? Um marido é pior que o Diabo, pensa logo que a gente é escrava! Nada! Qual! Deus te livre! Não há como viver cada um senhor e dono do que é seu!".
Mary Del Priore
Historiadora

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Diógenes de Sínope (413 - 323 a.C.)

John William Waterhouse
Diógenes foi aluno de Antístenes, fundador da escola cínica. Em sua época Diógenes foi destaque e símbolo do cinismo pois tornou sua filosofia uma forma de viver radical. Diógenes expressava seu pensamento através da frase "procuro um homem". Conforme relatos históricos ele andava durante o dia em meio às pessoas com uma lanterna acessa pronunciando ironicamente a frase. Buscava um homem que vivesse segundo a sua essência. Procurava um homem que vivesse sua vida superando as exterioridades exigidas pelas convenções sociais como comportamento, dinheiro, luxo ou conforto. Ele buscava um homem que tivesse encontrado a sua verdadeira natureza, que vivesse conforme ela e que fosse feliz.
Jean Léon Gérôme
Para ele os deuses deram aos homens formas para viverem de modo fácil e feliz, mas esses mesmos deuses esconderam essas formas dos homens. Diógenes buscava descobrir esses modos de viver tentando demonstrar que as pessoas tem a seu dispor tudo aquilo que realmente precisam para ser feliz. Mas para isso as pessoas tem que conhecer a sua natureza e as verdadeiras exigências que essa lhe faz. Pensando nisso ele afirma que a música, a física, a matemática, a astronomia e a metafísica são inúteis pois são formuladoras de conceitos, muito além dos conceitos o que importa é a ação, o comportamento e o exemplo. Nossas reais necessidades são para ele aquelas que nos impõe a nossa condição animal, como nos alimentar por exemplo. O animal também não tem objetivos para viver, ele não tem que responder pelos seus atos para a sociedade, ele não precisa de casa ou conforto. É nas necessidades básicas dos animais que o homem deve se espelhar para conduzir sua vida.
Diógenes pôs em pratica seus pensamentos e passou a viver perambulando pelas ruas na mais completa miséria tomando por moradia um barril o que se tornou um ícone do quão pouco os homens precisam para viver. Alimentava-se do que conseguia recolher em sua cuia. Tinha por proteção um manto que usava para dormir e usava os espaços públicos para fazer tudo mais que precisava. Segundo ele esse modo de viver o deixava livre para ser ele mesmo, pois eliminava a necessidade de coisas supérfluas. Ele acreditava atingir essa liberdade cansando o corpo para se habituar a dominar os prazeres até desprezá-los por completo, pois para os cínicos os prazeres enfraquecem o corpo e a alma, pondo em perigo a liberdade do homem, pois o torna escravo dos mesmos.
Os cínicos contestavam ainda o matrimônio e a convivência em sociedade. Eles se declaravam cidadãos do mundo. Acreditavam que o homem deve ser autônomo e auto suficiente tratando o mundo com indiferença, pois a felicidade deve vir de dentro do homem e não do seu exterior.
Outro fato conhecido de Diógenes é seu encontro com Alexandre, então o homem mais poderoso conhecido. Alexandre solicitou que Diógenes pedisse o que quisesse e este pediu que Alexandre saísse de sua frente, pois estava tapando o sol. Diógenes estava com esse ato demonstrando o quão pouco ele necessitava para viver bem conforme sua natureza.


sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Encontros amorosos entre sapiens e neandertais

Randii Oliver - Reconstituição moderna de uma família de neandertais
Nos rostos dos adultos que se agacham ao redor da cova e do fogo, é possível discernir uma sugestão de dor ou tristeza enquanto a fumaça aromática de pinheiro selvagem deixa devagar a gruta. Quando a fogueira se extingue, o corpo do menino está pronto para fazer sua última viagem. A mortalha de pele, salpicada de ocre, mancha a criança, que tem outros enfeites: no peito, um colar feito de uma só concha; na fronte, um diadema de dentes de veado; ao lado, como último presente, um filhote de coelho...
Separado do século XXI por pelo menos 25 mil anos, esse enterro de criança está ajudando a superar um abismo de tempo ainda mais vasto, e sobre as próprias origens da humanidade. Traços do esqueleto desse menino, morto com não mais que cinco anos de idade perto de onde hoje é a cidade de Leiria, em Portugal, sugerem que ele é o resultado da mistura entre neandertais e humanos modernos, ocorrida entre 2 mil e 3 mil anos antes do seu nascimento.
A ideia de que houve um longo processo de contato e mestiçagem entre ambos os povos, com efeitos aparentes milênios depois do desaparecimento dos neandertais 'puros', é a principal conclusão de um trabalho de 610 páginas publicado em 2003 em Lisboa. A monografia, batizada com o título Portrait of the Artist as a Child (Retrato do artista quando criança), reafirma uma posição polêmica que vem pondo em polvorosa o mundo da antropologia desde que foi exposta pela primeira vez, em 1999. Para os autores, não há mais discussão: ao deixar a África e colonizar a Europa, a humanidade moderna não exterminou os antigos habitantes do continente, mas, em maior ou menor grau, misturou seus genes aos deles. E o esqueleto do menino é a prova mais cabal disso. [...]
Ninguém poderia imaginar que a criança, apelidada de "menino do Lapedo", graças ao nome do vale português onde foi encontrado, fosse gerar tamanha controvérsia. Como acontece com nove entre 10 achados antropológicos ou arqueológicos importantes, o esqueleto veio à luz por acaso. Em 1998, um estudante da Universidade de Évora chamado Pedro Ferreira, sem muitas ideias para um trabalho da faculdade, resolveu explorar o vale do Lapedo em busca de exemplares de arte rupestre, e acabou encontrando uma ou outra figura antropomórfica nos penhascos calcários da região. A notícia do achado chegou ao Instituto Português de Arqueologia (IPA) através da Sociedade Torrejana de Espeleologia e Arqueologia (STEA), e João Zilhão, o diretor do instituto à época, pediu a dois membros da sociedade para verificarem o relato de Ferreira.
A análise dos restos prosseguiu rapidamente, embora boa parte deles tivesse sido espalhada para fora da sepultura original por causa de uma terraplanagem. Por um bom tempo, não passou pela cabeça de ninguém a ideia de que o menino fosse diferente de uma criança humana moderna; o osso do queixo saliente, traço que só se torna bem desenvolvido no Homo sapiens, parecia falar por si só. Trinkaus, contudo, começou a notar o que se tornaria, para a equipe, a noção definidora do menino do Lapedo: uma mistura complexa de características ósseas, um mosaico.

Fonte:
Revista Scientific: ( Encontros amorosos entre sapiens e neanderthal)

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Aborto: uma longa história

Giorgione (Giorgio Barbarelli) - Vênus adormecida

Desde a Antiguidade até o advento da pílula, o aborto representou a arma de controle contraceptivo de casais legítimos, mas era, sobretudo, utilizado no quadro das relações extraconjugais. Embora não tenhamos dados sobre a frequência com que se abortava no Brasil - ao contrário da França setecentista, na qual as declarações de gravidez feitas obrigatoriamente à justiça do Estado permitiam calcular o número de abortos realizados - esse "crime" já fora comentado nas primeiras cartas jesuíticas como um hábito corrente entre as mulheres indígenas do Brasil Colonial. Essas, segundo os padres da Companhia de Jesus, apertavam as barrigas, carregavam peso e preparavam beberagens capazes de fazê-las "mover", contrariando teses debatidas em concílios, sermões e cânones que não perdiam uma única oportunidade para denunciar o aborto. Condenando a alma das crianças mortas ao limbo, o aborto era um pecado contra o corpo e sobretudo contra Deus que, depois da queda dos anjos rebeldes, precisava repovoar o paraíso com almas batizadas.
A luta contra o aborto entrou pelo século XIX, provocando em sua passagem perplexidade e rejeição. O viajante Debret, ao retratar uma vendedora de arruda nas ruas do Rio de Janeiro, anotava:"...esta planta tomada como infusão provoca o aborto, triste reputação que aumenta sua procura". As leis do reino de Portugal vigorando no Brasil Colônia condenavam o aborto voluntário, exigindo proceder sumário no caso de haver "mulheres infamadas de fazer mover outras" ou "médicos, cirurgiões e boticários que dão remédio para este dolo mau". Os quadros da Igreja eram também inquiridos sobre a familiaridade que teriam com esse crime. Os processos de admissão aos seminários perguntavam diretamente se o noviço teria sido causa de "algum aborto, fazendo mover alguma mulher". Prontuários de teologia moral condenavam violentamente a "agência, auxílio e conselho para fazer aborto depois de animado o feto". Nos documentos coloniais encontra-se a crença herdada da Antiguidade de que o feto não estaria animado senão depois de passados 40 dias, o que deixava amplas margens para medidas abortivas levadas a termo por mulheres que não estavam de todo desarmadas diante de uma gravidez indesejada. A Igreja era sensível a essa realidade e admoestava as que procuravam medicamentos e remédios para o dito fim "depois de estar animado o feto". Ela não deixava, tão pouco, de examinar os casos em que a mulher grávida, estando enferma, tomava remédios dos quais se seguia indiretamente aborto.
Essa prática foi aplicada por meio do uso indiscriminado de sangrias e laxantes. Sem contar os instrumentos pontiagudos como fusos de roca, broches de ferro, colheres e canivetes, eficientes para provocar o aborto, mas também infecções mortais. Os párocos das capelanias eram instados a indagar às suas penitentes se tomavam "alguma beberagem ou mezinha para mover [...] e de que meses eram prenhas quando moveram e se moveram macho ou fêmea". O olhar penetrante da Igreja varria a intimidade das mães, arrancando-lhes até informações sobre a identidade do fruto recusado. "Bebeste alguma coisa para vos causar aborto? Movesse porventura? Apertasse a barriga com as mãos para mover? Mataste vossa criança no ventre?" E os párocos inventariavam os gestos tradicionais do aborto, os mecanismos que derivavam da atrição ou os farmacológicos, que se utilizavam da fitoterapia, sobretudo da arruda. Cabia também ao confessor convencer a mulher da importância de conservar seu fruto, da mesma forma com que deviam "sofrer com paciência as incomodidades da prenhez e as dores do parto como pena do pecado"; dizia um pregador ao qual cabia, antes do parto, "cuidar para que por sua culpa não suceda algum aborto ou parto intempestivo".
A reflexão do confessor bem expressava a convicção da Igreja de que na maternidade residia o poder feminino de dirimir pecados. E, dentre eles, o maior de todos: o original. Causa central da expulsão do paraíso terreal, a mulher podia resgatar o gênero humano do vale de lágrimas em que bracejava, chamando a si permanente tarefa da maternidade. Nessa perspectiva, o aborto corporificava a maior monstruosidade. Além de privar o céu de anjinhos, ao "privar-se das incomodidades da prenhez" a mulher fugia às responsabilidades de salvar, no seu papel de mãe, o mundo inteiro. Junto com o horror ao aborto, a Igreja convivia ainda com outra forma de controle malthusiano: o infanticídio, ou o dito "afogamento dos filhos", no leito conjugal. O hábito das mães deitarem-se com seus bebês e os esmagarem durante o sono estava tão disseminado no Antigo Regime que as Constituições dos bispados previam punição de penitência "a pão e água por 40 dias" para esse crime. A dita penitência devia estender-se por três anos, se a criança fosse batizada, e por cinco, se não fosse.
Os dados capturados pelo historiador no discurso da Igreja não permitem saber quem abortava. Seriam as mães solteiras, as viúvas, as casadas, as adúlteras? Delas não há um retrato nítido. Por que abortavam? O desespero diante do filho indesejado, o pânico diante do estigma social ou da expulsão familiar parecem respostas possíveis. Mas que tipo de estigmatização poderia sofrer a mulher? O pior crime não parece ter sido o de ter filhos fora do matrimônio, como sublinhava a Igreja, mas ter matado o próprio fruto. Parece inegável que a valorização da maternidade, a eleição do corpo feminino como pagador de pecados solidificaram uma mentalidade de proteção da gravidez e exaltação da fecundidade da mulher na qual o aborto aparecia como uma mácula.
O interessante é que o preconceito contra a mulher que abortava já existia no dia-a-dia das comunidades. Não são poucos, em nosso folclore, os relatos de filhos mortos que retornam para queixar-se do abandono da mãe. O mais conhecido deles é o da "porca dos sete leitões". Mito europeu e ibérico, ativo desde a Idade Média, nele a porca representa os apetites baixos da sua carnalidade sexual, bem expressa na pecha com a qual as esposas criticavam as atividades extraconjugais dos maridos: "trata-se sempre da alma de uma mulher que pecou com o filho nascituro. Quantos forem os abortos, tantos serão os leitões", diz o especialista Câmara Cascudo. A Igreja encontrava, portanto, respaldo para combater o aborto na rejeição à mulher que rompia o acordo com a natureza. Ao que tudo indica, a Igreja passou a reforçar a imagem da mulher-que-aborta com aquela da mulher-que-vive-a-ligação-ilegítima. Ela distinguia as primeiras por não ter um casamento protetor, no seio do qual pudessem criar de maneira cristã, daquelas outras que educavam os filhos à sombra do sagrado matrimônio.
Ao combater o aborto, combatiam-se os chamados "mores dissolutos" cujo desdobramento - os filhos ilegítimos - podia levar a mulher a desejar a interrupção da gravidez. O aborto passava a ser visto, depois da longa campanha da Igreja, como uma atitude que "emporcalhava" a imagem ideal que se desejava para a mulher. A "porca dos sete leitões" tornava-se na mentalidade popular a antítese da mãe ideal, casada sob a bênção do padre. Como se pode ver, o papel da Igreja, ontem, ajuda a explicar sua atitude hoje, revelando também que temas importantes para a sociedade brasileira, como o do aborto, têm de ser examinados à luz das transformações sociais. O tabu do divórcio acabou, as famílias monoparentais se multiplicam e os jovens não fazem questão de casar para ter filhos. Por isso é sempre bom lembrar que, embora guardemos marcas do nosso passado, não vivemos mais no século XVIII!
Mary Del Priore
Historiadora

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

As perseguidas: as mulheres nos romances filosóficos do século XVIII

Se tomadas por paixões, as mulheres não raciocinam com a cabeça, e sim com a genitália. Pelo menos era nisso que acreditava o filósofo Denis Diderot (1713-1784), que ainda emendava: as mulheres estariam tão submetidas a seus impulsos que suas almas - se é que mulher possuía alguma - estariam em suas vaginas. Em seus escritos, ele chamava a genitália feminina, "carinhosamente", de "joia": "Acho que a joia leva uma mulher a fazer mil coisas sem que ela perceba. Já reparei, mais de uma vez, que uma mulher que pensava estar seguindo sua cabeça, na verdade estava obedecendo à sua joia. Um grande filósofo situava a alma masculina no cérebro. Se eu atribuísse às mulheres uma alma, sei onde a situaria."
François Boucher - Louise O' Murphy - amante do rei Luís XV.
Diderot não foi o único a pensar na mulher desta forma. Boa parte dos "romances filosóficos" concebia suas personagens femininas como "emocionalmente desequilibradas" e "irrascíveis em suas paixões", mais propensas a caírem, inclusive, em um desregramento sexual. A origem desses romances, no século XVIII, está relacionada ao Iluminismo. Alguns filósofos da chamada "Época das luzes" tentaram responder a perguntas sobre uma possível natureza feminina. Afinal, o que se vê nas mulheres que não é possível ver nos homens? Existe uma superioridade masculina com relação ao controle dos sentimentos? Quais seriam, então, os "atributos" de uma "mulher virtuosa"? Em diferentes oportunidades, os pensadores responderam a suas inquietações por meio dos chamados "romances filosóficos".
Além de Diderot, Montesquieu (1689-1755), Voltaire (1694-1778), Rousseau (1712-1778) e Crebillon Fils (1707-1777) fizeram dos romances importantes veículos para a divulgação das ideias e dos ideais iluministas, que criticavam a sociedade hierarquizada e a Igreja Católica. Talvez tenha sido esse um dos motivos pelos quais os romances foram tão perseguidos pela censura portuguesa no século XVIII. Mas as luzes - e, consequentemente, os romances - não se preocuparam apenas em avaliar e ironizar o trono e o clero. É certo que entre os temas mais abordados pelas narrativas também apareceu, de forma recorrente, a questão do feminino. Não teria sido fortuito, por exemplo, o fato de que vários romances, logo em seus títulos, já fizessem menção ao "belo sexo". Foi o caso dos romances Teresa Filósofa (1749), de Jean-Baptiste de Bayer, o marquês d'Argens (1704-1771), A Religiosa (1760), de Denis Diderot, Júlia ou A Nova Heloísa (1761), de Rousseau, e A Princesa de Babilônia (1768), de Voltaire.
Duas fases marcaram as opiniões dos "romances filosóficos" sobre as mulheres. Em uma fase inicial - na primeira metade do século XVIII -, as mulheres foram descritas de forma bastante pejorativa, quase sempre relacionadas a "paixões". Mas as mulheres não eram descritas como possuidoras de uma paixão que, bem moderada, incentivava as pessoas a cumprir seus objetivos. Não. Elas eram associadas a uma "má paixão", descontrolada, sem limites. Em suma: uma paixão que transformava os seres humanos em criaturas quase irracionais.
Essa imagem lasciva da mulher teve importantes consequências na caracterização das personagens dos romances. Em geral, as heroínas da primeira metade do século XVIII possuíam características físicas e psicológicas - juventude, beleza e voluptuosidade - que as inclinavam "naturalmente" a viver suas paixões. Jovens, as personagens representavam uma dupla imagem: a da mulher a ser deflorada e a da menina que começava a ser impelida ao sexo por seus próprios sentidos - situação vivida, por exemplo, pela personagem Teresa, do romance Teresa Filósofa. Bonitas, elas seriam sempre desejadas e convidadas a viver suas paixões. Manon Lescaut, a sensual protagonista de A História do Cavalheiro Des Grieux e Manon Lescaut (1731), escrita pelo abade Prévost (1697-1763), é um exemplo lapidar. Voluptuosas, as mulheres estariam constantemente com suas paixões afloradas, como Fatmé, coadjuvante de Cartas Persas, romance de Montesquieu publicado em 1721 e proibido pela censura portuguesa em 1771.
Jean Léon Gérôme - Piscina em um harém.
Nessa obra, as "mulheres orientais" são descritas por Montesquieu como seres tão desejosos de sexo que, para não se "perderem", deveriam ser trancafiadas e vigiadas, dia e noite, por eunucos. Vistas como lúbricas ao extremo, estas infelizes prisioneiras não conseguiam suportar a ausência do falo masculino. Somente por meio dele suas "paixões" poderiam ser temporariamente saciadas. Fatmé, ao longo de todo o romance, ilustrou bem este discurso. Presa em um serralho e distante de Usbek, seu "senhor", ela lamentava não poder saciar os desejos que tanto a castigavam. Sofrendo com os ataques de suas paixões, Fatmé oscilava entre a resignação - a fidelidade a Usbek - e o desespero - o anseio incontrolável por sexo. Até que, no limite de sua resistência, desabafa, com rara franqueza, em carta a Usbek: "Como é infeliz a mulher que tem desejos tão violentos quando está privada do único meio de saciá-los; quando abandonada a si mesma, nada tendo que a possa distrair, ela tem de habituar-se aos suspiros e viver no furor de uma paixão irritada".
Se havia interesse pela juventude e pela voluptuosidade, o mesmo não se pode dizer sobre personagens que viessem a representar os papéis de esposas e mães. Pouquíssimas obras, entre 1721 e 1760, apresentavam esse perfil. A razão parece óbvia: maternidade e matrimônio exigiam uma postura mais equilibrada das mulheres. E, definitivamente, os romances da primeira metade do século XVIII não viam, nem queriam ver, o feminino de tal forma. Interessavam-se mais pelas mulheres apaixonadas. Afinal, na opinião manifestada em alguns romances, eram as que melhor representavam a tão discutida e controvertida "natureza feminina". Além disso, tais personagens seriam, segundo os escritores do período, mais interessantes para o público leitor. Sendo loucas em suas paixões, a possibilidade de as heroínas se envolverem em cenas lascivas seria bastante considerável. E entre ver esposas cuidando de seus afazeres domésticos e bisbilhotar belas jovens se entregando ao sexo, muitos preferiam esta última opção.
Uma alternativa que agradava aos leitores deveria desagradar, e muito, aos censores portugueses. Basta lembrar que boa parte dos romances proibidos foi de obras escritas e publicadas na primeira metade do século XVIII. Boa parte, mas não a totalidade. A censura portuguesa também proibiu um número considerável de obras lançadas após 1750. Entre elas estava Júlia ou A Nova Heloísa, de Jean-Jacques Rousseau, proibida pelo Edital da Real Mesa Censória em 24 de setembro de 1770. Uma proibição que - pensando especificamente no feminino - chega a surpreender. Sob vários aspectos, a obra proibida de Rousseau se alinhava às opiniões de uma moral religiosa que era apregoada às mulheres e que os tribunais censórios portugueses tanto defendiam. Em vez de corromper e ridicularizar valores como a virgindade, o casamento, a fidelidade conjugal, o "dever" da mulher de ser obediente ao homem - primeiro ao pai, depois ao marido - e o zelo materno, temas caros à religião católica. A Nova Heloísa os defendeu de forma explícita.
François Boucher - A refeição da tarde.
Romance epistolar, com narrativa desenvolvida a partir de cartas trocadas entre os personagens, A Nova Heloísa marcou outro momento dos "romances filosóficos", com novas opiniões sobre o feminino. Nele, as mulheres não foram descritas apenas pelo ângulo das "paixões". O "belo sexo" passava a ser relacionado também a uma ideia de virtude, que estava estreitamente ligada a três pilares: à virgindade na juventude - afinal, "o amor nas moças é indecente e escandaloso e apenas um esposo autorizaria um amante" -, ao matrimônio e à maternidade. Segundo Rousseau, quando adulta, a mulher deveria saber qual é o seu lugar. A "mulher virtuosa" seria a esposa casta e submissa e a mãe que prepara os filhos para serem educados pelos homens: "Mas há um longo caminho dos seis anos aos 20; meu filho não será sempre criança e, à medida que sua razão comece a nascer, a intenção de seu pai é de realmente a deixar exercer. Quanto a mim, minha missão não vai até lá. Alimento crianças e não tenho a presunção de querer formar homens. Espero, disse olhando seu marido, que mãos mais dignas venham a se encarregar desse trabalho. Sou mulher e mãe, sei manter-me em meu lugar. Ainda uma vez, a função de que estou encarregada não é a de educar meus filhos, mas de prepará-los para serem educados".
Essas opiniões novamente se refletiram na caracterização das próprias personagens. Se nos romances anteriores à obra de Rousseau as heroínas não foram pensadas para viver a maternidade e o matrimônio, e sim para deixarem transparecer "os efeitos das paixões", na Nova Heloísa a situação se inverte. Neste romance, as personagens estão envolvidas com suas futuras obrigações de mãe e esposa durante quase toda a narrativa. De Montesquieu a Rousseau, os "romances filosóficos" estiveram longe de propagandear uma emancipação feminina. Suas personagens bem demonstraram isso. Apaixonadas ou virtuosas, as mulheres foram sempre vistas nas obras como seres inferiores aos homens, tanto em sua capacidade psicológica quanto nos seus direitos perante a sociedade. A situação era bem difícil: se ousassem expor seus sentimentos, seriam encaradas como escravas de suas paixões. Se optassem por não abraçar a maternidade e o matrimônio, estariam se afastando da virtude. Mas, apesar de tanta resistência, as mulheres, mesmo vivendo em tal contexto, conquistaram importantes avanços. E continuam conquistando. Apaixonados e virtuosas.
Renato Sena Marques.
As Perseguidas.
In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 7 / Nº 79 / Abril 2012. p. 48-51.