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domingo, 1 de março de 2015

Fontes Históricas

Fonte histórica, documento, registro, vestígio...
"[...] Fazer história é um fazer artesanal. É uma prática que implica rastrear documentos nos arquivos, interrogar os mortos, decriptar silêncios, interpretar registros orais, escritos ou iconográficos, perceber as funções que tais documentos tinham em dado momento histórico."
(Mary Del Priore e Renato Pinto Venâncio. O livro de ouro da História do Brasil.
Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 9.)
Nos jornais toda a história de uma época
1. Fonte histórica, documento, registro, vestígio são todos termos correlatos para definir tudo aquilo produzido pela humanidade no tempo e no espaço: a herança material e imaterial deixada pelos antepassados que serve de base para a construção do conhecimento histórico. O termo mais clássico para conceituar a fonte histórica é documento. Palavra, no entanto, que, devido às concepções da escola metódica, ou positivista, está atrelada a uma gama de ideias preconcebidas, significando não apenas o registro escrito, mas principalmente, o registro oficial. Vestígio é a palavra atualmente preferida pelos historiadores que defendem que a fonte histórica é mais do que o documento oficial: que os mitos, a fala, o cinema, a literatura, tudo isso, como produtos humanos, torna-se fonte para o conhecimento da história.
(Kalina Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva. Dicionário de conceitos históricos.
São Paulo: Contexto, 2009. p. 158.)
2. De que se utiliza o historiador para exercer o seu ofício? [...] Para reconstituir o quadro geral da sociedade, o historiador dependerá sempre de informações sobre fatos a que não assistiu. Desse modo, ao contrário do romancista, que pode criar seus personagens e inventar os acontecimentos, o historiador deve reconstituir os fatos exatamente como ocorreram. Assim, para atingir seus objetivos, é obrigado a recorrer aos documentos, através dos quais poderá tomar conhecimento dos fatos.
Bilhete italiano de terceira classe, 1925
Torna-se, então, evidente que a História se faz com documentos - sem eles não há realmente História.
[...] A tarefa do historiador consistiria apenas na simples coleta de informações contidas nos documentos?
[...] Na concepção atual da História os documentos constituem a matéria-prima do historiador, o meio através do qual a História atingirá o seu objeto: a interpretação dos documentos permitirá a compreensão dos fatos históricos.
[...] como [diz] Lucien Febvre, que "toda História é filha de seu tempo" [...] ou, como [diz] Collingwood: "Cada nova geração deve reescrever a História à sua própria maneira".
Geralmente, reserva-se a designação de documento para "os atos escritos emanados dos poderes públicos ou de particulares, em suma, aos papéis conservados pelos arquivos administrativos ou privados"
Esse conceito, no entanto, dá uma ideia restrita da infinita diversidade dos meios de que dispõe o historiador para compreender a realidade, a vida humana. Justamente por isso, é preferível adotar-se o conceito amplo de Henri Marrou de que "documento é tudo aquilo capaz de nos revelar qualquer coisa sobre o passado do Homem". Ou, então, o de Besselaar, para quem o termo designa "todo e qualquer vestígio do passado, capaz de nos dar informações acerca de um fato ou acontecimento histórico".
É nesta acepção que muitos historiadores empregam, com o mesmo sentido de documento, os termos fonte histórica, testemunho histórico, vestígio histórico, restos históricos, para designar os materiais que permitem a reconstituição do passado. [...] Hoje, a concepção da História, tornando-se cada vez mais complexa e ampliando continuamente seu campo de estudo, interessa-se em compreender e construir integralmente o passado humano: esse novo sentido globalizante da História leva o historiador a estudar as instituições, o Direito, a Economia, as estruturas sociais, os costumes, a Religião, as Ciências, as Letras, as Artes - enfim, todos os aspectos da vida humana.
"A diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita. Tudo o que o homem diz ou escreve, tudo o que fabrica, tudo o que toca pode e deve informar sobre ele."
(Marc Bloch. Apologia da história ou o ofício do historiador.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 79.)

Classificação das Fontes Históricas:

Fontes Arqueológicas - vestígios da presença humana em material variado (restos de animais, utensílios, fósseis etc.), geralmente não intencionais;
Fontes Escritas - traços escritos em material variado (pedra, papiro, papel etc.), geralmente intencionais. De acordo com a intencionalidade, o traço descrito pode ser:
Fontes de Arquivo - se a intenção foi comprovar alguma coisa: todo documento recebido ou redigido por uma pessoa pública ou investida, pela lei ou pelo costume, de uma autoridade especial;
Fontes Literárias - possuem a intenção de informar aos contemporâneos e à posteridade alguma coisa, mas não de comprovar;
Fontes Orais - são traços que têm a intenção de informar, mas não possuem um material de transmissão.
(Rubim Santos Aquino. História das Sociedades: das comunidades primitivas
às sociedades medievais. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2008. p. 70-75.)

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Aborto: uma longa história

Giorgione (Giorgio Barbarelli) - Vênus adormecida

Desde a Antiguidade até o advento da pílula, o aborto representou a arma de controle contraceptivo de casais legítimos, mas era, sobretudo, utilizado no quadro das relações extraconjugais. Embora não tenhamos dados sobre a frequência com que se abortava no Brasil - ao contrário da França setecentista, na qual as declarações de gravidez feitas obrigatoriamente à justiça do Estado permitiam calcular o número de abortos realizados - esse "crime" já fora comentado nas primeiras cartas jesuíticas como um hábito corrente entre as mulheres indígenas do Brasil Colonial. Essas, segundo os padres da Companhia de Jesus, apertavam as barrigas, carregavam peso e preparavam beberagens capazes de fazê-las "mover", contrariando teses debatidas em concílios, sermões e cânones que não perdiam uma única oportunidade para denunciar o aborto. Condenando a alma das crianças mortas ao limbo, o aborto era um pecado contra o corpo e sobretudo contra Deus que, depois da queda dos anjos rebeldes, precisava repovoar o paraíso com almas batizadas.
A luta contra o aborto entrou pelo século XIX, provocando em sua passagem perplexidade e rejeição. O viajante Debret, ao retratar uma vendedora de arruda nas ruas do Rio de Janeiro, anotava:"...esta planta tomada como infusão provoca o aborto, triste reputação que aumenta sua procura". As leis do reino de Portugal vigorando no Brasil Colônia condenavam o aborto voluntário, exigindo proceder sumário no caso de haver "mulheres infamadas de fazer mover outras" ou "médicos, cirurgiões e boticários que dão remédio para este dolo mau". Os quadros da Igreja eram também inquiridos sobre a familiaridade que teriam com esse crime. Os processos de admissão aos seminários perguntavam diretamente se o noviço teria sido causa de "algum aborto, fazendo mover alguma mulher". Prontuários de teologia moral condenavam violentamente a "agência, auxílio e conselho para fazer aborto depois de animado o feto". Nos documentos coloniais encontra-se a crença herdada da Antiguidade de que o feto não estaria animado senão depois de passados 40 dias, o que deixava amplas margens para medidas abortivas levadas a termo por mulheres que não estavam de todo desarmadas diante de uma gravidez indesejada. A Igreja era sensível a essa realidade e admoestava as que procuravam medicamentos e remédios para o dito fim "depois de estar animado o feto". Ela não deixava, tão pouco, de examinar os casos em que a mulher grávida, estando enferma, tomava remédios dos quais se seguia indiretamente aborto.
Essa prática foi aplicada por meio do uso indiscriminado de sangrias e laxantes. Sem contar os instrumentos pontiagudos como fusos de roca, broches de ferro, colheres e canivetes, eficientes para provocar o aborto, mas também infecções mortais. Os párocos das capelanias eram instados a indagar às suas penitentes se tomavam "alguma beberagem ou mezinha para mover [...] e de que meses eram prenhas quando moveram e se moveram macho ou fêmea". O olhar penetrante da Igreja varria a intimidade das mães, arrancando-lhes até informações sobre a identidade do fruto recusado. "Bebeste alguma coisa para vos causar aborto? Movesse porventura? Apertasse a barriga com as mãos para mover? Mataste vossa criança no ventre?" E os párocos inventariavam os gestos tradicionais do aborto, os mecanismos que derivavam da atrição ou os farmacológicos, que se utilizavam da fitoterapia, sobretudo da arruda. Cabia também ao confessor convencer a mulher da importância de conservar seu fruto, da mesma forma com que deviam "sofrer com paciência as incomodidades da prenhez e as dores do parto como pena do pecado"; dizia um pregador ao qual cabia, antes do parto, "cuidar para que por sua culpa não suceda algum aborto ou parto intempestivo".
A reflexão do confessor bem expressava a convicção da Igreja de que na maternidade residia o poder feminino de dirimir pecados. E, dentre eles, o maior de todos: o original. Causa central da expulsão do paraíso terreal, a mulher podia resgatar o gênero humano do vale de lágrimas em que bracejava, chamando a si permanente tarefa da maternidade. Nessa perspectiva, o aborto corporificava a maior monstruosidade. Além de privar o céu de anjinhos, ao "privar-se das incomodidades da prenhez" a mulher fugia às responsabilidades de salvar, no seu papel de mãe, o mundo inteiro. Junto com o horror ao aborto, a Igreja convivia ainda com outra forma de controle malthusiano: o infanticídio, ou o dito "afogamento dos filhos", no leito conjugal. O hábito das mães deitarem-se com seus bebês e os esmagarem durante o sono estava tão disseminado no Antigo Regime que as Constituições dos bispados previam punição de penitência "a pão e água por 40 dias" para esse crime. A dita penitência devia estender-se por três anos, se a criança fosse batizada, e por cinco, se não fosse.
Os dados capturados pelo historiador no discurso da Igreja não permitem saber quem abortava. Seriam as mães solteiras, as viúvas, as casadas, as adúlteras? Delas não há um retrato nítido. Por que abortavam? O desespero diante do filho indesejado, o pânico diante do estigma social ou da expulsão familiar parecem respostas possíveis. Mas que tipo de estigmatização poderia sofrer a mulher? O pior crime não parece ter sido o de ter filhos fora do matrimônio, como sublinhava a Igreja, mas ter matado o próprio fruto. Parece inegável que a valorização da maternidade, a eleição do corpo feminino como pagador de pecados solidificaram uma mentalidade de proteção da gravidez e exaltação da fecundidade da mulher na qual o aborto aparecia como uma mácula.
O interessante é que o preconceito contra a mulher que abortava já existia no dia-a-dia das comunidades. Não são poucos, em nosso folclore, os relatos de filhos mortos que retornam para queixar-se do abandono da mãe. O mais conhecido deles é o da "porca dos sete leitões". Mito europeu e ibérico, ativo desde a Idade Média, nele a porca representa os apetites baixos da sua carnalidade sexual, bem expressa na pecha com a qual as esposas criticavam as atividades extraconjugais dos maridos: "trata-se sempre da alma de uma mulher que pecou com o filho nascituro. Quantos forem os abortos, tantos serão os leitões", diz o especialista Câmara Cascudo. A Igreja encontrava, portanto, respaldo para combater o aborto na rejeição à mulher que rompia o acordo com a natureza. Ao que tudo indica, a Igreja passou a reforçar a imagem da mulher-que-aborta com aquela da mulher-que-vive-a-ligação-ilegítima. Ela distinguia as primeiras por não ter um casamento protetor, no seio do qual pudessem criar de maneira cristã, daquelas outras que educavam os filhos à sombra do sagrado matrimônio.
Ao combater o aborto, combatiam-se os chamados "mores dissolutos" cujo desdobramento - os filhos ilegítimos - podia levar a mulher a desejar a interrupção da gravidez. O aborto passava a ser visto, depois da longa campanha da Igreja, como uma atitude que "emporcalhava" a imagem ideal que se desejava para a mulher. A "porca dos sete leitões" tornava-se na mentalidade popular a antítese da mãe ideal, casada sob a bênção do padre. Como se pode ver, o papel da Igreja, ontem, ajuda a explicar sua atitude hoje, revelando também que temas importantes para a sociedade brasileira, como o do aborto, têm de ser examinados à luz das transformações sociais. O tabu do divórcio acabou, as famílias monoparentais se multiplicam e os jovens não fazem questão de casar para ter filhos. Por isso é sempre bom lembrar que, embora guardemos marcas do nosso passado, não vivemos mais no século XVIII!
Mary Del Priore
Historiadora

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Uma nova submissão

“As mulheres ocidentais têm também
sua prisão: a obrigação de
serem eternamente jovens”
Tamara de Lempicka

Nos países desenvolvidos, a vaga feminista dos anos 70 foi realizada por mulheres brancas, de classe média e de nível superior. A agenda do movimento foi constituída a partir das necessidades e experiências das mesmas. Nela, a palavra submissão aparecia repetidas vezes. A luta era “contra”. Contra a submissão imposta por maridos, patrões, amantes, pais e irmãos.
Referido à obediência e sujeição, o vocábulo se popularizou no século 17. Antes, contudo, o tema já tinha sido pensado. Entre 1530 e 1563, o francês Etienne de La Boetie escreveu uma obra, o Discurso da Servidão Voluntária, em que analisava uma questão muito avançada para a época: por que se obedece a um mestre, que, por vezes, é um tirano? Muitas respostas: o hábito que fazia as pessoas acreditarem que obedecer é natural; a admiração pelo poder, a esperteza do mestre em distribuir favores, sossegando os descontentes. A obra foi fundamental para demonstrar que as pessoas se submetem porque querem. E muitas vezes ainda tiram vantagens da submissão. O tema foi retomado ao longo dos séculos. Até Freud o analisou em livro, publicado em 1921: A Psicologia das Massas.
Os estudos sobre a submissão datam de uma época em que a palavra “autoridade” tinha algum sentido. O poder de pais, maridos e instituições era forte e sua autoridade, legítima. Quem contestava o da Igreja ou o das Forças Armadas? Mas e hoje? Há décadas, sociólogos e psicólogos concordam que assistimos ao declínio da autoridade. Na família, na empresa ou na escola, a democratização roeu as bases das antigas hierarquias.
Mas e se tudo isso não fosse uma ilusão? Se por trás das aparências de liberdades conquistadas, muitas delas graças às feministas, novas formas de servidão tenham se imposto? Não vemos mulheres “liberadas” se submeterem a regimes drásticos para se conformarem a um único modelo físico: o de tamanho 38? Não as vemos se infligir sessões de musculação nas academias, empanturrando-se de todos os tipos de anabolizantes? Não as vemos se desfigurarem com as sucessivas cirurgias plásticas, negando-se a envelhecer com serenidade?
Se as mulheres orientais ficam trancadas num espaço determinado, o harém, as ocidentais têm outra prisão: a imagem. E são açoitadas para caber nela: eternamente jovens, leves e saudáveis. Uma armadura que em tempos de globalização irradia-se por todo o planeta.
Tamanho grande? Só no fundo da loja. A energia que as mulheres consagram aos seus corpos para não deixá-los enrugar e engordar é impressionante. E tudo para caber em um outro cárcere: aquele do olhar masculino.
“Os homens olham as mulheres. E as mulheres se olham ser olhadas”, diagnosticou o sociólogo John Berger. E a feminista Naomi Wolf cravou sem dó: “a fixação sobre a magreza feminina não é expressão de beleza da mulher, mas de obediência feminina.” Se ainda existem mulheres engajadas em lutas, vale lembrar essa, contra as novas formas de submissão. “Contra” o servilismo moldado pela mídia, pela televisão, pelos outdoors. E quem sabe o Dia Internacional da Mulher ajude a pensar esse trágico erro: o de que só o corpo pode falar a linguagem da sedução?
Mary del Priore

Mary del Priore é historiadora e professora brasileira. Nascida no Rio de Janeiro no ano de 1952 e vencedora de vários prêmios literários internacionais e nacionais. A produção bibliográfica em torno de Mary del Priore é muito volumosa. A Historiadora escreveu, organizou ou colaborou em várias publicações. Entre as mais populares estão as crônicas que publica no jornal O Estado de São Paulo.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

A saga das mulheres brasileiras

Historiadora traz à tona a saga das mulheres brasileiras desde o Brasil Colônia até o século XXI, traçando uma análise daquelas que marcaram a história e a independência das atuais, em que muitas ainda estão submetidas ao mito da eterna beleza.
Mary Del Priore
Mary Del Priore, escritora e historiadora, entende bem de empoderamento feminino. Escreveu 37 livros, dos quais 25 fazem referência ao histórico da mulher, direta ou indiretamente. Em suas análises, considera que as mulheres do século XXI são feitas de rupturas e permanências. As rupturas empurram-nas para a frente e as ajudam a expandir todas as possibilidades, a se fortalecer e a conquistar. As permanências, por outro lado, apontam fragilidades: “São criadas em um mundo patriarcal e machista, não conseguem se enxergar fora do foco masculino de serem belas. Vivem pelo olhar do homem, do ‘outro’. As meninas crescem com o sonho cor-de-rosa da Barbie. Quando conseguem a independência, querem apenas encontrar um príncipe encantado. Têm filhos, mas se sentem culpadas por deixá-los em casa. São machistas, quando não estimulam os homens a lavarem louças e arrumarem os quartos. Em casa, querem sair para trabalhar, mas sem uma ideologia definida. “Se cheinhas, querem emagrecer, a vida é controlada pela balança. Se magras, desejam seios, nádegas e o que mais tiverem direito... em silicone”, diz.
Obra feminista
No mais recente livro, Histórias e Conversas de Mulher, da editora Planeta, publicado este ano, Mary trata de namoros com homens mais jovens, a paixão por usar botinhas de salto, do corpo trabalhado artificialmente para projetar seios e nádegas e ficar mais voluptuoso. “Foi preciso mais de 200 anos para que as mulheres conquistassem direitos que permitem a livre expressão e o exercício da cidadania, onde a futilidade não pode prevalecer: votar, usar anticoncepcionais, divorciar-se, ir à praia de biquíni, ocupar cargos de alto escalão em empresas multinacionais, é o que importa.”
Dentro do aspecto histórico em que a autora se distingue, o livro mais premiado foi Condessa de Barral, em que traça um perfil de uma personalidade pouco conhecida, mas nem por isso irrelevante: Luísa Margarida Portugal e Barros, aquela que manteve durante 30 anos um relacionamento lendário com o Imperador do Brasil, D. Pedro II. “Muito mais do que uma simples amante, esta filha de um senhor de engenhos apaixonado pelas letras foi uma das figuras femininas mais originais e interessantes de seu tempo.” Naquela época, a maioria das mulheres vivia como mera sombra dos homens. No entanto, segundo a escritora, o imperador se apaixonou por Barral não só pela sua personalidade. “Os dois se viam como almas gêmeas, porque encaravam o amor de outra forma, como uma amizade com finas sintonias emocionais e intelectuais. Isso não significa que os dois não tenham se entregado ao desejo, mas não era esse o cerne de sua ligação”, observa.
Em Castelo de Papel, há uma mescla de fábulas de princesa e o panorama político: um mundo em transição através do romance da princesa Isabel com o conde D’Eu, um casamento arranjado embora feliz dentro dos padrões. É revelada a participação de ambos no movimento abolicionista, a derrocada do Império, a intimidade do casal e as tensões com D. Pedro II. “Tudo como se o leitor estivesse dentro do palácio”, considera a historiadora.
O livro Histórias Íntimas retrata o sexo sob o aspecto pecaminoso. “As mulheres levantavam as saias e os homens abaixavam as calças e ceroulas. Tirar a roupa era proibido. No entanto, o proibido aguçava a vontade, e a Igreja, instituição que mais repreendia os afoitos, ironicamente acabou se tornando o templo da perdição”, comenta.
Em A Carne e o Sangue é descrito o famoso triângulo do imperador D. Pedro I, a imperatriz Leopoldina e Domitila, a marquesa de Santos. “O leitor confere detalhes íntimos dessas relações, numa leitura que envolve erotismo e ciúme, apelidos e intrigas, a linhagem e o prazer, que caminham lado a lado com a história do Brasil.”
Em Histórias do Cotidiano, um dos aspectos enfocados é a vida da mulher, em textos curtos e ágeis, que também abordam o cotidiano do tempo presente, conduzindo leitores e leitoras a um passeio instigante pelos assuntos relativos ao corpo, à família, ao convívio social e à condição de crianças, jovens e velhos em nossa sociedade. Em uma agradável viagem literária, a obra passa por temas diversos: de sutiãs a aviões, de maternidade à modernidade, de solidão a casamento, da sujeira nas ruas à sujeira na política, de férias no sítio à violência urbana, de herança do passado a novos desafios, em que demonstra a necessidade das mulheres irem para as ruas no exercício de suas cidadanias.
Já na obra Corpo a Corpo com a Mulher, a professora acompanha as transformações ocorridas no corpo das brasileiras ao longo da nossa história. Documentos do século XVI ao XVIII embasam esse resgate de personagens e situações anônimas, que revelam as marcas deixadas pela diferença de gênero, que ainda hoje fazem parte do imaginário brasileiro. “Um dos exemplos é o estereótipo da santa-mãezinha provedora, piedosa, dedicada e assexuada, arquétipo que ainda hoje permanece vivo.”
Para atingir as mais diferentes leitoras, História das Mulheres no Brasil levanta nossa história falando para adultos e jovens, especialistas e curiosos, estudantes e professores. “Procuro arrastá-los numa viagem em que viveram e morreram as mulheres, o mundo que as cercava, do Brasil colonial aos nossos dias.” Não é apenas a história delas, mas também da família, da criança, do trabalho, da mídia, da literatura e das suas imagens frente à sociedade.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Histórias do Cotidiano

Em Histórias do Cotidiano, Mary Del Priore envolve agradavelmente leitores e leitoras com sua conversa amistosa sobre convivência, corpo, mulheres, relações familiares, jovens e velhos. Por meio de textos ágeis e bem escritos, nos conduz em um passeio instigante em que se utiliza da enorme bagagem adquirida em anos de atividade acadêmica ligada à História das Mentalidades para discorrer com desenvoltura sobre temas que vão de sutiãs a aviões, de maternidade a modernidade, de solidão a casamento, de sujeira nas ruas a sujeira na política, de férias no sítio à violência urbana, de heranças do passado a novos desafios.
O livro é divido em cinco capítulos temáticos que discutem corpo, família, convívio, mulher e crianças, jovens e velhos. Nele, a historiadora Mary Del Priore trabalha questões do cotidiano, coisas que costumam ser banais e comuns a nós. É uma leitura agradável e bastante interessante.
Eis um livro - misto de bate-papo, História, Sociologia, Psicologia e crônica social - para apreciar com gosto e cuidado.
Mary Del Priore
Historiadora

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Na vida publica

Van Gogh
“Na vida pública somos super descolados,
topamos tudo, somos animadíssimos,
não temos vergonha de nada.
Falamos palavrão, gritamos, ficamos pelados,
enfim, vale tudo. Mas, na vida privada,
continuamos homofóbicos, racistas e machistas”.

Mary Del Priore