Bartolomeo Veneto - Lucrécia Bórgia
Se Judas encarna a imagem do traidor, Lucrécia Bórgia representa a manipuladora sem escrúpulos de costumes depravados. Mas a realidade é bem diferente. Aquela que é descrita como uma envenenadora e uma depravada foi, na realidade, uma aristocrata erudita.
Fruto da união entre o cardeal Rodrigo Borgia e sua favorita, a patrícia romana Vannozza Cattanei, Lucrécia nasceu em 18 de abril de 1480. Recebeu a educação refinada das crianças da aristocracia, que era uma preocupação de seu padrasto, o humanista Carlo Canale. Ela aprendeu línguas antigas, se familiarizou com a poesia, dedicou-se à música e estudou filosofia e letras latinas. Aristóteles, Tito Lívio, Salústio e Virgílio balizaram uma formação que, tanto quanto sua beleza, se revelaria útil para o destino que lhe estava reservado.
Na adolescência, Lucrécia mudou-se para o palácio de seu pai. Cresceu então à sombra do poder da Igreja. O Vaticano tinha sua corte, assim como a dos reinos da França, Inglaterra e Espanha. Era fértil também em artes e, sobretudo, em intrigas. O cardeal Bórgia subiu ao trono de Pedro em 1492. Lucrécia tornou-se, a partir de então, filha do papa Alexandre VI. De espectadora das lutas pelo poder, tornou-se protagonista das ambições de seu clã e trunfo no jogo político de seu pai.
Nada distinguia a casa pontifical das outras casas principescas da época. Nem seus costumes nem suas preocupações, das quais a principal era consolidar e estender a influência familiar, reforçando a da Igreja. Essa era a obsessão dos soberanos pontífices desse final de século XV. Era evidentemente também ao papa Borgia, cujos Estados papais se estendiam por toda a parte central da península, cercados pelos domínios da família Aragão em Nápoles, dos Sforza de Milão e dos Médicis de Florença. Afirmar o poder da Igreja passava tanto pela ostentação de uma corte e a organização de um exército poderoso como pelo casamento diplomático.
Aos 11 anos, Lucrécia foi prometida, no espaço de seis meses, a dois maridos diferentes: um aristocrata espanhol e depois um italiano. Mas foi com o condottiero Giovanni Sforza, senhor de Pesaro, que a adolescente de 13 anos se casou, em 1493. Os riscos de uma invasão francesa a Roma e a peste que devastava a Cidade Eterna precipitaram a ida do casal para Pesaro. Em 10 de junho de 1494, Lucrécia enviou uma carta a Alexandre VI na qual expressava a admiração e o carinho que ela dedicava a seu pai. Descobrimos uma adolescente comedida e ponderada que revelou certo desinteresse em relação às festas que celebravam sua chegada ao novo domínio de Pesaro. A aliança com os Sforza revelou-se rapidamente um erro estratégico para o clã Borgia. Alexandre VI conseguiu anular o casamento em 1497, afirmando de maneira não comprovada que ele não havia sido consumado. Giovanni Sforza, humilhado ao ser chamado de impotente, vingou-se, espalhando o boato de relações incestuosas entre Lucrécia, seu irmão César e o papa. Foi o primeiro elemento que alimentaria a lenda negra de Lucrécia.
Peça do jogo de xadrez diplomático de seu pai, ela não poderia ficar sozinha muito tempo. Casou-se novamente em 1498 com Afonso de Aragão, filho do rei de Nápoles. Apaixonou-se por ele e o casal, longe das intrigas políticas, vivia tranquilamente em Roma, onde ele mantinha uma corte frequentada pelos cardeais Médicis e Farnese, os pintores Michelangelo e Pinturicchio. Lucrécia recebia com fidalguia em seu palácio romano artistas e literatos. Falavam de artes. Lucrécia animava essa sociedade e ali brilhava pela vivacidade de seu espírito. Mas não por muito tempo. Novamente seu casamento foi insatisfatório para os Borgia. Como o nascimento de um filho tornou impossível uma anulação, César optou por uma solução radical: o assassinato do cunhado por um de seus homens.
Divorciada e viúva aos 21 anos, Lucrécia se casou pela terceira e última vez com Afonso I d’Este, duque de Ferrara, em 1505. Com a morte de Alexandre VI, em 1503, ela pôde enfim viver dias felizes. Apresentou-se como protetora das artes e das letras, cercou-se de muitos poetas, particularmente de Ludovico Ariosto – que lhe dedicou Orlando furioso – e Pietro Bembo, por quem nutria um amor platônico – que lhe dedicou Gli Asolani. Ela inspirou também os pintores, protegeu Dosso Dossi, Rafaele Garofalo e Ticiano.
O fim de sua vida foi triste devido à morte brutal de seus próximos e abortos que a enfraqueceram. Em 14 de junho de 1519, ela deu à luz uma menina, que morreu em seguida. Dez dias mais tarde, aos 39 anos, faleceu de uma septicemia. Ela foi, de fato, duas vezes vítima das ambições do pai e dos inimigos de sua família. Sua lenda negra, que tem como origem a vingança destes últimos, se perpetuaria após sua morte. O filósofo Leibniz, no século XVII, insistiu em sua depravação – um mal característico do reino de Alexandre VI – e Voltaire lhe fez eco no suposto incesto com seu Essais sur les moeurs (1756). No século XIX, Lucrécia foi uma fonte inesgotável de inspiração para os românticos. Fascinou lorde Byron, tornou-se a heroína de uma tragédia de Victor Hugo (1833), foi objeto de um conto fantástico de Mérimée e figurou com destaque em Les crimes célèbres, de Alexandre Dumas. O historiador Jules Michelet chancelaria essa imagem de messalina incestuosa e intrigante.
Fruto da união entre o cardeal Rodrigo Borgia e sua favorita, a patrícia romana Vannozza Cattanei, Lucrécia nasceu em 18 de abril de 1480. Recebeu a educação refinada das crianças da aristocracia, que era uma preocupação de seu padrasto, o humanista Carlo Canale. Ela aprendeu línguas antigas, se familiarizou com a poesia, dedicou-se à música e estudou filosofia e letras latinas. Aristóteles, Tito Lívio, Salústio e Virgílio balizaram uma formação que, tanto quanto sua beleza, se revelaria útil para o destino que lhe estava reservado.
Na adolescência, Lucrécia mudou-se para o palácio de seu pai. Cresceu então à sombra do poder da Igreja. O Vaticano tinha sua corte, assim como a dos reinos da França, Inglaterra e Espanha. Era fértil também em artes e, sobretudo, em intrigas. O cardeal Bórgia subiu ao trono de Pedro em 1492. Lucrécia tornou-se, a partir de então, filha do papa Alexandre VI. De espectadora das lutas pelo poder, tornou-se protagonista das ambições de seu clã e trunfo no jogo político de seu pai.
Nada distinguia a casa pontifical das outras casas principescas da época. Nem seus costumes nem suas preocupações, das quais a principal era consolidar e estender a influência familiar, reforçando a da Igreja. Essa era a obsessão dos soberanos pontífices desse final de século XV. Era evidentemente também ao papa Borgia, cujos Estados papais se estendiam por toda a parte central da península, cercados pelos domínios da família Aragão em Nápoles, dos Sforza de Milão e dos Médicis de Florença. Afirmar o poder da Igreja passava tanto pela ostentação de uma corte e a organização de um exército poderoso como pelo casamento diplomático.
Aos 11 anos, Lucrécia foi prometida, no espaço de seis meses, a dois maridos diferentes: um aristocrata espanhol e depois um italiano. Mas foi com o condottiero Giovanni Sforza, senhor de Pesaro, que a adolescente de 13 anos se casou, em 1493. Os riscos de uma invasão francesa a Roma e a peste que devastava a Cidade Eterna precipitaram a ida do casal para Pesaro. Em 10 de junho de 1494, Lucrécia enviou uma carta a Alexandre VI na qual expressava a admiração e o carinho que ela dedicava a seu pai. Descobrimos uma adolescente comedida e ponderada que revelou certo desinteresse em relação às festas que celebravam sua chegada ao novo domínio de Pesaro. A aliança com os Sforza revelou-se rapidamente um erro estratégico para o clã Borgia. Alexandre VI conseguiu anular o casamento em 1497, afirmando de maneira não comprovada que ele não havia sido consumado. Giovanni Sforza, humilhado ao ser chamado de impotente, vingou-se, espalhando o boato de relações incestuosas entre Lucrécia, seu irmão César e o papa. Foi o primeiro elemento que alimentaria a lenda negra de Lucrécia.
Peça do jogo de xadrez diplomático de seu pai, ela não poderia ficar sozinha muito tempo. Casou-se novamente em 1498 com Afonso de Aragão, filho do rei de Nápoles. Apaixonou-se por ele e o casal, longe das intrigas políticas, vivia tranquilamente em Roma, onde ele mantinha uma corte frequentada pelos cardeais Médicis e Farnese, os pintores Michelangelo e Pinturicchio. Lucrécia recebia com fidalguia em seu palácio romano artistas e literatos. Falavam de artes. Lucrécia animava essa sociedade e ali brilhava pela vivacidade de seu espírito. Mas não por muito tempo. Novamente seu casamento foi insatisfatório para os Borgia. Como o nascimento de um filho tornou impossível uma anulação, César optou por uma solução radical: o assassinato do cunhado por um de seus homens.
Divorciada e viúva aos 21 anos, Lucrécia se casou pela terceira e última vez com Afonso I d’Este, duque de Ferrara, em 1505. Com a morte de Alexandre VI, em 1503, ela pôde enfim viver dias felizes. Apresentou-se como protetora das artes e das letras, cercou-se de muitos poetas, particularmente de Ludovico Ariosto – que lhe dedicou Orlando furioso – e Pietro Bembo, por quem nutria um amor platônico – que lhe dedicou Gli Asolani. Ela inspirou também os pintores, protegeu Dosso Dossi, Rafaele Garofalo e Ticiano.
O fim de sua vida foi triste devido à morte brutal de seus próximos e abortos que a enfraqueceram. Em 14 de junho de 1519, ela deu à luz uma menina, que morreu em seguida. Dez dias mais tarde, aos 39 anos, faleceu de uma septicemia. Ela foi, de fato, duas vezes vítima das ambições do pai e dos inimigos de sua família. Sua lenda negra, que tem como origem a vingança destes últimos, se perpetuaria após sua morte. O filósofo Leibniz, no século XVII, insistiu em sua depravação – um mal característico do reino de Alexandre VI – e Voltaire lhe fez eco no suposto incesto com seu Essais sur les moeurs (1756). No século XIX, Lucrécia foi uma fonte inesgotável de inspiração para os românticos. Fascinou lorde Byron, tornou-se a heroína de uma tragédia de Victor Hugo (1833), foi objeto de um conto fantástico de Mérimée e figurou com destaque em Les crimes célèbres, de Alexandre Dumas. O historiador Jules Michelet chancelaria essa imagem de messalina incestuosa e intrigante.
Fonte:
Olivier Tosseri: ( História Viva )
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