“Mas Konrád ficava sempre pálido quando ouvia música. Qualquer tipo de música, mesmo a mais vulgar, o tocava muito de perto, como uma agressão física. Ficava pálido e a boca começava-lhe a tremer. A música transmitia-lhe algo que os outros não podiam compreender. Provavelmente as melodias não se dirigiam ao seu intelecto. A disciplina, que era a sua vida, o meio em que era criado, à custa do qual conquistava uma posição no mundo e que admitia voluntariamente, tal como o crente aceita o castigo e a penitência, afrouxava nessas ocasiões, como se a postura rígida e hirta cedesse no seu corpo. Era como quando, no desfile, depois da parada militar longa e fatigante, de repente se ouvia o comando de “destroçar!” Naquelas ocasiões, esquecia-se de onde estava, os seus olhos sorriam, olhava para o vazio, não via nada do que o circundava, nem os superiores, os companheiros, as belas mulheres, nem o público que estava no teatro. Ouvia a música com todo o corpo, tão sequiosamente como o preso escutava na prisão os ruídos distantes dos passos que talvez trouxessem a notícia da libertação. Nessas ocasiões, se alguém lhe falava, não ouvia. A música dissolvia o mundo à sua volta, alterava as leis da convenção artificial, e nesses instantes Konrád jamais era soldado. Uma noite, no Verão, quando Konrád e a mãe do general tocavam uma peça para quatro mãos no palácio, algo aconteceu. Estavam sentados na sala grande, antes do jantar, e o oficial da guarda e o filho escutavam educadamente a música num canto, com aquela condescendência cortês e aquela paciência de alguém que diz: “A vida é um dever, também se deve suportar a música. Não é conveniente contrariar as senhoras”. A mãe tocava com paixão: interpretavam a Fantaisie polonaise de Chopin. Como se tudo tivesse começado a vibrar no quarto. Pai e filho sentiam, no canto da sala, na poltrona, enquanto esperavam educada e pacientemente, que nos dois corpos, no corpo da mãe e no de Konrád, alguma coisa se estava a passar. Como se a rebelião da música tivesse levantado a mobília, como se uma força atrás da janela agitasse as cortinas pesadas de seda, como se tudo o que os corações humanos haviam enterrado e que era gelatinoso e bafiento, começasse a viver, como se no coração de cada pessoa se ocultasse um ritmo mortal que, num determinado momento da vida, começava a pulsar com uma força tremenda. Os ouvintes pacientes perceberam que a música era perigosa”.
Sándor Márai (1900-1989), in 'As Velas Ardem Até ao Fim'
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