Mostrando postagens com marcador Sandor Márai. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Sandor Márai. Mostrar todas as postagens

sábado, 13 de julho de 2013

Um bom livro

“Mas Konrád ficava sempre pálido quando ouvia música. Qualquer tipo de música, mesmo a mais vulgar, o tocava muito de perto, como uma agressão física. Ficava pálido e a boca começava-lhe a tremer. A música transmitia-lhe algo que os outros não podiam compreender. Provavelmente as melodias não se dirigiam ao seu intelecto. A disciplina, que era a sua vida, o meio em que era criado, à custa do qual conquistava uma posição no mundo e que admitia voluntariamente, tal como o crente aceita o castigo e a penitência, afrouxava nessas ocasiões, como se a postura rígida e hirta cedesse no seu corpo. Era como quando, no desfile, depois da parada militar longa e fatigante, de repente se ouvia o comando de “destroçar!” Naquelas ocasiões, esquecia-se de onde estava, os seus olhos sorriam, olhava para o vazio, não via nada do que o circundava, nem os superiores, os companheiros, as belas mulheres, nem o público que estava no teatro. Ouvia a música com todo o corpo, tão sequiosamente como o preso escutava na prisão os ruídos distantes dos passos que talvez trouxessem a notícia da libertação. Nessas ocasiões, se alguém lhe falava, não ouvia. A música dissolvia o mundo à sua volta, alterava as leis da convenção artificial, e nesses instantes Konrád jamais era soldado. Uma noite, no Verão, quando Konrád e a mãe do general tocavam uma peça para quatro mãos no palácio, algo aconteceu. Estavam sentados na sala grande, antes do jantar, e o oficial da guarda e o filho escutavam educadamente a música num canto, com aquela condescendência cortês e aquela paciência de alguém que diz: “A vida é um dever, também se deve suportar a música. Não é conveniente contrariar as senhoras”. A mãe tocava com paixão: interpretavam a Fantaisie polonaise de Chopin. Como se tudo tivesse começado a vibrar no quarto. Pai e filho sentiam, no canto da sala, na poltrona, enquanto esperavam educada e pacientemente, que nos dois corpos, no corpo da mãe e no de Konrád, alguma coisa se estava a passar. Como se a rebelião da música tivesse levantado a mobília, como se uma força atrás da janela agitasse as cortinas pesadas de seda, como se tudo o que os corações humanos haviam enterrado e que era gelatinoso e bafiento, começasse a viver, como se no coração de cada pessoa se ocultasse um ritmo mortal que, num determinado momento da vida, começava a pulsar com uma força tremenda. Os ouvintes pacientes perceberam que a música era perigosa”.
Sándor Márai (1900-1989), in 'As Velas Ardem Até ao Fim'

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Sándor Márai

“Não é verdade que o sofrimento nos purifica, nos faz melhores, mais sábios e compreensivos. Nós nos tornamos frios, iniciados e indiferentes. Quando compreendemos, pela primeira vez na vida, o destino, nos tornamos quase serenos. Serenos e solitários no mundo, de um modo singular e assustador”.
Sándor Márai (1900-1989)