Randii Oliver - Reconstituição moderna de uma família de neandertais
Nos rostos dos adultos que se agacham ao redor da cova e do fogo, é possível discernir uma sugestão de dor ou tristeza enquanto a fumaça aromática de pinheiro selvagem deixa devagar a gruta. Quando a fogueira se extingue, o corpo do menino está pronto para fazer sua última viagem. A mortalha de pele, salpicada de ocre, mancha a criança, que tem outros enfeites: no peito, um colar feito de uma só concha; na fronte, um diadema de dentes de veado; ao lado, como último presente, um filhote de coelho...
Separado do século XXI por pelo menos 25 mil anos, esse enterro de criança está ajudando a superar um abismo de tempo ainda mais vasto, e sobre as próprias origens da humanidade. Traços do esqueleto desse menino, morto com não mais que cinco anos de idade perto de onde hoje é a cidade de Leiria, em Portugal, sugerem que ele é o resultado da mistura entre neandertais e humanos modernos, ocorrida entre 2 mil e 3 mil anos antes do seu nascimento.
A ideia de que houve um longo processo de contato e mestiçagem entre ambos os povos, com efeitos aparentes milênios depois do desaparecimento dos neandertais 'puros', é a principal conclusão de um trabalho de 610 páginas publicado em 2003 em Lisboa. A monografia, batizada com o título Portrait of the Artist as a Child (Retrato do artista quando criança), reafirma uma posição polêmica que vem pondo em polvorosa o mundo da antropologia desde que foi exposta pela primeira vez, em 1999. Para os autores, não há mais discussão: ao deixar a África e colonizar a Europa, a humanidade moderna não exterminou os antigos habitantes do continente, mas, em maior ou menor grau, misturou seus genes aos deles. E o esqueleto do menino é a prova mais cabal disso. [...]
Ninguém poderia imaginar que a criança, apelidada de "menino do Lapedo", graças ao nome do vale português onde foi encontrado, fosse gerar tamanha controvérsia. Como acontece com nove entre 10 achados antropológicos ou arqueológicos importantes, o esqueleto veio à luz por acaso. Em 1998, um estudante da Universidade de Évora chamado Pedro Ferreira, sem muitas ideias para um trabalho da faculdade, resolveu explorar o vale do Lapedo em busca de exemplares de arte rupestre, e acabou encontrando uma ou outra figura antropomórfica nos penhascos calcários da região. A notícia do achado chegou ao Instituto Português de Arqueologia (IPA) através da Sociedade Torrejana de Espeleologia e Arqueologia (STEA), e João Zilhão, o diretor do instituto à época, pediu a dois membros da sociedade para verificarem o relato de Ferreira.
A análise dos restos prosseguiu rapidamente, embora boa parte deles tivesse sido espalhada para fora da sepultura original por causa de uma terraplanagem. Por um bom tempo, não passou pela cabeça de ninguém a ideia de que o menino fosse diferente de uma criança humana moderna; o osso do queixo saliente, traço que só se torna bem desenvolvido no Homo sapiens, parecia falar por si só. Trinkaus, contudo, começou a notar o que se tornaria, para a equipe, a noção definidora do menino do Lapedo: uma mistura complexa de características ósseas, um mosaico.
Separado do século XXI por pelo menos 25 mil anos, esse enterro de criança está ajudando a superar um abismo de tempo ainda mais vasto, e sobre as próprias origens da humanidade. Traços do esqueleto desse menino, morto com não mais que cinco anos de idade perto de onde hoje é a cidade de Leiria, em Portugal, sugerem que ele é o resultado da mistura entre neandertais e humanos modernos, ocorrida entre 2 mil e 3 mil anos antes do seu nascimento.
A ideia de que houve um longo processo de contato e mestiçagem entre ambos os povos, com efeitos aparentes milênios depois do desaparecimento dos neandertais 'puros', é a principal conclusão de um trabalho de 610 páginas publicado em 2003 em Lisboa. A monografia, batizada com o título Portrait of the Artist as a Child (Retrato do artista quando criança), reafirma uma posição polêmica que vem pondo em polvorosa o mundo da antropologia desde que foi exposta pela primeira vez, em 1999. Para os autores, não há mais discussão: ao deixar a África e colonizar a Europa, a humanidade moderna não exterminou os antigos habitantes do continente, mas, em maior ou menor grau, misturou seus genes aos deles. E o esqueleto do menino é a prova mais cabal disso. [...]
Ninguém poderia imaginar que a criança, apelidada de "menino do Lapedo", graças ao nome do vale português onde foi encontrado, fosse gerar tamanha controvérsia. Como acontece com nove entre 10 achados antropológicos ou arqueológicos importantes, o esqueleto veio à luz por acaso. Em 1998, um estudante da Universidade de Évora chamado Pedro Ferreira, sem muitas ideias para um trabalho da faculdade, resolveu explorar o vale do Lapedo em busca de exemplares de arte rupestre, e acabou encontrando uma ou outra figura antropomórfica nos penhascos calcários da região. A notícia do achado chegou ao Instituto Português de Arqueologia (IPA) através da Sociedade Torrejana de Espeleologia e Arqueologia (STEA), e João Zilhão, o diretor do instituto à época, pediu a dois membros da sociedade para verificarem o relato de Ferreira.
A análise dos restos prosseguiu rapidamente, embora boa parte deles tivesse sido espalhada para fora da sepultura original por causa de uma terraplanagem. Por um bom tempo, não passou pela cabeça de ninguém a ideia de que o menino fosse diferente de uma criança humana moderna; o osso do queixo saliente, traço que só se torna bem desenvolvido no Homo sapiens, parecia falar por si só. Trinkaus, contudo, começou a notar o que se tornaria, para a equipe, a noção definidora do menino do Lapedo: uma mistura complexa de características ósseas, um mosaico.
Fonte:
Revista Scientific: ( Encontros amorosos entre sapiens e neanderthal)
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