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quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Soneto

Pareceu-me inda ouvir o nome dela no badalar monótono dos sinos.
Hermeto Lima
Thomas Cole
Adeus, adeus, adeus! E, suspirando,
Saí deixando morta a minha amada,
Vinha o luar iluminando a estrada
E eu vinha pela estrada soluçando.

Perto, um ribeiro claro murmurando
Muito baixinho como quem chorava,
Parecia o ribeiro estar chorando
As lágrimas que eu triste gotejava.

Súbito ecoou do sino o som profundo!
Adeus! - eu disse. Para mim no mundo
Tudo acabou-se, apenas restam mágoas.

Mas no mistério astral da noute bela
Pareceu-me inda ouvir o nome dela
No marulhar monótono das águas!

Augusto dos Anjos (1884-1914)

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Ceticismo

Luis Ricardo Falero
Desci um dia ao tenebroso abismo,
Onde a Dúvida ergueu altar profano;
Cansado de lutar no mundo insano,
Fraco que sou, volvi ao ceticismo.

Da Igreja- A Grande Mãe- o exorcismo
Terrível me feriu, e então sereno,
De joelhos aos pés de Nazareno
Baixo rezei, em fundo misticismo:

- Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa!
Se esta dúvida cruel que me magoa
Me torna ínfimo, desgraçado réu.

Ah, entre o medo que o meu Ser aterra,
Não sei se viva para morrer na terra,
Não sei morra pra viver no Céu.

Augusto dos Anjos (1884-1914)

sábado, 15 de setembro de 2012

A Árvore da Serra

- As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!

- Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs alma nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minha alma!...
- Disse – e ajoelhou-se, numa rogativa:

“Não mate a árvore, pai, para que eu viva!”
E quando a árvore, olhando a pátria serra,
Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!

Augusto dos Anjos (1884-1914)

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Soneto

Karl Albert Buehr
Canta teu riso esplêndido sonata
E há no teu riso de anjos encantados
Como quem um doce tilintar de prata
E a vibração de mil cristais quebrados.

Bendito o riso assim que se desata
Citara suave dos apaixonados
Sonorizando os sonhos já passados
Cantando sempre em trinula volata!

Aurora ideal dos dias meus
Risonhos, quando úmidos de beijos,
Em ressaibos
Teu riso espanta, despertando sonhos.

Ah! num delíquio de ventura louca,
Vai-se minh'alma
Todas nos teus beijos,
Ri-se o meu coração na tua boca.

Augusto dos Anjos (1884-1914)

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Psicologia de um vencido

Jessie Willcox Smith
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

Augusto dos Anjos (1884-1914)

domingo, 18 de abril de 2010

A Esperança

Vie Dunn-Harr
A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.
Muita gente infeliz assim não pensa;

No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?
Mocidade, portanto, ergue o teu grito,

Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro – avança!
E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!

Augusto dos Anjos (1884-1914)