quinta-feira, 29 de abril de 2010

Cada irmão é diferente

William-Adolphe Bouguereau
Cada irmão é diferente.
Sozinho acoplado a outros sozinhos.
A linguagem sobe escadas, do mais moço,
ao mais velho e seu castelo de importância.
A linguagem desce escadas, do mais velho
ao mísero caçula.

São seis ou são seiscentas
distâncias que se cruzam,
se dilatam no gesto, no calar, no pensamento?
Que léguas de um a outro irmão.
Entretanto, o campo aberto,
os mesmos copos,
o mesmo vinhático das camas iguais.
A casa é a mesma. Igual,
vista por olhos diferentes?

São estranhos próximos, atentos
à área de domínio, indevassáveis.
Guardar o seu segredo, sua alma,
seus objetos de toalete. Ninguém ouse
indevida cópia de outra vida.

Ser irmão é ser o quê? Uma presença
a decifrar mais tarde, com saudade?
Com saudade de quê? De uma pueril
vontade de ser irmão futuro, antigo e sempre?

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Pelo sonho é que vamos

Pelo sonho é que vamos,
Comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não frutos,
Pelo Sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
Que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
Com a mesma alegria, ao que é do dia a dia.
Chegamos? Não chegamos?
-Partimos. Vamos. Somos.

Sebastião da Gama (1924-1952)

Osvaldo Orlando da Costa

Osvaldão em cartaz de Jayme Leão, 1987

A 27 de abril de 1938 nasce em Passa-Quatro, MG, Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão da Guerrilha do Araguaia. Será um dos guerrilheiros mais admirados pelo povo do sul do PA, pela bondade, a coragem, a pontaria. Desaparecido desde meados de 1974.
Osvaldão, como era conhecido pelos companheiros de luta, foi um dos principais integrantes da Guerrilha do Araguaia, ocorrida na região Norte do Brasil na década de 70. Negro, forte, com quase dois metros de altura, ele era uma figura inconfundível. Quem o conheceu se refere à ele como um homem alegre, sensível e extremamente justo.
Membro do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Osvaldo Orlando da Costa foi obrigado a viver na clandestinidade depois do golpe militar de 1964, quando passou a ser procurado por sua militância. Antes, porém, foi campeão de boxe pelo clube Botafogo, do Rio de Janeiro, e estudante de Engenharia de Minas, em Praga, na Checoslováquia, onde viveu alguns anos.
Osvaldão foi um dos primeiros militantes comunistas a chegar na região do Araguaia, com a missão de implantar uma guerrilha. Entrou como garimpeiro e mariscador. Tornou-se, em pouco tempo, o maior conhecedor da área ocupada pelos guerrilheiros. Muito querido pelos companheiros e moradores locais, não tardou para que Osvaldo fosse promovido à comandante de um destacamento guerrilheiro.
Osvaldão foi, provavelmente, o último guerrilheiro a ser morto pelos militares, na selva do Araguaia. Segundo o Relatório Arroyo, do PCdoB, o comandante negro teria sido morto e decapitado em 1975, quando foi localizado pelos inimigos próximo à uma cachoeira, muito magro, ferido e doente. Quem teria atirado em Osvaldão foi o mateiro Arlindo Piauí, que servia de guia para as tropas do Exército no interior da floresta.
Sua morte pode ser considerada o ponto final simbólico da epopéia e do sonho guerrilheiro no Araguaia. Até hoje seus restos mortais continuam desaparecidos.

sábado, 24 de abril de 2010

Alguém bateu à porta da Bem-Amada

Amanda Cass
Alguém bateu à porta da Bem-Amada,
e uma Voz lá de dentro perguntou:
- Quem está aí?
E ele respondeu - Sou eu.
A Voz então disse:
- Esta casa não conterá nós dois.
E a porta continuou fechada.
Então o Amante foi para o deserto e na solidão jejuou e orou.
Retornou depois de um ano e bateu novamente à porta.
E de novo a Voz perguntou:
- Quem é?
E o Amante respondeu:
- És tu mesma!
E a porta lhe foi aberta.

Jalaludin Rumi (1207-1273)

As grandes manipulações da História

Desde a Antiguidade, fatos históricos foram distorcidos ou simplesmente inventados para colocar o passado a serviço de ideologias ou interesses particulares.
Em 1941 quando os serviços secretos norte-americanos, depois de decifrarem o Código Púrpura dos japoneses, informaram o Presidente Roosevelt do iminente ataque a Pearl Harbor. Roosevelt, sabendo o que iria acontecer, permitiu o ataque e assim conseguiu entrar na Segunda Guerra Mundial, de que os Estados Unidos saíram sem um único ataque ao seu território e como uma potência econômica ímpar perante uma Europa devastada. Este foi um crime por omissão: podia ter-se feito alguma coisa, mas não se fez, pelo que existe uma corresponsabilidade nos fatos. Igualmente, a 1 de Dezembro de 1981 se pôs em ação por uma ordem secreta de Ronald Reagan a operação que pretendia vender armas ao Irã para financiar os Contras nicaraguenses. Nesta operação estavam implicadas diversas personagens do narcotráfico internacional e era organizada logisticamente pela CIA .
Revista História Viva.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

No Templo da Montanha

Passo a noite
No Templo da Montanha.
Se estender a mão,
Toco as estrelas.
Nem ouso falar,
Para não incomodar
os que moram no céu.

Li Pô (712-770) - poeta chinês
Tradução de Sérgio Capparelli

O Amor Sugado

“O amor, enquanto afeição humana, é o amor que deseja o bem, possui uma disposição amigável, promove a felicidade dos demais e alegra-se com ela. Mas é patente que aqueles que possuem uma inclinação meramente sexual não amam a pessoa por nenhum dos motivos ligados à verdadeira afeição e não se preocupam com a sua felicidade, mas podem até mesmo levá-la à maior infelicidade simplesmente visando satisfazer a sua própria inclinação e apetite. O amor sexual faz da pessoa amada um objeto do apetite; tão logo foi possuída e o apetite saciado, ela é descartada tal como um limão sugado”.
Immanuel Kant (1724 -1804)
Um dos principais filósofos do mundo ocidental

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Em cada coração há uma janela para outros corações

Alfred Gockel
“Em cada coração há uma
janela para outros corações.
Eles não estão separados,
como dois corpos.
Mas, assim como duas lâmpadas
que não estão juntas,
Sua luz se une num só feixe”.

Jalaludin Rumi (1207-1273)

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Coroai-me de rosas

Jules Scalbert
Coroai-me de rosas,
Coroai-me em verdade,
De rosas — rosas que se apagam
Em fronte a apagar-se tão cedo!
Coroai-me de rosas
E de folhas breves.
E basta.

Ricardo Reis
(heterônimo de Fernando Pessoa)

Joaquim José da Silva Xavier

Exerceu diversos trabalhos entre eles minerador e tropeiro. Tiradentes (1746-1792) também foi alferes, fazendo parte do regimento militar dos Dragões de Minas Gerais.
Junto com vários integrantes da aristocracia mineira, entre eles poetas e advogados, começa a fazer parte do movimento dos inconfidentes mineiros, cujo objetivo principal era conquistar a Independência do Brasil.
Com os conhecimentos que adquirira no trabalho de mineração, tornou-se técnico em reconhecimento de terrenos e na exploração dos seus recursos, começou a trabalhar para o governo no reconhecimento e levantamento do sertão brasileiro. Depois alistou-se na tropa da capitania de Minas Gerais e foi nomeado pela rainha Maria I, comandante da patrulha do Caminho Novo (1781), estrada que conduzia ao Rio de Janeiro, que tinha a função de garantir o transporte do ouro e dos diamantes extraídos da capitania.
Nesse período, começou a criticar a espoliação do Brasil pela metrópole, que ficava evidente quando se confrontava o volume de riquezas tomadas pelos portugueses e a pobreza em que o povo permanecia. Insatisfeito por não conseguir promoção na carreira militar, alcançando apenas o posto de alferes, pediu licença da cavalaria. Morou por volta de um ano na capital, período em que desenvolveu projetos de vulto como a canalização dos rios Andaraí e Maracanã para melhoria do abastecimento de água do Rio de Janeiro, porém não obteve deferimento dos seus pedidos para execução das obras. Seus projetos foram rejeitados pelo vice-rei, sendo mais tarde construídos por D. João VI.
Tiradentes era um excelente comunicador e orador. Sua capacidade de organização e liderança fez com que fosse o escolhido para liderar a Inconfidência Mineira. Em 1789, após ser delatado por Joaquim Silvério dos Reis, o movimento foi descoberto e interrompido pelas tropas oficiais. Os inconfidentes foram julgados em 1792. Alguns filhos da aristocracia ganharam penas mais brandas como, por exemplo, o açoite em praça pública ou o degredo.
Tiradentes, com poucas influências econômicas e políticas, foi condenado a forca. Foi executado em 21 de abril de 1792. Partes do seu corpo foram expostas em postes na estrada que ligava o Rio de Janeiro a Minas Gerais. Sua casa foi queimada e seus bens confiscados.
Embora fracassada, podemos considerar a Inconfidência Mineira como um exemplo valoroso da luta dos brasileiros pela independência, pela liberdade e contra um governo que tratava sua colônia com violência, autoritarismo, ganância e falta de respeito.

domingo, 18 de abril de 2010

A Esperança

Vie Dunn-Harr
A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.
Muita gente infeliz assim não pensa;

No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?
Mocidade, portanto, ergue o teu grito,

Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro – avança!
E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!

Augusto dos Anjos (1884-1914)

Oh rosa, estás enferma!

Oh rosa, estás enferma!
O verme transparente
Que voa na noite
Ao som da borrasca

Encontrou tua cama
De alegria carmesim
E seu amor, sombrio e secreto,
Tua vida arruína.

William Blake (1757-1827)
Tradução: José Jorge de Carvalho

Não me provoque

Não me provoque,
tenho armas escondidas..
Não me manipule,
nasci para ser livre...

Não me engane,
posso não resistir...

Não grite,
tenho o péssimo hábito de revidar...

Não me magoe,
meu coração já tem muitas mágoas...

Não me deixe ir,
posso nunca mais voltar...

Não me deixe só,
tenho medo da escuridão...

Não me tente contrariar,
tenho palavras que machucam...

Não me decepcione,
nem sempre consigo perdoar ...
Não espere me perder para sentir minha falta !

Clarice Lispector (1920-1977)

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Brincadeirinha

Impa-ciência? Nervos-sismos?
Ohhh Sim, às vezes!

Filme

James Cameron, o mala sem alça na versão em 3D
Assistir a "Avatar" num cinema em 3D é experimentar uma sensação diferente. Você penetra nos cenários, acompanha de perto a movimentação dos personagens. É tão realista que o próprio Cameron acreditou que Pandora existia. E, o que é pior, ficava na Amazônia.
No filme, vemos uma ONG formada por pessoas bem intencionadas e idealistas se unir aos nativos daquele planeta e derrotar um exército americano mau feito pica-pau. Cameron faturou bilhões de dólares, mas não ganhou o Oscar. Levou muito menos estatuetas que a ex-mulher. O que não deve ter pensado a atual?
"E aí, Jimmy, como foi lá?" "Mais ou menos. Trouxe três troféus. Na verdade, quem se deu bem foi a Kathryn [Bigelow], ganhou seis estatuetas: melhor filme, direção, roteiro e..." "Chega! Não quero ouvir mais uma palavra sobre essa mulher! Eu me sinto humilhada."
"Calma, Suzy! Já sei o que fazer: salvar o planeta. Prepare as malas, vamos para o Brasil!" Cameron caiu de paraquedas na floresta amazônica. Pintou-se de urucum, abraçou indígenas, dançou com bois em Parintins e se meteu num assunto espinhoso: a questão energética.
Ouviu ONGs e manifestou sua oposição à construção da hidrelétrica de Belo Monte que, não fosse o Google Maps, não teria a menor ideia de que fica no Pará.
Aliás, nem saberia onde fica o próprio Pará. Mas ele vem de uma civilização mais avançada disposto a nos ajudar. Portanto, devemos seguir suas orientações e preservar o ambiente de "Pandora Brasilis". Segundo Cameron, deveríamos ouvir os povos da floresta, mas até agora só ele falou. Fez propostas, pôs um bonezinho, participou de manifestações e ainda deu uns toques no Lula: "Vai na minha que você vai se dar bem...".
Não sei por que, mas essa atitude conquistou minha antipatia e má vontade. Não tinha nenhuma opinião sobre a construção de Belo Monte. Agora, só porque ele é contra, sou a favor. Ele me lembra aquele comercial das Havaianas, em que um argentino resolve se meter na conversa do Lázaro Ramos para falar mal do Brasil. "E quem disse que o Brasil tem problemas?", rechaça Lázaro.
É isso. Não gostamos quando alguém de fora palpita sobre o que devemos fazer. Como diria Romário: "O cara chegou agora e quer sentar na janela?". Pega leve, James Cameron!
Ouviu um discurso da Marina Silva e já entrou na campanha presidencial. Na verdade, acho que gostaria de vê-la na sua próxima superprodução. Marina é verde, seus personagens são azuis, tudo a ver.
Mas tudo isso está ajudando a chamar a atenção para o real propósito da viagem, os lançamentos do DVD e do Blu-ray de "Avatar" no Brasil. E esse filme nós conhecemos. No final das contas, tudo não passa de uma obra do PAC: o Programa de Aceleração do Cameron.

Helio de La Peña é humorista do "Casseta & Planeta

terça-feira, 13 de abril de 2010

Senta-te sem ansiedades

Jennifer Lommers
Se te contentas com os frutos ainda verdes,
toma-os, leva-os, quantos quiseres.
Se o que desejas, no entanto, são os mais saborosos,
maduros, bonitos e suculentos,
deverás ter paciência.
Senta-te sem ansiedades.
Acalma-te, ama, perdoa, renuncia, medita e guarda silêncio.
Aguarda.
Os frutos vão amadurecer.

Professor Hermógenes

Lindo filme

Before The Rains
Esse filme é muito interessante, aliás, sensacional. O aristocrata britânico Henry Moores (Linus Roache) se estabelece no sul da Índia como negociante de especiarias. O comércio com a Europa se intensifica, mas as monções duram meses, destroem as estradas e interrompem o fornecimento de mercadoria, transformando um negócio certo em investimento arriscado.
Apostando no futuro da região, Moores consegue um vultoso empréstimo junto a um banco inglês para construir uma estrada ligando a sua fazenda ao ponto de distribuição. O projeto é caro e ambicioso.
Na década de 30, o movimento para a independência da Índia começa a ganhar forma e Moores precisa da ajuda de seu fiel empregado para convencer os trabalhadores locais a abraçarem a empreitada. T.K. (Rahul Bose) é um jovem indiano formado nas escolas britânicas que utiliza sua influência na vila para transformar o sonho do patrão em realidade.
Partindo dessa premissa, o diretor escolheu apontar sua câmera para a vida dentro da casa britânica em solo indiano e relegou para segundo plano um olhar mais atento aos moradores da vila e seus costumes. Santosh Sivan poderia percorrer o caminho inverso e nos mostrar o dia a dia na vila e as mudanças que décadas de contato com os britânicos fizeram a uma sociedade secular.
O diretor resolve esperar o momento certo para colocar o dilema tradição versus progresso. Apesar de ser um bem sucedido homem de negócios, Moores não consegue resistir aos encantos da jovem Sajani (Nandita Das) e o envolvimento dos dois compromete a frágil estabilidade local.

domingo, 11 de abril de 2010

Sou todo coração

“Nos demais todo mundo sabe.
O coração tem domicílio no peito.
Mas comigo
a anatomia ficou louca.
Sou todo coração”.

Vladimir Maiakovski (1893-1930)

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Haikai

Lua cheia!
Por mais que caminhe,
O céu é de outro lugar.

Chiyo-jo

Canção de Outono

Lord Frederick Leighton
Estes lamentos
Dos violões lentos
Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
De sono.

E soluçando,
Pálido, quando
Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doidos
De outrora.

E vou à toa
No ar mau que voa.
Que importa?
Vou pela vida,
Folha caída
E morta.

Paul Verlaine (1844-1896)
Tradução: Guilherme de Almeida

quarta-feira, 7 de abril de 2010

MÍDIA & EDUCAÇÃO

A Imprensa paulista menospreza greve dos professores
A partir de meados dos anos 1990, devido à urgência de se discutir os vínculos entre capital, ideologia e mídia numa era em que esta se tornara peça-chave do capitalismo tecnofinanceiro, acirra-se, em âmbito internacional, a prática e o debate em torno da crítica de mídia.
No mais das vezes ancorada num questionamento ético, num primeiro momento a ênfase crítica recai na análise dos conteúdos veiculados pelos diversos órgãos de mídia – notadamente, a imprensa. À medida em que se evidencia, em parte graças ao trabalho de pesquisadores como Ben Bagdikian, César Bolaño e Dênis de Moraes, a tendência ao monopólio e, via fusões empresariais, à concentração corporativa dos grupos de comunicação ganham força, no media watching, veios críticos mais interessados nas relações econômicas estruturais da atividade midiática.
Só mais tarde os efeitos negativos advindos da omissão ou da desconsideração de informações por parte dos veículos de comunicação passam a receber, de forma mais sistemática, a devida atenção por parte dos críticos de mídia. O ato de desconsiderar informações, deixando de publicá-las ou fazendo-o com mínimo destaque – que já vinha recebendo atenção sistemática da academia desde os anos 1940 –, passa, então, paulatinamente, a ser considerado uma das principais e mais nocivas estratégias para manipulação da opinião pública.

Greves escondidas
Um tipo de manifestação social que, pela sua própria lógica anticonformista e, em variados graus contestadora, tem sido reiteradamente negligenciada pela cobertura midiática, é a greve trabalhista – notadamente, no Brasil, quando protagonizada pelo funcionalismo público, a besta-fera do ideário neoliberal. É precisamente esse o caso da greve – e das manifestações – dos professores da rede oficial de ensino do estado de São Paulo, vigente desde o dia 8 de março.
De início, a estratégia adotada pelos dois principais jornais do estado foi de um quase silêncio, que só não zerou os decibéis por conta de pequenas notas de utilidade pública (do estilo "não mandem seus filhos à escola, pois a greve começou") noticiando o evento e, de forma breve e tendenciosa, apresentando um insatisfatório resumo da escalada do conflito. Segundo tal narrativa, o movimento seria uma manobra sindicalista perpetuada por uma minoria insatisfeita. Na origem do mal-estar estaria a insatisfação dos professores temporários, revoltosos por terem sido obrigados a se submeter a uma avaliação funcional para se manterem empregados.

Insistência em desqualificar movimento
O silêncio da imprensa paulista tornou-se insustentável após a primeira passeata dos professores na Av. Paulista, no dia 12 de março. O evento reuniu uma tal multidão (6 mil para a PM; 60 mil para os organizadores) e repercutiu de uma tal maneira na internet que ficou difícil fingir que nada estava acontecendo e ignorar a greve e os protestos. A partir desse momento, a atitude do Estado de S.Paulo e da Folha passa de uma não-cobertura a um enfoque que privilegia os transtornos no trânsito que as passeatas estariam provocando, bem como a ênfase nas consequências negativas do movimento para os alunos e para as mães, que não teriam onde deixá-los.

Ojeriza por reivindicações trabalhistas
Trata-se de uma prática tão antiga como o trabalho escravo: ante a evidência de que trabalhadores conseguiram reunir uma multidão para reivindicar, de forma organizada, suas demandas, faz-se um uso político dos excluídos sociais, evocando-se a presença de baderneiros, infiltrados e marginais como forma de subtrair representatividade do protesto. Tal estratégia já extrapolou os limites da imprensa e assomou ao rádio, onde figuras folclóricas do moralismo populista – incluindo o cronista esportivo Flávio Prado – bradam contra a suposta "impureza" da manifestação dos professores.
Desnecessário mencionar que há um forte componente eleitoral por trás do comportamento dos dois diários paulistas, ambos com forte ligação com o atual governador de São Paulo e provável candidato do PSDB à presidência, José Serra (PSDB-SP). Afinal, ele é o beneficiário direto dessa má vontade jornalística para com a greve dos professores.
Mas, no caso em questão, convém não superdimensionar a ênfase eleitoral. Houve também, ao longo da presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, longas greves em áreas importantes da administração federal – como a Ouvidoria e a Previdência Social –, e a imprensa refreou seus ímpetos e demonstrou desinteresse semelhante ao de agora.
Pois acima de seus eventuais interesses político-eleitorais, impõe-se a verdadeira ojeriza que a grande imprensa paulista alimenta por reivindicações trabalhistas, ainda mais se advindas do setor público.
Leia reportagem completa: Observatório da Imprensa

terça-feira, 6 de abril de 2010

Fênix

Busco um amor que não morre
Uma dor que não dói
Um sonho que não se acabe.

Busco a felicidade em estações
Onde o trem da vida possa parar,
Onde o amor seja constante.
Imutável.

Busco o amor tenaz, prepotente,
Jamais indiferente;
Ousado e suave
Como pluma de uma ave ou
O vento da primavera.

Busco coisas que fazem a vida espetacular
Quero ver debaixo do duro aspecto das pessoas
Alguém que sabe amar
Sem disfarces, sem pontes, sem depois...

MJSpeglich

domingo, 4 de abril de 2010

Se busco meu coração

Brenda Burke
Se busco meu coração, o encontro em teu quintal,
Se busco minha alma, não a vejo
a não ser nos cachos de teu cabelo.
Se bebo água, quando estou sedento
Vejo na água o reflexo do teu rosto.

Jalaludin Rumi (1207-1273)

Chorai

Jiri Borsky
Chorai, arcadas
Do violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo...
De que esvoaçam,
Brancos, os arcos...
Por debaixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.
Fundas, soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas, (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...
Trêmulos astros...
Solidões lacustres...
– Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!
Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
– Chorai, arcadas,
Despedaçadas,
Do violoncelo.

Camilo Pessanha (1867-1926)