terça-feira, 31 de julho de 2012

No silêncio da noite

Leon Richet
No silêncio da noite vou formando
teu retrato, no silêncio da noite
modelando teus olhos, teus cabelos
entre os lençóis de sono que me envolvem.

Na meia claridade, mal desperto,
angustiado, insone, construindo
a arquitetura móvel de teus lábios
levanto-me, e estás sempre comigo.

Durante o dia e a qualquer momento
estamos lado a lado, vou compondo
a tua imagem (vento sombra nuvem),
lembrança amiga no trabalho duro.

E surges na agonia do crepúsculo
- e és a aurora inaugurando a noite.

Fernando Py

segunda-feira, 30 de julho de 2012

É o gigante da alma que me segue

Edward Munch - O Grito
É o gigante da alma que me segue
Marcando-me por dentro, todo e sempre
(Como os sonhos, os donos de mim mesmo).
Não consigo afastá-lo do caminho;
Pergunto-me, duvido, adio, fujo
Conhecendo-me nunca intimamente.
São dezenas de sonhos, são projetos
De rasgos voluntários sem começo,
São estrelas perdidas no escuro
De uma infância culpada do presente,
Cordilheira dos Andes do futuro.

Henrique Simas

Carlos Eugênio Paz

“Para virar a página, antes é preciso lê-la”.
Baltasar Garzón
Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz nasceu em Maceió - Alagoas em 23 de julho de 1950. Chegou no Rio de Janeiro em 1958. Estudou no Franco-Brasileiro, no Colégio Andrews e no Pedro II. Flamenguista desde Maceió e Marighellista desde 1966. Foi escoteiro no Grupo João Ribeiro dos Santos, viu o Aterro do Flamengo ser construído, viveu feliz nas ruas do Rio de Janeiro. Militante da Ação Libertadora Nacional - ALN, combateu de armas na mão a ditadura civil-militar de direita. Um dos poucos que conseguiu sobreviver, foi para o exílio em 1973, passando oito anos em Paris. Lá estudou música, ciências sociais e fez amigos. Voltou ao Brasil em 1981 para assistir a morte de seu pai. Retomou a vida legal somente depois de ser anistiado pelo STF em maio de 1982. Suas grandes paixões são a música, a literatura e a política.
Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz, deixou o Colégio Pedro II no Rio de Janeiro com 17 anos e ingressou na ALN - Ação Libertadora Nacional, para simplesmente ao lado de Carlos Marighella, derrubar a ditadura através da luta armada. E o hoje músico, escritor e militante no PSB-RJ, prossegue na sua luta, agora pelas reformas estruturais impedidas pelo golpe civil-militar de 1964, reformas estas que até hoje ainda não foram realizadas. Morreu em 29 de junho de 2019.
Tudo o que ele viveu na luta armada e de resistência ao golpe civil-militar está descrito nos dois livros de sua autoria que são:

....................→ "Viagem à Luta Armada"
.....................→ "Nas Trilhas da ALN".
Ambos leitura obrigatória para quem quiser conhecer a verdadeira história do período.

domingo, 29 de julho de 2012

Av. Barão de Itapura

Barão de Itapura conta a história da cidade em 5km

Famosa por sua grande extensão. Em seu trajeto, a Barão de Itapura cruza cinco tradicionais bairros da cidade: Vila Industrial, Botafogo, Guanabara, Jardim Nossa Senhora Auxiliadora e Taquaral.
A história da Avenida Barão de Itapura tem início no final do século XIX, com a necessidade de se criar uma via que ligasse o bairro Botafogo ao Guanabara, passando por importantes pontos como o Instituto Agronômico de Campinas e o Liceu de Artes e Ofício.
Uma curiosidade na história da via é que, inicialmente, ela receberia o nome de Boulevard Barão de Itapura, em referência às avenidas de Paris, que eram largas e arborizadas. A presença das árvores, porém, só aconteceu em 1913, por meio da doação das mudas pelo Instituto Agronômico. Por isso, o nome escolhido foi aquele que ela leva até hoje: Avenida Barão de Itapura.
Com a consolidação da via, as residências começaram a aparecer e seus proprietários, geralmente industriais, comerciantes e médicos, se instalaram em imponentes edificações. Um dos exemplos foi Miguel Vicente Cury, proprietário da Fábrica de Chapéus Cury.
Já era de se esperar que a avenida se tornaria referência para a cidade. Hoje, o destaque pode ser dado para o fluxo de veículos e a grande quantidade de estabelecimentos comerciais que abriga, como colégios, padarias, restaurantes, supermercados, concessionárias e bancos.
Logo após a conclusão das obras de abertura da nova Avenida, a Barão de Itapura passou a fazer parte do itinerário dos bondes. O principal deles era a linha com destino ao Guanabara, no sentido Centro-bairro e vice-versa, com ponto final exatamente ao lado da atual Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora.
Em outro trecho, mais precisamente na esquina com a Rua Buarque de Macedo, a Avenida Barão de Itapura recebia o leito ferroviário. Por esse motivo, o local possuía uma guarita com porteira de madeira que proibia o trânsito na via durante a passagem da composição ferroviária.
A porteira da linha férrea da Mogiana foi removida somente na década de 1960, com a desativação do trecho Campinas- Poços de Caldas, serviços que eram realizados pela Estação Ferroviária Paulista.
Hoje, a Avenida Barão de Itapura atende apenas o modal rodoviário e é uma das mais movimentadas da cidade. No trecho próximo ao cruzamento com a Avenida Brasil, tem um fluxo superior a 20 mil veículos por dia. Já em relação ao transporte coletivo, a Avenida possui 11 pontos de ônibus e recebe 16 linhas do Sistema InterCamp.
A Barão de Itapura era, ainda, palco de grandes eventos. Diferente do que acontece atualmente, os desfiles de 7 de setembro, em comemoração ao Dia da Independência, eram realizados nesta via.
Também durante as décadas de 50, 60 e 70, a Avenida atraía grande público com a Corrida de “Baratinhas”, termo usado para nomear os carros de corrida da época. As disputas estavam entre os eventos mais esperados pela população local na época.

Entre esses eventos, aquele que mais marcou história aconteceu em 1968. A rainha do Reino Unido, Elizabeth II, esteve no Brasil e, durante a visita, passou por Campinas. Um de seus compromissos era no Instituto Agronômico da cidade, localizado na Barão de Itapura. O acontecimento atraiu um grande número de curiosos.
Instituto Agronômico de Campinas

Fundado em 1887 pelo Imperador D. Pedro II e com a denominação de Estação Agronômica, o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) se destacou, mundialmente, pelos serviços prestados à agricultura, primordialmente do café.
Em 1892, passou para a administração do Governo do Estado de São Paulo. Um dos destaques, em toda a história, pode ser dado pelo desenvolvimento de tecnologias durante a crise do café, em 1929, que diminuiu os impactos no país com a viabilização do algodão em lavouras paulistas.
Atualmente, o IAC é um órgão de pesquisa da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado. O Instituto conta com 216 pesquisadores científicos, que atuam na disponibilização de tecnologias capazes de adaptar culturas a diferentes situações de clima e solo.
Todas as atividades são realizadas em 11 centros de pesquisa e três de apoio em Campinas, Ribeirão Preto, Jundiaí e Cordeirópolis. O IAC é referência mundial em pesquisas com citros, café e cana-de-açúcar, setores em que o Brasil é líder na produção.

Presença religiosa
Apesar da grande quantidade de estabelecimentos comerciais, a religião também está presente na Avenida Barão de Itapura. Estabelecido em um quarteirão da via, o Instituto Educacional Imaculada está entre as mais tradicionais escolas da cidade.
O colégio foi fundado em 1948 pelas Filhas de Jesus, congregação de origem espanhola dedicada à Educação Cristã de crianças, adolescentes e jovens. Na época, denominada como Lar Universitário Marial, era exclusivo para meninas.
Hoje, o Imaculada oferece cursos de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, além de manter projetos sociais em diversas regiões de Campinas.
Algumas quadras à frente, mais precisamente na esquina com a Rua Baronesa Geraldo de Resende, está a Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora, que foi fundada em 1963, inicialmente na Capela do Colégio Liceu, logo ao lado.
O aumento de frequentadores, no entanto, trouxe a necessidade de construção de um novo templo. Com arquitetura inspirada na Catedral de La Plata, na Argentina, e uma torre com 50 metros de altura que pode ser vista da via Anhanguera, a paróquia foi oficialmente inaugurada com uma missa em 1966.

Quem foi Barão de Itapura?
Nascido em 1809, em Ponta Grossa, Paraná, Joaquim Polycarpo Aranha veio para Campinas quando a cidade ainda era denominada Vila de São Carlos.
Proprietário da Fazenda Chapadão, nos arredores de Campinas, foi um dos grandes plantadores de café do país. De 1845 a 1848, elegeu-se vereador da cidade.
Apesar dos seis filhos, ele e a esposa acolhiam órfãos e viúvas desamparadas na própria casa. Com os serviços prestados à sociedade campineira, o Governo Imperial concedeu-lhe o título de Barão de Itapura, em 1883.
O atual prédio da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, no Centro, corresponde a sua antiga moradia. Tombado pelo Condepacc, o imóvel mantém as características originais.
Parte integrante da história de Campinas, o Palacete Itapura é um exemplar da arquitetura do café sendo, depois do Palácio dos Azulejos, talvez, o exemplar mais importante dos Barões do Café na cidade, além de representar um período de grande significado econômico, político e social na história do Brasil.

sábado, 28 de julho de 2012

A esperança me chama

Dorothy Lathrop
A esperança me chama e eu salto a bordo
como se fosse a primeira viagem.
Se não conheço os mapas, escolho o imprevisto;
qualquer sinal é um bom presságio.
Seja como for, eu vou, pois quase sempre acredito.
Ando de olhos fechados
feito criança brincando de cega.
Mais de uma vez saio ferida ou quase afogada,
mas não desisto.
A dor eventual é o preço da vida:
passagem, seguro e pedágio.

Lya Luft

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Renuncio às palavras e às explicações

Alphonse Mucha - Memory of Ivancice

Renuncio às palavras e às explicações.
Ando pelos contornos,
onde todos os significados são sutis, são mortais.
Não quero perder o momento belo.
Quero vivê-lo mais, com a intensidade que exige a vida:
desgarramento e fulguração.
Então me corto ao meio e me solto de mim:
a que se prende e a que voa,
a que vive e a que se inventa.
Duplo coração:
a que se contempla e a que nunca se entende,
a que viaja sem saber se chega
- mas não desiste jamais.

Lya Luft

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Livro preferido

Adolphe William Bouguereau
“Não há talvez dias da nossa infância
que tenhamos tão intensamente vivido
como aqueles que julgamos passar
sem tê-los vivido, aqueles que
passamos com um livro preferido”.

Marcel Proust (1871-1922)

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Ditadura Militar

Uma fotografia inédita da ex-militante de esquerda Vera Sílvia Magalhães (1948-2007), tirada em 1970, revela os efeitos da tortura a que foi submetida em um prédio do Exército no Rio de Janeiro.
Vera Sílvia começou sua militância política aos 15 anos de idade no Movimento Secundarista, aos 20 anos ingressou no MR-8 e foi a única mulher a participar do sequestro do embaixador norte-americano no Brasil, Charles Burke Elbrick, em 1969. Presa em março de 1970, Vera Sílvia foi barbaramente torturada até junho, nas dependências do DOI-CODI do Rio de Janeiro, que funcionava num quartel da Polícia do Exército na Rua Barão de Mesquita, quando foi libertada com outros 39 presos no sequestro do embaixador alemão, Von Holleben.
Vera, aparece na imagem sem conseguir ficar em pé, tendo que ser amparada pelo também prisioneiro Cid Benjamin. A foto, obtida pela Folha, está sob a guarda do Arquivo Nacional em Brasília.
Militantes da organização política de resistência à ditadura militar MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), Cid e Vera participaram do sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick em 1969, uma das mais importantes ações urbanas da esquerda armada.
"Não tinha visto essa foto. Eu tinha que segurá-la porque, naqueles dias, ela não conseguia se sustentar em pé, devido às torturas", contou Cid.
Debilitada pela tortura, com 25 quilos a menos, Vera Sílvia aparece na foto dos presos que foram para a Argélia sentada numa cadeira.
As fotografias foram tiradas momentos antes de o grupo ter sido trocado pelo embaixador alemão Ehrenfried Von Holleben, também sequestrado por forças de resistência à ditadura.
Do Rio de Janeiro, o grupo seguiu para a Argélia. Parte regressou clandestina ao Brasil, e alguns acabaram mortos pela ditadura militar. No exílio, Vera estudou sociologia na França. Retornou ao Brasil em 1979, após a aprovação da Lei da Anistia.

Em depoimento prestado à Câmara dos Deputados em 2003, Vera confirmou que as torturas a impediram de ficar em pé pouco antes de ser levada para Argélia.
Ainda no depoimento à Câmara, Vera classificou a tortura que sofreu como "inteiramente desmesurada". "Fui a única torturada na Sexta-Feira Santa na Polícia do Exército. E eles me disseram: 'Você vai ser torturada como homem, como Jesus Cristo'", contou Vera.
Ela nunca mais se recuperou fisicamente. "Para uma mulher, acho que exageraram mesmo. Fiquei cheia de sequelas, cheia de problemas." Vera morreu em 2007, vítima de câncer.
Fonte: Folha de S. Paulo Reportagem de Matheus Leitão e Rubens Valente na Folha de S.Paulo publica foto inédita da ex-miliatante de esquerda Vera Silvia Magalhães (1948-2007), tirada em 1970, que mostra os efeitos da tortura a que foi submetida em um prédio do Exército no Rio de Janeiro.

terça-feira, 24 de julho de 2012

O menino quer um burrinho

O menino quer um burrinho
para passear.
Um burrinho manso,
que não corra nem pule,
mas que saiba conversar.

O menino quer um burrinho
que saiba dizer
o nome dos rios,
das montanhas, das flores,
— de tudo o que aparecer.

O menino quer um burrinho
que saiba inventar histórias bonitas
com pessoas e bichos
e com barquinhos no mar.

E os dois sairão pelo mundo
que é como um jardim
apenas mais largo
e talvez mais comprido
e que não tenha fim.

(Quem souber de um burrinho desses,
pode escrever
para a Ruas das Casas,
Número das Portas,
ao Menino Azul que não sabe ler.)

Cecília Meireles (1901-1964)

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Do livro: Olhinhos de gato

Foto de Marc Ferrez
“O mascate batia com dois paus na mão. Dizia brandamente: "E-renda de linho!" e logo se via tremer no ar colorido o fio trêmulo das rendas esforçando-se em arabescos. Mas o dizer ainda não era nada. Trazia às costas, uns sobre os outros, vários baús azuis, com flores cor-de-rosa.
E punha-se a abri-los, pelas portas. Havia "sapanetes" em caixas excessivamente cheirosas, fitas brilhantes, de todas as cores, alfinetes com cabeça de vidro azul, em forma de passarinho; gaitas, assovios, falutas de lata lustrosa, tão lustrosa como o próprio som que desprendiam, e que fazia aparecer todos os garotos da rua”.
Cecília Meireles (1901-1964)
Do livro: Olhinhos de gato - Editora Moderna

domingo, 22 de julho de 2012

Branca noite de luar

Mal o dia se esgueira
e foge entre as árvores do crepúsculo,
insinuam-se os seus finais
entre as dúvidas do nascer da noite.

Para o rio e sua viagem.
Cessam as águas a sua voz.
Cantos de pássaros interrompem-se
e tombam nos ouvidos da solidão.

Póstumos bois adormecem no relvado as suas sombras,
e um gesto final do ocaso conduz a ovelha derradeira.

Entre os rebanhos recolhidos recolheu-se a tarde
e, enquanto as distâncias se estiram brancamente,
lúcido vinho vai a terra embebedando:
o chão é claro sonho e firmamento.

Verte o céu a sua azul antiguidade
sobre as formas, as ausências e os corações dos homens,
e a lua vai abrindo em leve solo nas alturas
imaginativas ruas de silêncio, de outrora,
de alva tristeza e amoroso pensamento.

Abgar Renault (1901-1995)

Sou composta por urgências

Charles Louis Baugniet
Sou composta por urgências:
minhas alegrias são intensas;
minhas tristezas, absolutas.
Entupo-me de ausências,
Esvazio-me de excessos.
Eu não caibo no estreito,
eu só vivo nos extremos.

Pouco não me serve,
médio não me satisfaz, metades
nunca foram meu forte!

Todos os grandes e pequenos momentos,
feitos com amor e com carinho,
são pra mim recordações eternas.
Palavras até me conquistam
temporariamente...
Mas atitudes me perdem ou me
ganham para sempre.

Suponho que me entender
não é uma questão de inteligência
e sim de sentir,
de entrar em contato...
“Ou toca, ou não toca.”

Clarice Lispector (1920-1977)

sábado, 21 de julho de 2012

A capacidade de se encantar

Leopold Franz Kowalski
Muita gente diz que adora viajar, mas depois que volta só recorda das coisas que deram errado. Sendo viajar um convite ao imprevisto, lógico que algumas coisas darão errado, faz parte do pacote.
Desde coisas ingratas, como a perda de uma conexão ou ter a mala extraviada, até xaropices menos relevantes, como ficar na última fila da plateia do musical ou um garçom mal-humorado não entender o seu pedido. Ainda assim, abra bem os olhos e veja onde você está: em Fernando de Noronha, em Paris, em Honolulu, em Mykonos. Poderia ser pior, não poderia?
Outro dia uma amiga que já deu a volta ao mundo uma dezena de vezes comentou que lamentava ver alguns viajantes tão blasés diante de situações que costumam maravilhar a todos.
São os que fazem um safári na Namíbia e estão mais preocupados com os mosquitos do que em admirar a paisagem, ou que estão à beira do mar numa praia da Tailândia e não se conformam de ter esquecido no hotel a nécessaire com os medicamentos, ou que não saboreiam um prato espetacular porque estão ocupados calculando quanto terão que deixar de gorjeta.
Não saboreiam nada, aliás. Estão diante das geleiras da Patagônia e não refletem sobre a imponência da natureza, estão sentados num café em Milão e não percebem a elegância dos transeuntes, entram numa gôndola em Veneza e passam o trajeto brigando contra a máquina fotográfica que emperrou, visitam Ouro Preto e não se emocionam com o tesouro da arquitetura barroca – mas se queixam das ladeiras, claro.
Vão à Provence e torcem o nariz para o cheiro dos queijos, olham para o céu estrelado do Atacama sofrendo com o excesso de silêncio, vão para Trancoso e reclamam de não ter onde usar salto alto, vão para a Índia sem informação alguma e aí estranham o gosto esquisito daquele hambúrguer: ué, não é carne de vaca, bem? Aliás, viajar sem estar minimamente informado sobre o destino escolhido é bem parecido com não ir.
Estão assistindo a um show de música no Central Park, mas não tiram o olho do iPad. Vão ao Rio, mas têm medo de ir à Lapa. Estão em Buenos Aires, mas nem pensar em prestigiar o tango – “programa de velho!” São os que olham tudo de cima, julgando, depreciando, como se o fato de se entregar ao local visitado fosse uma espécie de servilismo – típico daqueles que têm vergonha de serem turistas.
É muito bacana passar um longo tempo numa cidade estrangeira e adquirir hábitos comuns aos nativos para se sentir mais próximo da cultura local, mas quem pode fazer essas imersões com frequência? Na maior parte das vezes, somos turistas mesmo: estamos com um pé lá e outro cá. Então, estando lá, que nos rendamos ao inesperado, ao sublime, ao belo. Nada adianta levar o corpo pra passear se a alma não sai de casa.
Martha Medeiros

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Pobre amor

Ostritskogo Arcadia Gershevich

Calcula, minha amiga, que tortura!
Amo-te muito e muito, e, todavia,
Preferira morrer a ver-te um dia
Merecer o labéu de esposa impura!

Que te não enterneça esta loucura,
Que não te mova nunca esta agonia,
Que eu muito sofra porque és casta e pura,
Que, se o não foras, quanto eu sofreria!

Ah! Quanto eu sofreria se alegrasses
Com teu beijos de amor, meus lábios tristes,
Com teus beijos de amor, as minhas faces!

Persiste na moral em que persistes.
Ah! Quanto eu sofreria se pecasses,
Mas quanto sofro mais porque resistes!

Aluísio Azevedo (1857-1913)

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Como é doce ouvir a voz do vento

Ah! como é doce ouvir a voz do vento
que andou beijando o cálice das flores
e traz consigo, em místicos rumores,
por muitas vezes, sonho e sentimento.

Lembra, também, as mágoas e o lamento
dos que sofrem, chorando em seus amores,
estas sombras, pequeninas dores
que convertem a vida num tormento.

Mas, às vezes, em louca ansiedade,
passa rugindo em doida tempestade,
gemendo sempre em cantochão profundo.

É que não pode mais manso e calado,
ouvir, passando, o grito revoltado
dos gemidos de dor que andam no mundo!

Hedda de Moraes Carvalho

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Haikai

Karen Koski
Aceita
o voo é o leito
da borboleta.

Joca Reiners Terron

O Rio

John Constable
As aguas passaram
Como passa a vida.
Mas o rio permanece ali,
Inerte, quieto, silencioso.
Só ele sabe, mais ninguém,
de quantos sonhos afogou
hoje, como eu, esta velho e só.
Só as Lembranças permanecem
Em suas solitárias barrancas.

Zélia Cunha

terça-feira, 17 de julho de 2012

Se eu pudesse fazia-te princesa

James Joseph Jacques Tissot
Se eu pudesse fazia-te princesa,
rainha dos gatos, madressilva,
encontro à noite numa autoestrada,
flor de lótus a nascer do sangue.
Ou então ravina de onde a ave presa
do canto voasse à mais alta ogiva,
tomar por sua a lua incendiada
até que o voo interrompesse exangue.
Se soubesse, ao menos se soubesse,
na tua boca um beijo ir acender,
eu fazia-me dança e fazia-me prece,
ou fazia-me chama, rosa do amanhecer,
príncipe da treva que a razão desconhece.
Se soubesse, fazia-te mulher.

Bernardo Pinto de Almeida

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Soneto

Friedrich August Bouterwek
Perto da minha dama e longe do meu querer,
tão cheio de desejo e medo ao mesmo tempo,
o coração me falha e nas palavras tremo
quanto a poder dizer o que quero dizer.

“Bela”, disse eu, de dor fazeis-me estremecer,
e nem sei o que digo, e nem sei o que penso,
perto da minha dama e longe do meu querer.

De todas as demais nem desejo saber,
numa só coloquei todo o bem a um tempo,
Libertar-me ousarei do terror em que tremo
para pedir enfim que me façais valer
perto da minha dama e longe do meu querer?

Alain Chartier (1385-1433)

domingo, 15 de julho de 2012

Trecho do livro 'O Lobo da Estepe'

Zhaoming Wu
“...todos nós, os que desejamos demasiadamente,
os que temos uma dimensão a mais não poderíamos
viver se não existisse uma outra atmosfera onde respirar além da atmosfera deste mundo,
se a eternidade não existisse além do tempo;
e esse é o reino da Verdade.
A ele pertencem a música de Mozart e os poemas
dos grandes poetas que você admira...”

Hermann Hesse (1877-1962)

sábado, 14 de julho de 2012

Cios ociosos

Frederick Carl Frieseke
Arreios nos meus rios
que me sangram,
de arrepios
os cios
que me enganam
sextos,
sétimos
sexos off line
em cios
ociosos
em ócios
desenganos.

Oreny Junior

Ecce Homo


“Sei minha origem: sou a chama e ao iluminar me consumo, e o que toco se inflama e deixo cinzas e fumo.
Certamente sou chama”.

Friedrich Nietzsche (1844-1900)

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Trecho - A vida em conformidade

Peter Szumowski

“...Talvez os fatos mais estarrecedores e verdadeiros nunca
sejam comunicados de homem a homem.
A verdadeira colheita do meu dia-a-dia é algo de tão intangível
e indescritível como os matizes da aurora e do crepúsculo.
O que tenho nas mãos é um pouco de poeira de estrelas
e um fragmento de arco-íris.”

Henry Thoreau (1817-1862)

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Marc Ferrez

Marc Ferrez fotografado por seu filho Júlio, em 1915
Marc Ferrez (Rio de Janeiro, 7 de dezembro de 1843 - Rio de Janeiro, 12 de janeiro de 1923) foi um fotógrafo franco-brasileiro. Retratou cenas dos períodos do Império e início da República, entre 1865 e 1918, sendo que seu trabalho é um dos mais importantes legados visuais daquelas épocas.
Boa parte das imagens do Brasil do século XIX que conhecemos foi captada pelas lentes do fotógrafo Marc Ferrez. De 1863 a 1915, Ferrez registrou paisagens urbanas e rurais do Pará ao Rio Grande do Sul. Nesse período, cobriu boa parte do território nacional a serviço da Marinha e da Comissão Geológica do Império. Metade de seu trabalho mostra o Rio de Janeiro. São dele muitos dos primeiros cartões-postais da capital imperial e um dos retratos mais conhecidos do escritor Machado de Assis. Sua obra constitui o mais importante acervo de imagens brasileiro nos primeiros anos da fotografia. Graças ao arquivamento cuidadoso de negativos e reproduções, das 5.500 imagens que ele deixou, 80% estão em perfeitas condições.
Em 1865, aos 21 anos, abriu a própria firma, a Marc Ferrez & Cia, um estúdio fotográfico bem-sucedido, com sede na Rua São José, e que o colocaria entre os principais profissionais da sua cidade e do próprio Império. Em 1868, já um fotógrafo famoso, recebeu menção honrosa do Almanaque Laemment.
Em 1875, Marc Ferrez foi convidado para integrar como fotógrafo à Comissão Geográfica e Geológica do Império do Brasil, comandada pelo geógrafo canadense Charles Frederick Hartt. A expedição percorreria os estados da Bahia, Pernambuco e Alagoas, e partes da Amazônia. Marc Ferrez fotografaria, quinze anos após Auguste Stahl o ter feito, a Cachoeira de Paulo Afonso. No sul da Bahia, registraria com maestria os índios Botocudos.
Fotografou várias paisagens do Brasil imperial, do Rio de Janeiro como capital da corte. Documentou em imagens, várias obras essenciais para o desenvolvimento daquela cidade.
Marc Ferrez tornou-se impar em sua obra. Conquistou o Império e sobreviveu com prestígio, ao seu fim. Em 1880 recebeu o título de “Photografo da Marinha Imperial” e da Comissão Geográfica e Geológica do Império.
Já na época da República, em 1890, o fotógrafo associou-se a Henri Gustave Lombaets, importante encadernador da Academia Imperial de Belas Artes. Juntos, fundaram a Lombaets, Marc Ferrez & Cia. Da sociedade resultou a publicação de postais e o jornal “A Estação”. Mas a associação durou pouco, sendo desfeita em 1892.
Em 1899, a Casa Ferrez continuou a apostar na publicação de postais. Já o século XIX findava e Marc Ferrez trouxe, nessa época, um Brasil das ruas, uma paisagem humana que retratava a formação de um povo. Os ofícios urbanos estampavam na sensibilidade das suas objetivas. Por ela desfilaram o verdureiro, o cesteiro, o quitandeiro, o garrafeiro, o vassoureiro, o jornaleiro, o amolador de facas, o funileiro... Profissões, muitas das quais, já extintas, e que não se teria noção do que significaram, caso não tivesse tais registros.
O Brasil mudara, a escravidão tinha sido abolida, a República proclamada. Se na época do Império vender nas ruas significava uma tarefa não dignificante, exercida pelos escravos de ganho, que vendiam doces, miudezas, e depois dividiam os lucros com o seu dono; no Brasil que despontava com o alvorecer do século XX transbordava as ruas de imigrantes, vendendo ou oferecendo serviços. Na fotografia que Marc Ferrez registrou a “Vendedora de Miudezas”, podemos constatar as mudanças.
“O Mascate” mostra o homem claramente imigrante, uma nova realidade que mudaria o Brasil não só física, mas culturalmente.
Fotografou o Brasil por quase cinco décadas consecutivas, mantendo sempre um trabalho magnífico, quer com a Monarquia ou com a República. No fim da vida viveu algum tempo na França, de lá retornando já muito doente, em 1920. Marc Ferrez morreria em 12 de janeiro de 1923, na cidade do Rio de Janeiro, cenário que ele tão bem retratou, imortalizando o glamour que ela tinha quando foi capital do Império e da República do Brasil.
Algumas fotos:
Avenida Central (atual Rio Branco), no Rio. Em 1910.
Cinema Pathé, 1918, Rio de Janeiro.
Morro do Corcovado antes da construção do Cristo Redentor.
Foto de Luciano Ferrez (filho de Marc Ferrez) mostra São Conrado, em 1933: praia deserta e a favela da Rocinha nascendo ao fundo.