Giuseppe Pellizza da Volpedo
A afirmação [...] da feminista Maria Lacerda de Moura: "Ambos, homens e mulheres, nasceram pelo amor e para o amor" seria realidade para todos? Ao mesmo tempo em que o país passava a crise do café, a crise das Bolsas de 29, a criação de pequenas indústrias, na base da pirâmide formava-se nova classe com regras próprias de organização. Nela, os "casamentos", ou melhor dizendo, as uniões, eram precoces, as uniões, consensuais e concubinatos eram regra embora sujeitos à instabilidade e a circulação de crianças, "bastardas", na casa de parentes e familiares, bastante comum. Longe de ser fruto de "ignorância" ou "irresponsabilidade", como acusavam médicos higienistas e juristas, essa classe trabalhadora possuía uma cultura diversa daquela das elites. Uma cultura popular que se chocava, muitas vezes, com a das camadas dominantes. Era difícil, se não impossível, adaptar-se à camisa de força dos valores burgueses quando se tinha de sobreviver em condições tão árduas.
No mundo do trabalho, cada vez mais urbano ou industrializado, a confusão entre a mulher fácil e a esposa e mãe era enorme. Por um lado, embora as mulheres correspondessem à grande parcela da força de trabalho e esses fossem tempos de forte militância em favor de seus direitos, a mentalidade machista era muito arraigada. Mesmo entre anarquistas e comunistas, a fábrica, espaço de trabalho para milhares de imigrantes e seus descendentes, era considerada um "lupanar", um "bordel", um "antro de perdição". A maior parte da imprensa operária atacava as mulheres que deixavam seus lares para trabalhar no seu ganha-pão. Não poucas operárias tinham de provar em casa que trabalhavam em "serviço honesto". Outras contavam com o depoimento de amigos e colegas para testemunhar que "na fábrica, se comportava bem..." O jornal A Razão, em editorial de 29 de julho de 1919, repetia argumentos já conhecidos pelo leitor. Seduzidas pelas facilidades do mundo moderno, pelo discurso radical do feminismo e do anarquismo e convivendo de perto com o submundo da prostituição, as mulheres deixariam de ser mulheres: "O papel de uma mãe não consiste em abandonar seus filhos em casa e ir para a fábrica trabalhar, pois tal abandono origina, muitas vezes, consequências lamentáveis".
De fato, algumas dessas consequências eram dramáticas para as casadas ou noivas. O assédio de chefes e patrões não era raro. É da operária Luiza Ferreira de Medeiros o depoimento sobre o cotidiano na Fábrica Têxtil Bangu, no subúrbio do Rio de Janeiro, durante a Primeira Guerra: Mestre Cláudio fechava as moças no escritório para forçá-las à prática sexual. Muitas moças foram prostituídas por aquele canalha. Chegava a aplicar punições de dez a quinze dias pelas menores faltas, e até sem faltas, para obrigar as moças a ceder a seus intentos. As moças que faziam parte do sindicato eram vistas como meretrizes, ou pior do que isso: eram repugnantes.
Com a crescente incorporação das mulheres ao mercado de trabalho e à esfera pública, lembra a historiadora Margareth Rago, a questão do trabalho feminino era motivo de discussão com outros temas que envolviam as mulheres: virgindade, casamento e prostituição. Enquanto o mundo do trabalho cabia como uma luva na metáfora do "cabaré", o lar era valorizado como o espaço sagrado da "santa rainha do lar", do "reizinho da família". Com o vertiginoso crescimento urbano das primeiras décadas do século, o mundo do trabalho passou a ser visto como algo profundamente ameaçador para as mulheres e não faltavam críticos dessa situação:
São Paulo caminha para uma perdição moral [...]. Outrora, em suas ruas onde só se encontravam famílias e casas habitadas por quem tem o que fazer, se veem hoje, caras impossíveis, mostrando, embora cobertas pelo cold cream e pelo creme Simon, polvilhado pelo pó de arroz, os sulcos que não se extinguem, deixados pelo deboche e pelas noites passadas em claro libando, em desenvolta moralidade, as taças de champagne falsificado, entre os pechisbeques do falso amor.
Junto ao clamor pela "volta ao lar" dessas que não se sabia se trabalhadoras direitas ou prostitutas disfarçadas, corria também a preocupação de médicos, como o Dr. Potyguar de Medeiros, com a educação como meio de escapar ao ineroxável meretrício. Em seu estudo de 1921, Sobre a phrophylaxia da syphilis, dizia que as jovens trabalhadoras não tinham meios para se defender das armadilhas do mundo moderno.
Nas habitações coletivas que se erguiam nas cidades em crescimento, nas pensões, nos porões ou casebres de favelas, casais se faziam e desfaziam ao sabor das necessidades de uma população itinerante. Elas são o espaço de outra moral, de outra família e, por conseguinte, de outros afetos e amores. Uma série de fatores somava-se para que as mulheres pobres garantissem sua autonomia: a ausência de propriedade, os entraves burocráticos, a dificuldade de homens pobres se fazerem, como os burgueses, de únicos mantenedores da família. Não deviam ser poucas a pensar, como a mulata Rita Baiana, do romance O cortiço, de Aluísio de Azevedo: "Casar? Protestou Rita. Nessa não cai a filha do meu pai! Casar! Livra! Para quê? Para arranjar cativeiro? Um marido é pior que o Diabo, pensa logo que a gente é escrava! Nada! Qual! Deus te livre! Não há como viver cada um senhor e dono do que é seu!".
No mundo do trabalho, cada vez mais urbano ou industrializado, a confusão entre a mulher fácil e a esposa e mãe era enorme. Por um lado, embora as mulheres correspondessem à grande parcela da força de trabalho e esses fossem tempos de forte militância em favor de seus direitos, a mentalidade machista era muito arraigada. Mesmo entre anarquistas e comunistas, a fábrica, espaço de trabalho para milhares de imigrantes e seus descendentes, era considerada um "lupanar", um "bordel", um "antro de perdição". A maior parte da imprensa operária atacava as mulheres que deixavam seus lares para trabalhar no seu ganha-pão. Não poucas operárias tinham de provar em casa que trabalhavam em "serviço honesto". Outras contavam com o depoimento de amigos e colegas para testemunhar que "na fábrica, se comportava bem..." O jornal A Razão, em editorial de 29 de julho de 1919, repetia argumentos já conhecidos pelo leitor. Seduzidas pelas facilidades do mundo moderno, pelo discurso radical do feminismo e do anarquismo e convivendo de perto com o submundo da prostituição, as mulheres deixariam de ser mulheres: "O papel de uma mãe não consiste em abandonar seus filhos em casa e ir para a fábrica trabalhar, pois tal abandono origina, muitas vezes, consequências lamentáveis".
De fato, algumas dessas consequências eram dramáticas para as casadas ou noivas. O assédio de chefes e patrões não era raro. É da operária Luiza Ferreira de Medeiros o depoimento sobre o cotidiano na Fábrica Têxtil Bangu, no subúrbio do Rio de Janeiro, durante a Primeira Guerra: Mestre Cláudio fechava as moças no escritório para forçá-las à prática sexual. Muitas moças foram prostituídas por aquele canalha. Chegava a aplicar punições de dez a quinze dias pelas menores faltas, e até sem faltas, para obrigar as moças a ceder a seus intentos. As moças que faziam parte do sindicato eram vistas como meretrizes, ou pior do que isso: eram repugnantes.
Com a crescente incorporação das mulheres ao mercado de trabalho e à esfera pública, lembra a historiadora Margareth Rago, a questão do trabalho feminino era motivo de discussão com outros temas que envolviam as mulheres: virgindade, casamento e prostituição. Enquanto o mundo do trabalho cabia como uma luva na metáfora do "cabaré", o lar era valorizado como o espaço sagrado da "santa rainha do lar", do "reizinho da família". Com o vertiginoso crescimento urbano das primeiras décadas do século, o mundo do trabalho passou a ser visto como algo profundamente ameaçador para as mulheres e não faltavam críticos dessa situação:
São Paulo caminha para uma perdição moral [...]. Outrora, em suas ruas onde só se encontravam famílias e casas habitadas por quem tem o que fazer, se veem hoje, caras impossíveis, mostrando, embora cobertas pelo cold cream e pelo creme Simon, polvilhado pelo pó de arroz, os sulcos que não se extinguem, deixados pelo deboche e pelas noites passadas em claro libando, em desenvolta moralidade, as taças de champagne falsificado, entre os pechisbeques do falso amor.
Junto ao clamor pela "volta ao lar" dessas que não se sabia se trabalhadoras direitas ou prostitutas disfarçadas, corria também a preocupação de médicos, como o Dr. Potyguar de Medeiros, com a educação como meio de escapar ao ineroxável meretrício. Em seu estudo de 1921, Sobre a phrophylaxia da syphilis, dizia que as jovens trabalhadoras não tinham meios para se defender das armadilhas do mundo moderno.
Nas habitações coletivas que se erguiam nas cidades em crescimento, nas pensões, nos porões ou casebres de favelas, casais se faziam e desfaziam ao sabor das necessidades de uma população itinerante. Elas são o espaço de outra moral, de outra família e, por conseguinte, de outros afetos e amores. Uma série de fatores somava-se para que as mulheres pobres garantissem sua autonomia: a ausência de propriedade, os entraves burocráticos, a dificuldade de homens pobres se fazerem, como os burgueses, de únicos mantenedores da família. Não deviam ser poucas a pensar, como a mulata Rita Baiana, do romance O cortiço, de Aluísio de Azevedo: "Casar? Protestou Rita. Nessa não cai a filha do meu pai! Casar! Livra! Para quê? Para arranjar cativeiro? Um marido é pior que o Diabo, pensa logo que a gente é escrava! Nada! Qual! Deus te livre! Não há como viver cada um senhor e dono do que é seu!".
Mary Del Priore
Historiadora
Historiadora
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