sábado, 31 de julho de 2010

Calmo, na paz que difunde

Calmo, na paz que difunde
a sombra dos altos ramos,
que o nosso amor se aprofunde
neste silêncios em que estamos.

Coração, alma e sentidos
se confundam com estes ais
que exalam, enlanguescidos,
medronheiros e pinhais.

Fecha os olhos mansamente
e cruza as mãos sobre o seio.
Do teu coração dolente
afasta qualquer anseio.

Deixemo-nos enlevar
ao embalo desta brisa
que a teus pés, doce, a arrulhar,
a relva crestada frisa.

E quando a noite sombria
dos carvalhos for baixando,
o rouxinol a agonia
da nossa alma irá cantando.

Paul Verlaine (1844-1896)

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Poema

Josephine Wall
Quem terá visto algo que em realidade existe,
mas não se manifesta?
Quem terá visto o que se manifesta no coração,
mas não repousa nos lábios?
Quem terá visto aquele que é a realidade do mundo,
mas não se encontra no mundo?
Quem terá visto na existência e na
não-existência uma tal não-existência?

Jalaludin Rumi (1207-1273)

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Como as gaivotas e as ondas se encontram

Como as gaivotas e as ondas se encontram,
nos encontramos e nos unimos.
Vão-se as gaivotas voando,
vão pairando sobre as ondas; e nós também vamos.
Se de noite choras pelo sol, não verás as estrelas.
A luz do sol me saúda sorrindo.
A chuva, sua irmã triste, me fala ao coração.
Se faço sombra em meu caminho,
é porque há uma lâmpada em mim que ainda não foi acesa.
Teu sol sorri nos dias de inverno de meu coração,
e não duvido jamais das flores de tua primavera.

Rabindranath Tagore (1861-1941)

terça-feira, 27 de julho de 2010

Caminhada

Van Gogh

Chuva morna, chuva de verão
Borbulha de arvores e arbustos.
Oh! Como é bom e cheio de benção
Uma vez mais sonhar de verdade!

Quanto tempo fiquei aqui fora,
Quão estranha essa sensação:
Habitar a própria alma,
O estranho, sem atração.

Nada quero, nada peço.
Baixinho cantarolo sons de criança,
E, surpreso, chego ao berço
Dos sonhos quentes de folgança.

Coração, como estás machucado
Porem feliz, remexendo cegamente,
Nada pensar, nada saber,
Respirar e sentir, somente.

Hermann Hesse (1877-1962)

domingo, 25 de julho de 2010

Alphonse Mucha

Alphonse Mucha -Espírito da Primavera
Há 150 anos nascia Alphonse Mucha (24 de julho de 1860 - 14 de julho de 1939).
Ilustrador e designer gráfico checo e um dos principais expoentes do movimento Art Nouveau.

sábado, 24 de julho de 2010

O Rumor da Noite

Que me deixem passar - eis o que peço
diante da porta ou diante do caminho.
E que ninguém me siga na passagem.
Não tenho companheiros de viagem
nem quero que ninguém fique ao meu lado.
Para passar, exijo estar sozinho,
somente de mim mesmo acompanhado.
Mas caso me proíbam de passar
por ser eu diferente ou indesejado
mesmo assim passarei.
Inventarei a porta e o caminho.
E passarei sozinho.

Lêdo Ivo (1924-2012)

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Haikai

Um sabiá cantou.
Longe, dançou o arvoredo.
Choveram saudades.

Helena Kolody

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Há um tempo...

Há um tempo para o peixe
e um tempo para o pássaro.
E dentro e fora do homem,
um tempo eterno de solidão.

Paulo Mendes Campos (1922-1991)

terça-feira, 20 de julho de 2010

Poesia

Tomiko Tan
Das viagens que quero
quero a mais só, a mais triste
como um troféu de caminho
pra pendurar no pescoço
e afuscar qualquer lágrima
que me escorra no rosto.

Chandal Meirelles Nasser

domingo, 18 de julho de 2010

Jean Charles de Menezes

Faz 5 anos que Jean Charles de Menezes (07 de janeiro de 1978 - 22 Julho de 2005) foi assassinado com oito tiros a queima roupa no metrô de Londres pela Scotland Yard britânica, SO19, confundido com um homem-bomba.
Em 16 de novembro, o jornal Daily Telegraph publicou uma reportagem acusando a polícia britânica de utilizar munição de ponta oca, conhecida como dundum, para matar Jean Charles. O armamento foi proibido pela Convenção da Haia de 1899, por motivos humanitários (o projétil se estilhaça dentro do corpo do indivíduo atingido, provocando dores lancinantes, o que normalmente não acontece com uma bala comum).

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Lunar

Dorina Costras
A lua aconteceu hoje rasgada,
pois brigou com um trovão
da madrugada.
Não gostou do seu clarão.
Sentiu-se ultrajada.
Recolheu seu pedaço ferido
e o manteve escondido
daqueles que se amavam sob seu encanto.
Assim incompleta,
a lua amoitou-se numa nuvem preta
e choveu em pranto.

Flora Figueiredo

segunda-feira, 12 de julho de 2010

221 anos - Queda da Bastilha

No dia 14 de Julho comemora-se - A “Queda da Bastilha”. Este acontecimento revolucionou a história do mundo e criou esperança num mundo melhor a milhões de seres humanos que se sentiam descriminados e explorados.
O dia 14 de Julho de 1789 marca o início do movimento revolucionário pelo qual a burguesia francesa, consciente de seu papel preponderante na vida econômica e cultural, se determinou a conquistar o poder a um aristocracia apoiada numa monarquia absolutista e corrupta que se endividada para manter uma corte pomposa, rodeada de uma nobreza parasitária.
A França era nesta altura, finais do século XVIII, um país essencialmente agrário. A industrialização vai-se desenvolvendo, permitindo a formação de uma nova classe, a burguesia.
A sociedade está dividida em três grupos básicos. O clero é o Primeiro Estado, a nobreza, o Segundo, e os cerca de 95% restantes da população, que inclui desde ricos comerciantes até camponeses, formam o Terceiro Estado. E é este último que, estimulado pelos ideais iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade, se revolta contra os privilégios da minoria.

sábado, 10 de julho de 2010

Barcos de Papel

Quando a chuva cessava e um vento fino
franzia a tarde tímida e lavada
eu saía a brincar pela calçada
nos meus tempos felizes de menino
Fazia de papel, toda uma armada
e, estendendo meu braço pequenino
eu soltava os barquinhos, sem destino
ao longo das sargetas, na enxurrada...
Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
que não são barcos de ouro os meus ideais:
São feitos de papel, como aqueles,
perfeitamente, exatamente iguais...
- que os meus barquinhos, lá se foram eles!
foram-se embora e não voltaram mais!

Guilherme de Almeida (1890-1969)

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Outras Palavras

Para dizer certas coisas
são precisas
palavras outras
novas palavras
nunca ditas antes
ou nunca
antes
postas lado a lado.
São precisas
palavras que nascem com
aquilo que dizem
palavras que inventaram
seu percurso
e cantam sobre a língua.
Para dizer certas coisas
são precisas palavras
que amanhecem.

Marina Colassantti

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Como o homem é fraco

Como o
homem é fraco
e o destino inelutável.

Fazemos juramentos que
não cumprimos e nossa
própria humilhação nos é
indiferente.

Eu mesmo procedo
frequentemente
como um desassisado.

Mas tenho uma escusa:
estou embriagado de amor!

Omar Khayyám (1048-1131)

domingo, 4 de julho de 2010

20 anos sem Cazuza

Cazuza nasceu Rio de Janeiro em 4 de abril de 1958 e morreu em 7 de julho de 1990, também no RJ.
Cazuza foi uma figura polêmica com uma vida tumultuada. Contraiu AIDS em 1985, mas começou a piorar a partir d e 1987. Na época ainda não havia tratamento adequado para esta doença. A primeira droga para ajudar no tratamento da doença, o AZT, só é criada em 1987, mas começa a ser produzido no Brasil a partir de 1993. Hoje o Brasil é referência no tratamento da AIDS, inclusive distribuindo gratuitamente esse medicamento para os portadores da doença.
Após sua morte, seus pais fundaram a Sociedade Viva Cazuza em 1990, cujo objetivo é proporcionar uma vida melhor à crianças soropositivas através de assistência à saúde, educação e lazer .
Em apenas nove anos de carreira, Cazuza deixou 126 canções gravadas, 78 inéditas e 34 para outros intérpretes.
Abaixo a letra de uma música que ele fez e mostra bem os anseios de sua geração.

Amor, meu grande amor
Não chegue na hora marcada
Assim como as canções como as paixões
E as palavras
Me veja nos seus olhos
Na minha cara lavada
Me venha sem saber
Se sou fogo ou se sou água
Amor, meu grande amor
Me chegue assim bem de repente
Sem nome ou sobrenome
Sem sentir o que não sente
(Refrão)
Que tudo que ofereço
É meu calor, meu endereço
A vida do teu filho
Desde o fim até o começo.


Amor, meu grande amor
Só dure o tempo que mereça
E quando me quiser
Que seja de qualquer maneira
Enquanto me tiver
Que eu seja a ultima e a primeira
E quando eu te encontrar, meu grande amor
Me reconheça
(Refrão)
Amor, meu grande amor
Que eu seja a ultima e a primeira
E quando eu te encontrar, meu grande amor
Por favor, me reconheça.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Trem de Ferro

O trem de ferro
passa no campo
entre telégrafos.
Sem poder fugir
sem poder voar
sem poder sonhar
sem poder ser telégrafo.

A moça na janela
vê o trem correr
ouve o tempo passar.
O tempo é tanto
que se pode ouvir
e ela o escuta passar
como se outro trem.

Cresce o oculto
elástico dos gestos:
a moça vê a planta crescer
sente a terra rodar:
que o tempo é tanto
que se deixa ver.

João Cabral de Melo Neto (1920-1999)