domingo, 31 de maio de 2015

As palavras

Ludwig Deutsch
“Cabe-nos a tarefa irrecusável, seriíssima, dia a dia renovada, de - com a máxima imediaticidade e adequação possíveis - fazer coincidir a palavra com a coisa sentida, contemplada, pensada, experimentada, imaginada ou produzida pela razão. Que cada um tente fazê-lo. Verificará que é muito mais difícil do que se costuma pensar. Porque para os homens, infelizmente, as palavras são de um modo geral toscos substitutos. Na maior parte das vezes o homem pensa ou sabe melhor do que aquilo que exprime.”
Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832)

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Reflexão

Michael Kahn
“Os dias passam rapidamente como o cintilar das estrelas. Deixe então, sua marca agora, em atos que garantam a você e a toda raça humana um futuro além de qualquer expectativa pessoal”.
Bahá'u'lláh (1817-1892)

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Tradução

Paul Klee
Risonho , disse eu a Inês,
Que num sofá se quebranta:
“Dormi mecum!” – “É francês?”
– “É frase da Bíblia santa.”

– “Vê-me nervosa e confusa:
Eu nada sei, meu amigo:
Não hesite, vá! Traduza”
– Quer? – “Quero… “– Dorme comigo.

– “Oh! Que indecência, que horror!
Dizer-me essa cousa, a mim!
O que lhe vale, senhor,
É ter-ma dito em latim.”

João Penha (1838-1919)

terça-feira, 26 de maio de 2015

Jura

Paul Klee
Quando ao ver-te aborrecida,
Em teu sofá recostada,
Te propus, com voz magoada,
Consagrar-te a alma e a vida,

Uma proposta sentida,
Recebeste-a à gargalhada!
E logo eu disse: coitada!
Estás de todo perdida!

Como na boca do sapo
Se vai meter a doninha,
Hás de cair-me no papo.

Não me escapas, avezinha:
Não me tenho por guapo,
Mas, que importa? Hás de ser minha!

João Penha (1838-1919)

domingo, 24 de maio de 2015

Reflexão

Ivan Konstantinovich
“Uma nuvem não sabe por que se move em tal direção e em tal velocidade. Sente apenas um impulso que a conduz para esta ou aquela direção. Mas o céu sabe os motivos e os desenhos por trás de todas as nuvens, e você também saberá, quando se erguer o suficiente para ver além dos horizontes”.
Richard Bach

sexta-feira, 22 de maio de 2015

O Tigre

Jean-Léon Gérôme
Tigre, tigre que flamejas
Nas florestas da noite.
Que mão que olho imortal
Se atreveu a plasmar tua terrível simetria ?

Em que longínquo abismo, em que remotos céus
Ardeu o fogo de teus olhos ?
Sobre que asas se atreveu a ascender ?
Que mão teve a ousadia de capturá-lo ?
Que espada, que astúcia foi capaz de urdir
As fibras do teu coração ?

E quando teu coração começou a bater,
Que mão, que espantosos pés
Puderam arrancar-te da profunda caverna,
Para trazer-te aqui ?
Que martelo te forjou ? Que cadeia ?
Que bigorna te bateu ? Que poderosa mordaça
Pôde conter teus pavorosos terrores ?

Quando os astros lançaram os seus dardos,
E regaram de lágrimas os céus,
Sorriu Ele ao ver sua criação ?
Quem deu vida ao cordeiro também te criou ?

Tigre, tigre, que flamejas
Nas florestas da noite.
Que mão, que olho imortal
Se atreveu a plasmar tua terrível simetria ?

William Blake (1757-1827)
Tradução: Ângelo Monteiro

terça-feira, 19 de maio de 2015

Canção de Mim Mesmo

Frank Cadogan Cowper
E sei que sou imortal,
Sei que minha órbita não pode ser medida
pelo compasso do carpinteiro,
Sei que não apagarei como espirais de
luz que crianças fazem à noite com graveto aceso.

Sei que sou sublime,
Não torturo meu espírito para que se justifique
ou seja compreendido,
Vejo que as leis elementares nunca se desculpam,
Percebo que não ajo com orgulho,
mas elevado é o nível onde planto minha casa, afinal.

Existo como sou, isso me basta,
se ninguém mais no mundo está ciente, fico contente,
e se cada um e todos estão cientes, fico contente.
Meu pedestal é encaixado e entalhado em granito.
Dou risada do que você chama de decomposição,
sei da amplidão do tempo.

Sou poeta do corpo,
e sou o poeta da alma...

Walt Whitman (1819-1892)
Tradução: Rodrigo Garcia Lopes

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Jovem Belo

É um antílope cujas faces
são um jardim de rosas, defendido
do ferrão do pega-rapaz
pelo granizo de seus dentes.
Quando bebe na taça parece
uma lua bebendo as estrelas.

Ibn Sara AS-Santariní
Tradução: Antonio Cicero

domingo, 17 de maio de 2015

Saiba como começou o Movimento Verde

Na década de 1970, desenvolveu-se um poderoso movimento "verde" para pressionar os líderes políticos e aprovar leis que protegessem o meio ambiente. Entidades como Greenpeace e Friends of the Earth fizeram campanha por mudanças, às vezes usando confrontos não violentos como meio de chamar atenção para a destruição ambiental. Em muitos países, formaram-se partidos políticos verdes: o Partido Verde alemão chegou a participar do governo nacional em 1998. Nos anos 2000. o ambientalismo se tornou oficial, e a maioria dos grandes partidos políticos do mundo ocidental tem uma política forte de defesa do meio ambiente.
* Cronologia.
1970 Milhões se reúnem nos EUA no primeiro Dia da Terra.
1971 Fundação do Greenpeace.
1972 Formação do PNUMA.
1975 Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção.
1982 A Comissão Baleeira Internacional impõe uma moratória a toda a caça comercial de baleias.
1987 Protocolo de Montreal sobre substâncias que destroem a camada de ozônio.
1989 Convenção de Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito.
1992 Conferência da ONU sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente (ECO-92) no Rio de Janeiro, Brasil.
1997 Negociado o Protocolo de Quioto.
1999 A população mundial chega a seis bilhões de pessoas.
2002 Rio + 10 ou Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável em Johannesburgo, na África do Sul.
2011 Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, em Durban.
2012 Rio + 20 A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (CNUDS), conhecida também como Rio+20, foi uma conferência realizada entre os dias 13 e 22 de junho de 2012 na cidade brasileira do Rio de Janeiro, cujo objetivo era discutir sobre a renovação do compromisso político com o desenvolvimento sustentável.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Lilith

John Collier- Lilith
A história de Lilith tem origens longínquas que se situam na velha Babilônia, onde os antigos semitas adotaram as crenças de seus predecessores, os sumérios, por volta de 3000 a.C. Embora existam muitas contradições e enigmas a respeito do mito, Lilith sempre aparece como uma força que se contrapõe à bondade de Deus. No Zohar, o mais influente texto hassídico, século XIII, Deus criou Adão macho e fêmea, depois cortou-o ao meio e chamou a esta nova metade Lilith. Oferecida em casamento a Adão, Lilith recusou se tornar desigual e fugiu para ir ter com o Diabo. Deus tomou uma costela de Adão e criou Eva, mulher submissa, dócil e inferior perante o homem. Segundo as versões aramaica e hebraica do Alfabeto de Ben Sirá, século VII, todas as vezes em que Lilith e Adão faziam sexo, ela se mostrava inconformada em ter de ficar por baixo dele, suportando o peso de seu corpo. Mas Adão se recusava a inverter as posições e Lilith, revoltada, pronuncia nervosamente o nome de Deus, blasfema, faz acusações ao companheiro e vai embora, rumo ao Mar Vermelho, onde habitavam os demônios e espíritos malignos.
Apagada da Bíblia Cristã, apesar do livro do Gênesis trazer uma passagem que sugere que o ser humano teria sido criado “homem e mulher”, Lilith permanece como símbolo de rebelião à repressão do feminino na psique e na sociedade. Identificada como um demônio que excita a luxúria, Lilith domina a noite com sua sensualidade destrutiva e descontrolada, seduz e enlouquece os homens, rouba as crianças e traz a perdição. Ela também foi relacionada com o Espírito do Vento, o mais repugnante e monstruoso dos demônios sumério-acadianos. Nas antigas esculturas e gravações em pedra surge uma mulher corpulenta, de seios fartos e boca sensual, cuja energia agressiva tem uma profunda vibração. As pernas femininas são patas de animais com garras de abutre e seus cabelos se transformam em serpentes. De expressão sorridente e provocativa, Lilith apresenta asas. Ao seu lado, estão as figuras lunares de dois cães e duas corujas.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

A longuíssima tradição escravocrata da elite brasileira

‘127 anos da Abolição da Escravatura’
Jean-Baptiste Debret - Cena urbana
Debret - Vendedores de capim e leite

A longuíssima tradição escravocrata da elite brasileira e sua resistência a abolir a escravidão.
Penso que a elite de herança escravocrata brasileira é incorrigível.
O Brasil começa a regulamentar os direitos das empregadas domésticas, a meu ver um notável avanço nas relações de trabalho entre estas profissionais e seus patrões. Mas então o que acontece? Começa-se a importar empregadas domésticas Filipinas, consideradas mais polivalentes. Os custos logísticos de trazer alguém do outro lado do planeta parecem ser mais baixos do que os relativos ao pagamento dos direitos de nossas compatriotas brasileiras.
O tráfico de escravos durou 300 anos, depois manteve-se o trabalho análogo à escravidão.
A partir de 1850, a elite escravista do centro sul ampliou sobremaneira o tráfico interno de escravizados do Nordeste para as áreas cafeeiras. Em 1850, para não deixar dúvidas de que a riqueza não seria dividida nem com preto ou carcamano, ela aprova a Lei de Terras e impede que trabalhadores tenha acesso à terra. A elite escravocrata e racista brasileira não parou por aí: trouxe imigrantes europeus matando dois coelhos em uma cajadada: o branqueamento da população brasileira e a ampliação do mercado de mão de obra pra negar qualquer direito ao trabalhador nacional.
Aboliu-se formalmente a escravidão em 1888, mas não a sua prática, o trabalho análogo à escravidão está aí pra ninguém duvidar, assim com o longo caminho da PEC do trabalho escravo no Congresso Nacional e o da PEC das domésticas.
No século XX, durante décadas, os nordestinos foram semi escravizados para erguer a São Paulo locomotiva do progresso, depois foram as vezes dos bolivianos, haitianos…
No século XXI quando finalmente se cogita regular a PEC das domésticas – a verdadeira abolição dos escravos da Casa Grande e dos quartinhos de empregada-, a elite escravocrata que bate palma para a terceirização muda o fluxo da escravidão doméstica para outro continente.

terça-feira, 12 de maio de 2015

A Caverna de Platão e a Busca Pela Verdade

A caverna de Platão, gravura da Escola Francesa do séc. XVI
Imaginemos uma caverna separada do mundo externo por um alto muro. Entre o muro e o chão da caverna há uma fresta por onde passa um fino feixe de luz exterior, deixando a caverna na obscuridade quase completa.
Desde o nascimento, geração após geração, seres humanos encontram-se ali, de costas para a entrada, acorrentados sem poder mover a cabeça nem locomover-se, forçados a olhar apenas para a parede do fundo, vivendo sem nunca ter visto o mundo exterior nem a luz do Sol, sem jamais ter efetivamente visto uns aos outros nem a si mesmos, mas apenas sombras dos outros e de si mesmos, porque estão no escuro e imobilizados.
O que é a caverna? O mundo de aparências e mitos em que vivíamos.
O que são as sombras projetadas ao fundo? As coisas que percebemos e fomos levados a acreditar como verdadeiras.
Que são os grilhões e as correntes? Nossos preconceitos e opiniões, nossa crença, nossa fé cega, nosso "testemunho".
Quem é o prisioneiro que sai e se liberta da caverna? A pessoa que descobre a verdade sobre o mormonismo.
O que é a luz do Sol? A luz da verdade.
O que é o mundo iluminado pelo sol da verdade? A realidade.
Qual o instrumento que nos liberta e com o qual nós desejamos libertar os outros prisioneiros? O conhecimento.
É incrível a aplicabilidade dessa alegoria, consigo me ver cada vez que leio o relato que a autora nos faz do sujeito que se liberta da caverna. A luz pode nos incomodar, nos fazer sofrer de início, mas ela nos faz bem, ela nos permite ver as coisas como elas são, e finalmente nos liberta. Meu desejo é que todos nós possamos deixar a caverna, mesmo que isso possa ser doloroso.
Extraído do Livro: Convite à filosofia de Marilena Chaui

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Ler poesia é mais útil para o cérebro que livros de autoajuda

Gabriel Metsu
Cientistas da Universidade de Liverpool afirmaram que ler poesia é mais útil para o cérebro que livros de autoajuda, pois “a atividade do cérebro ‘dispara’ quando o leitor encontra palavras incomuns ou frases com uma estrutura semântica complexa, mas não reage quando esse mesmo conteúdo se expressa com fórmulas de uso cotidiano”. Ou seja, quem busca algum tipo de resolução, satisfação ou tranquilidade nos livros de autoajuda está fazendo isso muito errado.
A poesia é o caminho, ela provoca os sentidos e não revela uma fórmula mágica de felicidade. Livros de autoajuda pecam justamente pela falta de sensibilidade que esse gênero coloca em evidência, afinal, é só seguir certos passos que o resultado será alcançado, como se humanos fossem robôs, que podem ser consertados usando uma fórmula de matemática. É muita frieza impregnada num livro e o mais absurdo: a quantidade de pessoas que apreciam esse tipo de leitura. Estão lá, sempre na lista dos mais vendidos. Deve ser o tal sentido de urgência, tudo é para ontem, enlatado e pode ser feito no micro-ondas, até felicidade, afirmam esses livros. Já a poesia, independente do tema, é carregada de sensibilidade, provoca o inusitado, deixa o cérebro atento, revela sentimentos e nos faz descobrir outros novos.
Sabemos que o que transforma é a cultura, a arte, a educação, e isso não está presente nos livros de autoajuda. Portanto, aos leitores desse gênero literário, permitam-se novos caminhos de satisfação, felicidade e sensibilidade. Deixem-se levar pela beleza do poema, pela sonoridade de palavras bem colocadas, elas levam para o desconhecido e provocam estímulos mais duradouros.
Há um trecho no romance A Maça No Escuro (Clarice Lispector) em que um homem pergunta a uma mulher por que ela toma tantos calmantes. A resposta é: “vamos dizer que uma pessoa estivesse gritando e então outra pessoa punha um travesseiro na boca da outra para não se ouvir o grito. Pois quando tomo calmante, eu não ouço meu grito, sei que estou gritando mas não ouço”. Ou seja, o livro de autoajuda pode causar a sensação momentânea de problema resolvido, mas o grito por socorro continua lá.
Referência: Folha de São Paulo
Ler poesia é mais útil para o cérebro que livros de autoajuda, dizem cientistas

sábado, 9 de maio de 2015

Soneto

Lavínia Fontana - Retrato de uma dama da corte
A perfeição, a graça, o suave jeito,
a primavera cheia de frescura
que sempre em vós floresce, a quem ventura
a Razão entregaram este peito;

Aquele cristalino e puro aspeito
*
que em si compreende toda a formosura,
o resplendor dos olhos, e a brandura
de que Amor a ninguém quis ter respeito;

Se isto, que em vós se vê, ver desejais,
como digno de ser visto somente,
por mais que vós de amor vos isentais,

Traduzido o vereis tão fielmente
no meio deste espírito onde estais
que, vendo-vos, sintais o que ele sente.
D. Manoel de Portugal (1516-1606)

* Aspeito = Aspecto, aparência, rosto, semblante.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Alma

“Toda alma necessita de outra alma confidente.
Quando não a encontrarmos na terra,
busquemo-la na imensidão do infinito
e estejamos seguros de que uma
voz amiga responderá a nosso chamado”.

[Josefa Rosalía Luque Alvarez] (1893-1965)
(Hilarion de Monte Nebo)

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Oficina em São Paulo conta história do idioma guarani na cultura brasileira

Butantã, Cambuci, M'Boi Mirim, Ibirapuera, Ipiranga. Todos são nomes comuns no cotidiano dos paulistanos mas que significam mais do que nomes de ruas, bairros ou parques. Por serem de raiz indígena, esses verbetes são uma presença importante da cultura originária do Brasil nos dias atuais, afirma o professor Almir da Silveira, instrutor do idioma guarani no curso de extensão da Universidade de São Paulo (USP).
Renato Modernell “Falo sempre para os meus alunos: entre as estações de metrô, mais da metade têm nomes indígenas e a gente não sabe o que é. Deveríamos saber”, destacou. Trata-se da toponímia, explicou Silveira. Na grafia guarani, Ipiranga nasceu Ypiranga, que significa rio vermelho; Cambuci era Kambuchi para os índios e indicava potes para colocação de água; e Yvytyhatã, que significa terra dura, é a origem do nome Butantã, bairro que nomeia uma das estações da Linha Amarela do metrô.
“Quando se fala em guarani, imagina-se uma língua falada somente por comunidades indígenas, e não é verdade. No Paraguai, uma população não indígena se utiliza do guarani como língua cotidiana. Hoje é uma língua oficial do país usada nos meios de comunicação”, explicou Silveira. Ele ressaltou que 80% da população paraguaia fala e entende o idioma e que há uma porcentagem que somente fala o guarani. “Aqui no Brasil [o idioma] ficou restrito às comunidades indígenas. É importante que as pessoas fora dessas comunidades também aprendam a falar ou saibam a respeito, pelo menos.”
A linguista peruana Luz Rivera, de 46 anos, lembra que a extinção de uma língua significa a perda de uma cultura que se desenvolveu em volta dela. “Mesmo com traduções, às vezes, não é literal. Você é a sua língua, a sua cultura. A língua traz a história dos povos. Se deixar isso morrer, perde-se a história”. Ela, que pesquisou línguas indígenas da Amazônia, participou da oficina por ter interesse na estrutura linguística do guarani. “No meu país tem muitas línguas, algumas não têm gramática e outras, sim. Então é interessante ver como está estruturada para fazer estudos no futuro.”
O professor Almir da Silveira observou que no Brasil o sufocamento da língua falada pelos índios ocorreu por meio das reformas promovidas pelo Marquês de Pombal, no período colonial, que proibiam o uso da língua local. “Nas escolas, os índios passaram a ter que aprender a língua e os costumes europeus. Apostava-se que, erradicando a língua, também se erradicaria a cultura e seria mais fácil a dominação”, explicou. O guarani era mais falado nas regiões Sul, Sudeste e parte do Centro-Oeste. Segundo o professor, existem atualmente no Brasil cerca de 150 línguas indígenas.
Para ele, ainda existe preconceito em relação ao idioma, que é tido como algo menos relevante. “Ainda se encontram pessoas que acreditam que falar uma língua indígena faz com que a pessoa seja mais ignorante. É justamente o contrário”, afirmou o professor. De acordo com ele, no Paraguai, país que é referência no ensino do guarani, foi preciso muita resistência até que a língua fosse reconhecida como oficial. “O principal propulsor da manutenção da língua viva foi a mulher. [Foram] as mães que transmitiram o idioma. Elas não deixaram de se comunicar, mesmo que, fora de casa os filhos, fossem proibidos de falar o guarani."
Camila Maciel
Repórter da Agência Brasil

terça-feira, 5 de maio de 2015

Averróis

Manfredo de Monte Imperiati - Debate imaginário entre Averróis e Porfirio
Ilustração do séc. XIV.
Averroes - nome latinizado de Abu al-Wald Ibn Ruchd (1126-1198)
Seu nome é citado com frequência quando se defende a ideia, absolutamente moderna, de um "Islã das Luzes". A exemplo de Avicena (980-1037), ele encarna a imagem do sábio árabe, tolerante e aberto às trocas culturais, em contraste com aquela de uma expansão muçulmana guerreira e fanatizada. Se a sua notoriedade ultrapassa a de seu equivalente persa na Europa é porque ele contribuiu para a afirmação intelectual do Ocidente cristão.
Filósofo, teólogo, jurista, matemático e médico, Averróis (nome latinizado de Abu al-Wald Ibn Ruchd) nasceu em 1126, em Córdoba. Ele descendia de uma família de juristas que ocupavam a função de cadi, quer dizer, de juiz de paz e de notário. Seu avô tornou-se célebre por importantes trabalhos sobre a jurisprudência islâmica. A juventude de Averróis foi marcada pelo estudo rigoroso do Corão, ao qual se acrescentaram diferentes ciências, entre as quais a medicina, que ele exerceria paralelamente a seu cargo de cadi. Ele interessou-se igualmente pelo saber dos antigos. Abu Yaquib Yusuf, o segundo califa da dinastia dos almóadas (do Marrocos), encomendou-lhe um estudo das obras de Aristóteles. Como não dominava o grego, Averróis trabalhou com traduções que comparou exaustivamente, com o intuito de obter a fonte mais autêntica. Seus comentários de Aristóteles forjaram seu renome, que ultrapassou as fronteiras da Espanha muçulmana (Djazirat al-Andaluz) depois da sua morte. Eles atingiram a Universidade de Paris, onde foram debatidos com ardor. Falou-se até mesmo em uma "querela de Aristóteles", tão áspero foi o debate entre os partidários de Averróis e seus adversários. Tratava-se de determinar se a faculdade de pensar no homem era algo individual ou, como sugeria o andaluz, o reflexo de uma lógica universal. Refutando metodicamente os argumentos de Averróis, Tomás de Aquino lançou-se na batalha metafísica e, aos olhos da Santa Sé, levou a melhor. A partir desse momento, foi o pensamento tomista que animou a doutrina da Igreja.
Em cada um dos três monoteísmos em plena efervescência intelectual no século XIII, distingue-se uma grande figura: santo Tomás de Aquino (1228-1274) para o cristianismo, Moisés Maimônides (1135-1204) para o judaísmo e Averróis para o Islã. Entre todos os teólogos muçulmanos desse período, foi ele o que mais se dedicou a integrar a razão à religião, numa busca de equilíbrio entre o poder espiritual e o poder temporal. Ele distingue a verdade revelada e aquela que se pode atingir por meio da razão. Mas não para opor uma à outra e, sim, uni-las numa busca pela verdade. Em seu Discurso decisivo, ele chega a atribuir um papel indispensável nesse processo ao filósofo, mas reconhece seu caráter elitista.
Evoca-se Averróis para reavivar as cores do brasão do Islã em uma hora na qual as questões de identidade nacional, de laicidade e de integração se tornam outra vez temas ardentes. Sua obra ergue-se como um baluarte contra os fanáticos e abre uma porta ao diálogo entre religiões. Uma árvore que esconde a floresta? Os últimos anos do sábio mostram o quanto seria absurdo idealizar a idade de ouro de al-Andaluz. Se manteve boas relações com Abu Yaquib Yusuf, soberano apaixonado pela cultura, Averróis teve sérias diferenças com seu filho e sucessor, que adotou o integrismo - tendência que põe os princípios religiosos como modelo de vida política e fonte das leis do Estado - e chegou a proibir a filosofia. Ele foi condenado ao exílio em 1197, e seus livros queimados em praça pública. Colocada sob suspeita de heresia, sua obra encontrou melhor ressonância no mundo cristão. Os humanistas do Renascimento, tais como Giovanni Pico della Mirandola, lhe asseguraram um lugar no panteão dos pesquisadores da verdade, ainda que o pensador andaluz fosse condenado pelo papa em 1513.
Averróis continua a alimentar ardentes debates. Em 2008, sua influência esteve no cerne da polêmica suscitada pelo livro de Sylvain Gouguenheim, Aristote au mont Saint-Michel, que discute a forma como a cultura grega se transmitiu ao Ocidente, combatendo a tese da centralidade do papel do Islã nesse processo. A questão posta então era a seguinte: celebrar o papel de Averróis e Avicena significa admitir uma influência do Islã na matriz heleno-cristã que foi transmitida à Europa? É uma questão bastante atual diante dos conflitos políticos e culturais com que nos defrontamos.
Vincent Mottez. "Ilustre Desconhecido". Averróis.
In: Revista História Viva.

domingo, 3 de maio de 2015

A Poetisa

Jeremy Mayes
Canto
o prazer e a esperança,
a loucura e a liberdade.

Cabelos soltos
véus diáfanos
minha flauta
e minha jarra

de vinho.
Que Deus inventou a uva
e Baco inventou o vinho
com seus efeitos.


(Cabelos punk
eus de afanos
minha falta
e minha farra.)


Ao coração humano
medroso, dou alegria
e coragem.

Cabelos soltos
véus diáfanos
minha flauta
e minha garra.

Yeda Schmaltz (1941-2003)