quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Cisne de Feltro

“O pecado é anterior à memória”.
Nelson Rodrigues
Kuzma Sergeevich Petrov-Vodkin
“No princípio do amor existe o fim do amor, como no princípio do mundo existe o fim do mundo. (...) No princípio do amor já é amor. Melancolia e perfeita é a praça com o seu quartel amarelo e o clarim sanguíneo do meio-dia. No princípio do amor a criatura já se esconde bloqueada na terra das canções. Navios pegam fogo no mar alto, defronte da cidade obtusa, precedida de um tempo que não é o nosso tempo. No princípio do amor, sem nome ainda, o amor busca os lábios da magnólia, a virgindade infatigável da rosa, onde repousa a criatura em torno da qual é, foi, será princípio do amor, prenúncio, premissa, promessura pressupora de amor. No princípio do amor a mulher abre a janela do parque enevoado, com seus globos de luz irreais, umidade, doçura, enquanto o homem - criatura ossuda, estranha - ri como um afogado no fundo de torrentes profundas, e deixa de rir subitamente, fitando nada”.
Paulo Mendes Campos (1922-1991)

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Aconteceu quando a gente não esperava

Michel Ange Houasse
Aconteceu quando a gente não esperava
Aconteceu sem um sino pra tocar
Aconteceu diferente das histórias
Que os romances e a memória
Têm costume de contar.

Aconteceu sem que o mundo agradecesse
Sem que rosas florescessem
Sem um canto de louvor
Aconteceu sem que houvesse nenhum drama
Só o tempo fez a cama
Como em todo grande amor.

Péricles Cavalcante

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O amor

Albert Joseph Moore
“Assim, para quem ama, o amor, por muito tempo e pela vida afora, é solidão, isolamento, cada vez mais intenso e profundo. O amor, antes de tudo, não é o que se chama entregar-se, confundir-se, unir-se a outra pessoa. (...) O amor é uma ocasião sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo por si mesmo, tornar-se um mundo para si, por causa de um outro ser: é uma grande e ilimitada exigência que se lhe faz, uma escolha e um chamado para longe”.
Lou Andreas Salomé (1861-1937)

domingo, 28 de outubro de 2012

A Queda

“Os homens nascem iguais,
mas no dia seguinte já são diferentes”.

Barão de Itararé (1895–1971)
Paul Gauguin
"Não amaremos talvez insuficientemente a vida? Já notou que só a morte desperta os nossos sentimentos? Como amamos os amigos que acabam de deixar-nos, não acha?! Como admiramos os nossos mestres que já não falam, com a boca cheia de terra! A homenagem surge, então, muito naturalmente, essa mesma homenagem que talvez eles tivessem esperado de nós, durante a vida inteira. Mas sabe por que nós somos sempre mais justos e mais generosos para com os mortos? A razão é simples! Para com eles, já não há deveres.
É assim o homem, caro senhor, tem duas faces. Não pode amar sem se amar. Observe os seus vizinhos, se calha de haver um falecimento no prédio. Dormiam na sua vida monótona e eis que, por exemplo, morre o porteiro. Despertam imediatamente, atarefam-se, enchem-se de compaixão. Um morto no prelo, e o espetáculo começa, finalmente. Têm necessidade de tragédia, que é que o senhor quer?, é a sua pequena transcendência, é o seu aperitivo.
É preciso que algo aconteça, eis a explicação da maior parte dos compromissos humanos. É preciso que algo aconteça, mesmo a servidão sem amor, mesmo a guerra ou a morte. Vivam, pois, os enterros!"
Albert Camus (1913-1960)

sábado, 27 de outubro de 2012

O candidato

René Magritte
Primeiro, você tem nosso perfil?
Você usa olho de vidro, dentes postiços ou muleta,
atadura ou gancho,
Peitos ou sexo de borracha,

Suturas mostrando faltar alguma coisa?
Não, não? Então
Como podemos lhe dar alguma coisa?
Pare de chorar.
Abra a sua mão.
Vazia? Vazia. Tome essa mão

A fim de enchê-la e disposta
A servir xícaras de chá e espantar enxaquecas
E fazer o que você mandar.
Casa com isso?
Tem garantia.

De que fechará seus olhinhos no final
E se dissolverá de aflição.
Fazemos novo estoque de sal.
Vejo que você está nu em pelo.
Que tal este terno -

Preto e formal, até que não cai mal.
Casa com isso?
É à prova d'água, de estilhaço, à prova
De fogo e bombas no telhado.
Acredite, vão enterrá-lo com isso.

Agora a sua cabeça, desculpe, é bem vazia.
Tenho o remédio para isso.
Vem cá, benzinho, saia já do armário.
Bem, o que você acha disso?
Branca como papel pode ser escrito

Mas em vinte e cinco anos será prata,
Em cinquenta, ouro.
Uma boneca de carne, onde quer que você olhe.
Sabe costurar, sabe cozinhar,
Sabe falar, falar, falar.

Funciona direito, não tem nenhum defeito.
Você tem um buraco, é uma compressa.
Você tem um olho, é uma imagem.
Meu garoto, é sua última chance.
Casa com isso, casa, casa com isso.

Sylvia Plath (1932-1963)

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A orgia perpétua

Vincent Jean Baptiste Chevilliard
“Um punhado de personagens literários
marcou minha vida de maneira mais durável
que boa parte dos seres de carne e osso que conheci.
(...) o personagem literário pode ser ressuscitado
indefinitivamente, com o mínimo esforço
de abrir as páginas do livro e deter-se nas linhas adequadas”.
Mario Vargas Llosa
A orgia perpétua - Flaubert e "Madame Bovary".

Fidelidade

Marguerite Gérard
Diz-me devagar coisa nenhuma, assim
como a só presença com que me perdoas
esta fidelidade ao meu destino.
Quanto assim não digas é por mim
que o dizes. E os destinos vivem-se
como outra vida. Ou como solidão.
E quem lá entra? E quem lá pode estar
mais que o momento de estar só consigo?

Diz-me assim devagar coisa nenhuma:
o que à morte se diria, se ela ouvisse,
ou se diria aos mortos, se voltassem.

Jorge de Sena (1919-1978)

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Bom dia, amigo Sol

Georges Seurat
Bom dia, amigo Sol! A casa é tua!
As bandas da janela abre e escancara,
- deixa que entre a manhã sonora e clara
que anda lá fora alegre pela rua!

Entre! Vem surpreendê-la quase nua,
doura-lhes as formas de beleza rara...
Na intimidade em que a deixei, repara
Que a sua carne é branca como a Lua!

Bom dia, amigo Sol! É esse o meu ninho...
Que não repares no seu desalinho
nem no ar cheio de sombras, de cansaços...

Entra! Só tu possuis esse direito,
de surpreendê-la, quente dos meus braços,
no aconchego feliz do nosso leito!...

J. G. de Araujo Jorge (1914-1987)

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Cena íntima

Walter Crane
Outubro termina a bordo de um ventinho de cambraias,
perfeito para cílios e lábios.
Ainda há borboletas soprando o véu da primavera.
Do outro lado da rua, através dos brincos-de-princesa
na treliça que contorna a varanda,
posso sentir o coração de um sabiá pulsar ao
compasso solitário de um assobio.
A luz da tarde anuncia subitamente escuros,
abafa-se, e logo a tempestade cai,
despenteando o cenário com raios esplêndidos.
Cai estrondosa e se vai, deixando
a tarde fresca e perfumada. Nos intervalos
entre gotas tardias, pesco um
sentimento ímpar de plenitude.
Mosaicos de folhas e galhos repousam
no asfalto cravejado de granizos.

Ledusha B. A. Spinardi

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

As funções da linguagem

Thomas Dewing
“Fazemos investimentos passionais individuais em inúmeras fantasias que elaboramos, seja de olhos abertos, seja dormitando. Podemos realmente nos comover pensando na morte de uma pessoa que amamos, ou sentir reações físicas imaginando ter com ela uma relação erótica, e igualmente, por processos de identificação e projeção, podemos nos comover com a sorte de Emma Bovary ou, como aconteceu a algumas gerações, somos levados ao suicídio pelas desventuras de Werther ou de Jacopo Ortis”.
Umberto Eco
Ensaio: Sobre algumas funções da linguagem.

domingo, 21 de outubro de 2012

Solidor

John William Godward
A dor, quando intensa
não tem boca nem ouvidos
não tem palavras
porque silêncio de um grito
não tem ruídos
porque grito do silêncio
a dor, quando intensa
é solidão
porque dói silêncio e grito.

Saddock de Albuquerque

sábado, 20 de outubro de 2012

A Oscilação na Descrição

Benjamin West
Segundo o Petit Robert, descrever é "representar na sua totalidade por escrito ou oralmente". Também para o Littré, representar e pintar são os significados principais. Descrever e representar designam atos do pensamento. Mas descrever significa muitas outras coisas se nos referirmos a acepções mais antigas que subsistem na filosofia da descrição. Descrever e descrição têm que ver com o abstrato e o concreto, com o ativo e o passivo. Descrever significa representar, pintar, traçar, exibir e, no séc. XVIII, escrever, consignar, formular .
A descrição cola-se à coisa descrita, que é o seu conteúdo. A descrição é "o ornamento do discurso que consiste em pintar com as cores mais vivas" (Littré).
A forma acabada desta descrição criativa inspira-se na geometria . Descrever uma curva é construí-la, os astros descrevem os seus movimentos efetuando-os.
A descrição é, por conseguinte, cópia e construção, representação indeterminada e apresentação "em carne e osso". Dizer que a descrição oscila entre o abstrato e o concreto leva a procurar categorias que lhe sejam próprias. Existem conceitos descritivos, a meio caminho entre os protocolos das observações e os conceitos explicativos? Dizer que a descrição é receptiva e ao mesmo tempo cativa é interrogarmo-nos acerca da sua objetividade.
A descrição "fiel" pretende ser factual. Mas, sendo uma "construção", ela contêm a prioris, interpretações.
Fernando Gil (1937-2006),
"A Boa Descrição"

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Último Raio de Sol

Claude Lorrain
Vem baixando o crepúsculo de leve...
Eu bem o sinto na paisagem fria
E sobre os meus cabelos em que a neve
Envolve a noite que se prenuncia.

A mão já se emociona quando escreve,
Os olhos baixam porque morre o dia.
Todas as vozes se calaram... . Breve
Será mais triste a vida e mais vazia.

E’ a hora em que oscila a chama da esperança.
Adoro-a de mãos-postas, hora mansa,
De calma, de renuncia, de perdão.

Mas na tarde que rola num desmaio,
Hás de ficar comigo, último raio,
Para aquecer-me a sombra pelo chão.
Olegário Mariano (1889-1958)

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Hieronymus Bosch

Este é um dos "bizarros" quadros de Hieronymus Bosch (1450-1516), pintor holandês que retrata em seus trabalhos cenas de pecado e tentação, utilizando de figuras simbólicas complexas, originais, imaginativas e caricaturais, sendo muitas delas obscuras.
O Jardim das Delícias Terrenas está repleto de simbolismos e imagens, digamos, um tanto quanto "curiosas".
Observe o quadro, atente-se aos detalhes (que são muitos) e pense o que viu de mais curioso na imagem.
Veja imagem ampliada ( Aqui )

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A Sopa de Alhos Porros

Estão convencidos de que sabem fazê-la, de tal modo ela parece simples, e muitas vezes não lhe dão a devida importância. É preciso que coza entre quinze e vinte minutos e não durante duas horas — todas as mulheres francesas deixam cozer demasiado os legumes e as sopas. E depois, mais vale deitar os alhos porros na panela quando as batatas começam a ferver: a sopa fica com um tom esverdeado e ganha um aroma mais vivo. Além disso, é preciso dosear bem os alhos porros: dois alhos porros médios são suficientes para um quilo de batatas. Nos restaurantes esta sopa nunca fica em condições: fica sempre cozida demais, demasiado "retardada", triste, morna, e acaba por incluir-se na lista comum das sopas de legumes — de que há falta — dos restaurantes franceses de província. Não, devemos querer fazê-la e fazê-la com cuidado, evitar esquecermo-nos dela ao "lume", para que não perca o sabor. É servida sem nada, ou com manteiga ou natas frescas. Também podemos juntar-lhe uns pedacinhos de pão torrado no momento de servi-la: dar-lhe-emos então um outro nome ou inventaremos um qualquer — deste modo as crianças comê-la-ão com mais vontade que se lhe dermos o nome ridículo de sopa de alhos porros com batatas. É preciso tempo, são precisos anos para reencontrarmos o sabor desta sopa, imposta às crianças sob diversos pretextos (a sopa faz crescer, faz os meninos bonitos, etc.). Não há nada na cozinha francesa que se possa igualar à simplicidade e à necessidade da sopa de alhos porros. Deve ter sido inventada numa região ocidental, numa noite de Inverno, por uma mulher ainda jovem, pertencendo à burguesia local, que, nessa noite, sentiu aversão aos molhos gordos — e a outras coisas mais, sem dúvida — mas sabia-o ela? O organismo absorve esta sopa com satisfação. Digamo-lo sem ambiguidades: não tem a suculência do toucinho, não é sopa para alimentar ou aquecer, não é a sopa magra para refrescar, o corpo sorve-a em grandes tragos, purifica-se, depura-se, embebendo os músculos nesta verdura primitiva. O seu aroma espalha-se nas casas muito rapidamente, é muito ativo, vulgar como a comida do pobre, o trabalho das mulheres, o vomitado dos recém-nascidos. Pode não nos apetecer fazer nada e depois, fazer isso, sim, fazer essa sopa: entre estas duas vontades, uma margem muito estreita, sempre a mesma – o suicídio.
Marguerite Duras (1914–1996),
“Outside – notas à margem”,
Tradução: Maria Filomena Duarte

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Desafio Orquestral...

Philip Hermogenes Calderon
Versos que eu faço
São sem espinhos:
Para crianças
E passarinhos.
Destes persigo
A competência,
Quero daquelas
Graça e indulgência.

Que perto deles
Logo te ancores:
Não são proibidos
Para maiores...

Que neles haja
Sabor de cantos
E em todos cause
Prazer e encantos.
Que eu faço versos
Mas sem espinhos,
Com partituras
Pros passarinhos...
Antônio Lázaro de Almeida Prado

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Dia dos Professores

Norman Rockwell
Parabéns a todos os Professores
que lutam bravamente pela educação.

Noturno

Maxfield Parrish
Meu pensamento em febre
é uma lâmpada acesa
a incendiar a noite.

Meus desejos irrequietos,
à hora em que não há socorro,
dançam livres como libélulas
em redor do fogo.

Henriqueta Lisboa (1901-1985)

domingo, 14 de outubro de 2012

Thomas Merton

Foto de Thomas Merton
Thomas Merton (31 de Janeiro de 1915 – 10 de Dezembro de 1968) foi um escritor católico do século XX. Monge trapista da Abadia de Gethsemani, Kentucky, ele foi um poeta, ativista social e estudante de religiões comparadas. Ele escreveu mais de setenta livros, a maioria sobre espiritualidade, e também foi objeto de várias biografias. Merton quando jovem amava jazz.
Em abril de 1966, Merton passou por um procedimento cirúrgico para tratar a dor nas costas. Enquanto se recuperava em um hospital de Louisville, ele se apaixonou por uma enfermeira que o cuidava. Merton lutou para manter seus votos e ele se refere o seu diário pessoal como "M".
Thomas Merton se encontrava no auge da sua fama como escritor espiritual, apaixonou-se desesperadamente por uma enfermeira que o tinha tratado no hospital. Escreveu no seu diário que estava “atormentado pela consciência crescente de que estávamos apaixonados e eu não sabia como poderia viver sem ela”.
Em 10 de dezembro de 1968, Merton tinha ido para participar de uma conferência inter-religiosa entre monges católicos e não-cristão no subúrbio de Bangcoc, Tailândia. Enquanto sair de seu banho, ele estendeu a mão para ajustar um ventilador elétrico e aparentemente tocado um fio exposto e foi acidentalmente eletrocutado. Ele morreu 27 anos depois do dia em sua entrada na Abadia de Gethsemani, em 1941. Seu corpo foi levado de volta para os Estados Unidos e é enterrado em Gethsemani Abbey.
O caso de Merton com a enfermeira conhecida como “M” também escandaliza aqueles que pensam que monges nunca se apaixonam. (Depois que ambos terminaram a relação, um Merton censurado e castigado retornou à sua castidade). Mesmo a forma de sua morte levanta suspeitas. Suas últimas palavras na conferência de Bangkok foram: “Então eu irei desaparecer de vista e todos poderemos tomar uma Coca-Cola ou algo parecido”. Seus amigos rejeitam os boatos de suicídio, atribuindo sua morte a uma inaptidão vitalícia.
Mas o que levanta mais suspeitas é a sua afinidade durante toda a sua vida pelas tradições espirituais orientais. A viagem de Merton ao subcontinente asiático e ao sudoeste da Ásia, durante a qual ele descreveu uma experiência mística em frente a uma estátua de Buda no Ceilão (agora Sri Lanka), deixa alguns católicos tradicionais com náusea e ajuda a aumentar o rumor agora já espalhado de que ele planejava deixar o monastério ou a igreja. Isso não é verdade. Em uma carta, poucas semanas antes de sua morte em 1968, ele escreveu a um amigo próximo: “Continue contando a todos que eu sou um monge em Gethsemani e pretendo permanecer assim todos os meus dias”.

sábado, 13 de outubro de 2012

São Marcos? Ou seria Alexandre, o Grande?

Johann Heinrich Schonfeld - Alexander the Great
O historiador britânico Andrew Chugg publica o livro The Lost Tomb of Alexander the Great (“A Tumba Perdida de Alexandre o Grande”), afirmando que os restos mortais atribuídos a São Marcos (10 a.c. - 68 dC) são, na verdade, do grande general da Antiguidade.
Chugg fez uma série de pesquisas, não só entre os escritores da Antiguidade, mas também desde os tempos da ocupação cristã e islâmica, em Alexandria, e no período de explorações dos Francês e Inglês. Ele começa a pegar a trilha de corpo de Alexandre para o Egito e seu sepultamento em Memphis, seguido da transferência para Alexandria. Então, ele tenta descobrir o layout do antigo Alexandria, incluindo o porto,
Assim, depois de conquistar reinos que iam do Egito à Índia, Alexandre, o Grande (356-323 a.C.) pode ter conseguido mais uma vitória: o túmulo do evangelista são Marcos, em Veneza.
Mumificado em linho, Alexandre permaneceu 700 anos em uma tumba em Alexandria, no Egito, cidade fundada por ele mesmo. No mesmo lugar, por volta do ano 50, o profeta Marcos fundou a primeira igreja cristã de Alexandria, onde morreu, foi sepultado e também mumificado em linho. Quando o corpo de Alexandre desapareceu, no século 4, o de São Marcos foi registrado pela primeira vez em Veneza. “Assim como outros símbolos pagãos, a identidade do corpo de Alexandre pode ter sido adaptada para fins cristãos, protegendo-o de radicais que poderiam destruí-lo”, diz Chugg. “É provável que o corpo de Alexandre tenha substituído o de Marcos, que, segundo outros relatos, foi queimado.” Ele quer, agora, fazer um exame de radiocarbono para determinar a idade exata dos restos mortais.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Guerra do Contestado

Cem Anos da Guerra do ‘Contestado’
A Guerra do Contestado foi um conflito armado que ocorreu na região Sul do Brasil, entre outubro de 1912 e agosto de 1916. O conflito envolveu cerca de 20 mil camponeses que enfrentaram forças militares dos poderes federal e estadual. Ganhou o nome de Guerra do Contestado, pois os conflitos ocorrem numa área de disputa territorial entre os estados do Parará e Santa Catarina.
Causas da Guerra:
A estrada de ferro entre São Paulo e Rio Grande do Sul estava sendo construída por uma empresa norte-americana, com apoio dos coronéis (grandes proprietários rurais com força política) da região e do governo. Para a construção da estrada de ferro, milhares de família de camponeses perderam suas terras. Este fato, gerou muito desemprego entre os camponeses da região, que ficaram sem terras para trabalhar.
Outro motivo da revolta foi a compra de uma grande área da região por de um grupo de pessoas ligadas à empresa construtora da estrada de ferro. Esta propriedade foi adquirida para o estabelecimento de uma grande empresa madeireira, voltada para a exportação. Com isso, muitas famílias foram expulsas de suas terras.
O clima ficou mais tenso quando a estrada de ferro ficou pronta. Muitos trabalhadores que atuaram em sua construção tinham sido trazidos de diversas partes do Brasil e ficaram desempregados com o fim da obra. Eles permaneceram na região sem qualquer apoio por parte da empresa norte-americana ou do governo.

Participação do monge José Maria:
Nesta época, as regiões mais pobres do Brasil eram terreno fértil para o aparecimento de lideranças religiosas de caráter messiânico. Na área do Contestado não foi diferente, pois, diante da crise e insatisfação popular, ganhou força a figura do beato José Maria. Este pregava a criação de um mundo novo, regido pelas leis de Deus, onde todos viveriam em paz, com prosperidade justiça e terras para trabalhar. José Maria conseguiu reunir milhares de seguidores, principalmente de camponeses sem terras.
Os Conflitos:
Os coronéis da região e os governos (federal e estadual) começaram a ficar preocupados com a liderança de José Maria e sua capacidade de atrair os camponeses. O governo passou a acusar o beato de ser um inimigo da República, que tinha como objetivo desestruturar o governo e a ordem da região. Com isso, policiais e soldados do exército foram enviados para o local, com o objetivo de desarticular o movimento.
Os soldados e policiais começaram a perseguir o beato e seus seguidores. Armados de espingardas de caça, facões e enxadas, os camponeses resistiram e enfrentaram as forças oficiais que estavam bem armadas. Nestes conflitos armados, entre 5 mil e 8 mil rebeldes, na maioria camponeses, morreram. As baixas do lado das tropas oficiais foram bem menores.

O fim da Guerra: A guerra terminou somente em 1916, quando as tropas oficiais conseguiram prender Adeodato, que era um dos chefes do último reduto de rebeldes da revolta. Ele foi condenado a trinta anos de prisão.
Conclusão:
A Guerra do Contestado mostra a forma com que os políticos e os governos tratavam as questões sociais no início da República. Os interesses financeiros de grandes empresas e proprietários rurais ficavam sempre acima das necessidades da população mais pobre. Não havia espaço para a tentativa de solucionar os conflitos com negociação. Quando havia organização daqueles que eram injustiçados, as forças oficiais, com apoio dos coronéis, combatiam os movimentos com repressão e força militar.
No fim da luta, em 1916, milhares de sertanejos foram brutalmente executados.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Gilberto Freyre

Acervo de Gilberto Freyre é digitalizado
através de projeto do Ministério da Cultura.
Gilberto Freyre
O escritor e antropólogo Gilberto Freyre (1900-1987) era um homem de pouco traquejo com a tecnologia. Só escrevia textos à mão, nunca aprendeu a datilografar e nem sequer manejava um telefone. Pelo que se tem registro, jamais usou uma câmera fotográfica.
Isso não o impediu de produzir uma obra extensa, datilografada por terceiros, e de reunir uma farta coleção de fotografias, composta por mais de 17 mil imagens.
São registros de viagens ao exterior, de momentos com amigos, familiares e, sobretudo, de situações sociais usadas como base em suas pesquisas e textos.
Elas foram feitas por pessoas ligadas ao escritor, como o irmão, Ulysses, e o filho, Fernando, doadas a Freyre ao longo dos anos.
A partir de maio, essas imagens estarão disponíveis na internet, no site da Fundação Gilberto Freyre ( Site ). O projeto de catalogação e digitalização começou em 2009. Custou R$ 250 mil, bancado pelo Ministério da Cultura. No escritório onde Freyre trabalhava, até hoje preservado no museu da fundação, em Recife, pilhas de papéis com manuscritos, fotografias e recortes de jornal ficavam espalhados pelo chão.
Cada montanha dizia respeito a um projeto ao qual o escritor se dedicou. "Ele não seguia regras; não costumava usar as mesmas fontes dos acadêmicos. Eram critérios muito pessoais", diz Sônia Freyre Pimentel, filha do antropólogo.
Além das imagens utilizadas na pesquisa do livro "Casa Grande & Senzala", o acervo tem registros da expedição que Freyre fez, na década de 1950, às colônias portuguesas da África e Ásia. As fotos, tiradas sob sua orientação, seriam usadas posteriormente no livro "Aventura e Rotina", de 1953.
A maioria das imagens é inédita; algumas não foram identificadas por falta de referência. A ideia, segundo Jamille Barbosa, coordenadora do projeto, é que o trabalho seja colaborativo: "Vamos disponibilizar tudo, para que os pesquisadores ajudem no processo de descrição".

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Que Mimo!

Ethel Porter Bailey
Tu és morena e sublime
Como a hora do sol posto.
E, no crepúsculo eterno
Que te envolve o lindo rosto,
O céu desfolha canduras
De alvoradas e jasmins,
E passam roçando n'alma
As asas dos querubins...

Teu corpo que tem o cheiro
De cem capelas de rosas,
Que t'enche a roupa de quebros,
De ondulações graciosas,
Teu corpo derrama essências
Como uma campina em flor:
Beijá-lo!... Fora loucura;
Gozá-lo!... Morrer de amor...
Tobias Barreto (1839-1889)

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Desaires da formosura

Nicolas Lancret
Rubi, concha de perlas peregrina,
Animado cristal, viva escarlata,
Duas safiras sobre lisa prata,
Ouro encrespado sobre prata fina.

Este o rostinho é de Caterina;
E porque docemente obriga e mata,
Não livra o ser divina em ser ingrata
E raio a raio os corações fulmina.

Viu Fábio uma tarde transportado
Bebendo admirações, e galhardias
A quem já tanto amor levantou aras:

Disse igualmente amante e magoado:
Ah muchacha gentil, que tal serias
Se sendo tão formosa não cagaras!

Gregório de Matos (1636-1695)

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Feminismo

Johannes Vermeer - Lady Writing a Letter with Her Maid
Em maio de 2011 o Jornal "The Independent", publicou um artigo de Arifa Akbar onde levanta algumas questões interessantes que pretendem determinar se o Feminismo ainda tem lugar na literatura contemporânea, ou melhor, na literatura do século XXI.
Qualquer produção literária que queira refletir uma posição política ou social corre o risco de ficar comprometida. Isso serve para o feminismo, para o socialismo, para escrita revolucionária de direita ou de esquerda, e até mesmo para a literatura com a intenção de mudar dogmas pré-estabelecidos nas sociedades: dos proselitismos religiosos ao missionarísmo contra chagas sociais tais como o racismo, purificação das raças, opções sexuais que por mais perversos que sejam são melhor combatidos de outras formas. O mesmo acontece quando um escritor é comissionado para escrever um romance em que alguma companhia seja a patrocinadora.
Quais escritoras contemporâneas conseguiram atingir as mulheres que não se davam conta de que os problemas que enfrentavam eram o que se chamava de feminismo?
Mary Cassatt
Um dos exemplos mais convincentes é o caso da pintora americana Mary Cassatt, que era considerada uma boa pintora impressionista americana, mas que só obteve o lugar de destaque que hoje exibe depois que houve abertura em dois campos de pesquisa que sofriam preconceito: arte americana (EUA) — quando tudo o que era considerado bom era europeu; e arte por uma mulher, com temas exclusivamente femininos.
No Brasil sempre foi muito difícil para a academia aceitar os estudos feministas como uma abordagem de análise literária. Os romances de José de Alencar - Lucíola, Senhora e Diva - formavam uma tríade de perfis femininos amplamente estudados por pesquisadoras de todo o Brasil. Portanto, uma das formas de estudar a mulher na literatura foi (e ainda é) através dos escritos dos homens, única voz considerada autorizada a fazer arte, até porque acreditava-se que o gênio artístico guardava uma porção divina da qual as mulheres não faziam parte, pelo menos na condição de criadoras. No máximo, chegavam a ser musas e a inspirar.
A partir dos anos de 1990, à medida que a revolução sexual era assimilada à vida cotidiana, as bandeiras feministas sofrem com a gradual acomodação da militância e o arrefecimento de uma história que começava a ser escrita. Em tempos de globalização selvagem, em que os saberes instituídos parecem ter a textura da areia movediça, tal seu caráter difuso e maleável, feministas continuam assimilando novidades trazidas do exterior, subdivididas em interesses fragmentados das comunidades acadêmicas, e permitem que o feminismo saia dos holofotes e se dilua em meio aos estudos culturais ou estudos gays.
Há quem defenda inclusive, que estes seriam tempos "pós-feministas", pois as reivindicações (teoricamente) estariam atendidas e ninguém ousa negar a presença das mulheres na construção social dos novos tempos. Se o prefixo "pós" estiver sendo empregado (e lido) como explicitando uma fase posterior ao feminismo – agora ultrapassado e fora de moda – não posso concordar com a expressão. Apesar de tantas conquistas nos inúmeros campos de conhecimento e da vida social, persistem nichos patriarcais de resistência. Basta que lembremos do salário inferior, da presença absurdamente desigual de mulheres em assembleias e em cargos de direção, e da ancestral violência que continua sendo praticada com a mesma covardia e abuso da força física.
Com certeza vivemos outros e novos tempos, e o movimento feminista parece atravessar um necessário e importante período de amadurecimento e reflexão. O que não se sabe é como retornará na próxima onda. Aliás, nem mesmo é possível saber se haverá outra onda, que formato e dimensões poderia ter.
Para a nossa alegria, temos o privilégio de ler textos de escritoras contemporâneas como Myriam Fraga, Sonia Coutinho, Helena Parente Cunha, Lya Luft, Marina Colasanti, Lygia Fagundes Telles, Márcia Denser e tantas outras.

sábado, 6 de outubro de 2012

Poesia

Alexander Kharlamov
Ó jardins enfurecidos,
pensamentos palavras sortilégio
sob uma lua contemplada;
jardins de minha ausência
imensa e vegetal;
ó jardins de um céu
viciosamente frequentado:
onde o mistério maior
do sol da luz da saúde?

João Cabral de Melo Neto (1920-1999)