sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Notícias Do Brasil

Dominique Jardy
Uma notícia está chegando lá do Maranhão.
Não deu no rádio, no jornal ou na televisão.
Veio no vento que soprava lá no litoral
de Fortaleza, de Recife e de Natal.
A boa nova foi ouvida em Belém, Manaus,
João Pessoa, Teresina e Aracaju
e lá do norte foi descendo pro Brasil Central
Chegou em Minas, já bateu bem lá no sul!

Aqui vive um povo que merece mais respeito!
Sabe, belo é o povo como é belo todo amor.
Aqui vive um povo que é mar e que é rio,
E seu destino é um dia se juntar.
O canto mais belo será sempre mais sincero.
Sabe, tudo quanto é belo será sempre de espantar.
Aqui vive um povo que cultiva a qualidade,
ser mais sábio que quem o quer governar!

A novidade é que o Brasil não é só litoral!
É muito mais, é muito mais que qualquer zona sul.
Tem gente boa espalhada por esse Brasil,
que vai fazer desse lugar um bom país!
Uma notícia está chegando lá do interior.
Não deu no rádio, no jornal ou na televisão.
Ficar de frente para o mar, de costas pro Brasil,
não vai fazer desse lugar um bom país!

Milton Nascimento

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Poema Doze

Max Weber

Conta-me, ó cisne, tua história.
De onde vieste? Para onde vais?
Em que margem pousarás para descansar?
A qual meta entregaste o coração?

Esta é a manhã da consciência!
Desperta! Segue-me! Voemos juntos
Há um lugar livre da dúvida e da tristeza,
Onde o terror da morte não impera.

Lá florescem bosques em eterna primavera,
E sua fragrância nos impulsiona mais e mais.
Imerso nela, o coração, qual abelha, se inebria.
Imenso nela, já não quer outra alegria.

Kabir Das (1440-1518)
Poeta Hindu

terça-feira, 28 de outubro de 2014

O Valioso Tempo dos Maduros

Bogdan Prystrom
Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.
‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa…
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade,caminhar perto de coisas e pessoas de verdade.
O essencial faz a vida valer a pena. E para mim, basta o essencial!
Mário de Andrade (1893-1945)

domingo, 26 de outubro de 2014

Mensagem Celta

Francis Coates Jones
“Bendito seja o anseio que te trouxe aqui e que aviva a tua alma com assombro. Que tenhas a coragem de acolher o teu anseio eterno. Que aprecies a companhia crítica e criativa da pergunta "Quem sou eu?" e que ela ilumine o teu anseio. Que uma secreta Providência Divina guie o teu pensamento e proteja o teu sentimento. Que a tua mente habite a tua vida com a mesma certeza com que teu corpo se integra ao mundo. Que a sensação de algo ausente amplie a tua vida. Que a tua alma seja livre como as sempre renovadas ondas do mar. Que vivas perto do assombro. Que te integres ao amor com o arrebatamento da Dança. Que saibas que estás sempre incluído no benévolo círculo de Deus”.
John O’Donohue (1956-2008)
Do Livro "Ecos Eternos".

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Osvaldão

O menino de Passa Quatro que virou mito no Araguaia
Filme narra a historia do comandan2te da Guerrilha do Araguaia que virou mito
O documentário brasileiro “Osvaldão” é um dos destaques da 38° Mostra de Cinema Internacional, que acontece entre os dias 16 e 29 de outubro em São Paulo.
O filme narra a surpreendente trajetória do mineiro de Passa Quatro (curiosamente, a mesma cidade de Zé Dirceu), que foi lutador de boxe na juventude, mas depois se transformou num dos homens mais odiados pela ditadura militar.
Com narrações do cantor Criolo, do ator Antônio Pitanga e da artista Leci Brandão, “Osvaldão” revela o mito do homem que era “invisível”, temido pela ditadura militar e adorado pela população local.
Osvaldão se transformou em comandante da Guerrilha do Araguaia – movimento armado organizado pelo PCdoB (Partido Comunista do Brasil), no sul do Pará. A guerrilha foi exterminada pelo Exército em meados dos anos 70. Muitos guerrilheiros foram torturados e mortos pelas tropas oficiais. Seus corpos jamais foram entregues pelo Exército.
O longa-metragem foi produzido por Renata Petta e dirigido por Vandré Fernandes, Ana Petta, Fabio Bardella e André Michiles. “Osvaldão” foi gravado em Passa Quatro, Araguaia e Rio de Janeiro, além de conter imagens exclusivas de um documentário do Praga Filme Pujikovna, que retrata o cotidiano de alunos de várias partes do mundo em Praga, em 1961. Osvaldão foi protagonista do documentário.
Osvaldo Orlando da Costa foi o primeiro combatente a chegar no sul do Pará, na região do Araguaia, em 1967, com a missão de implantar uma guerrilha junto com outros companheiros. Tido como o maior conhecedor da área, ele morreu em 1974, com 35 anos, desarmado e faminto.
O corpo do guerrilheiro foi pendurado em um helicóptero que sobrevoou a região, para provar ao povo que Osvaldão estava mesmo morto. Até hoje os restos mortais não foram encontrados.
O filme também contribui com o restabelecimento da memória do país e com a luta pelos direitos humanos. A Guerrilha do Araguaia ocorreu no início da década de 70. Foi uma batalha desigual entre combatentes revolucionários e as forças de repressão do regime reacionário imposto ao país com o golpe de 1964.
Entre 1972 e 1975, a Guerrilha do Araguaia foi alvo da maior ação do exército desde a Guerra de Canudos.
Durante as ações militares, os agentes de repressão da ditadura cometeram graves violações aos direitos humanos.
Estima-se que pelo menos 70, dos desaparecidos políticos no Brasil, tenham sido mortos por militares durante as ações de repressão no Araguaia.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Sem correr, bem devagar

Maurice Denis
“Sem correr, bem devagar
A felicidade voltou pra mim
Sem perceber
Sem suspeitar
O meu coração deixou você surgir
E como despertar depois de um sonho mal
Eu vi o amor sorrindo em seu olhar
E a beleza da ternura de sentir você
Chegou sem correr
Bem devagar...
Amor velho que se perde
Sai correndo pra outro ninho
Amor novo que se ganha
Vem sem pressa, vem mansinho
Sem correr...”

Caetano Veloso

domingo, 19 de outubro de 2014

Vou-me Embora pra Pasárgada

“Vou-me embora pra Pasárgada” foi o poema de mais longa gestação em toda minha obra. Vi pela primeira vez esse nome de Pasárgada quando tinha os meus dezesseis anos e foi num autor grego. [...] Esse nome de Pasárgada, que significa “campo dos persas”, suscitou na minha imaginação uma paisagem fabulosa, um país de delícias [...]. Mais de vinte anos depois, quando eu morava só na minha casa da Rua do Curvelo, num momento de fundo desânimo, da mais aguda doença, saltou-me de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: “Vou-me embora pra Pasárgada!”.
(Manuel Bandeira)
Manuel Bandeira (Foto: Wikipedia Commons)
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcaloide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Manuel Bandeira (1886-1968)

Pasárgada é uma alegoria do paraíso, representante do mito da felicidade no qual Manuel Bandeira tem liberdade de escolher a mulher que quer, na cama que desejar.
Novamente são dois extremos que são abordados pelo poeta: a realidade de dois mundos distintos, o presente e o imaginário; o que se nega e o que se deseja.
Um recurso utilizado neste poema é a intertextualidade; aqui utilizada em forma de paródia, burlesca. A retomada de um poema romântico com intenção sarcástica.

sábado, 18 de outubro de 2014

Vem aí a nova biologia. Ou não.

Notícias sobre Biologia voltadas ao público geral com frequência fazem referência à briga de acadêmicos contra o criacionismo –o movimento defensor de que seres vivos foram criados por Deus, não pelos processos descritos na teoria da evolução. Ofuscado por essa discussão infrutífera de cientistas lançando argumentos racionais contra mentes religiosas impenetráveis, porém, existe um debate sério sobre se a biologia evolutiva está ou não carente de atualização.
Esse movimento defende que a chamada “nova síntese” –a teoria da evolução de Darwin reformulada à luz da genética e, depois, da biologia molecular– precisa ser recauchutada. Liderados por biólogos como Gerd Muller, da Universidade de Viena, e Eva Jablonka, da Universidade de Tel Aviv, esses pesquisadores defendem aquilo que batizaram de EES (Síntese Evolucionária Estendida). É um corpo de conhecimento baseado em fenômenos que correm paralelamente aos descritos pela seleção natural de Darwin. Mas seria esta nova biologia algo com força suficiente para tornar a nova síntese uma teoria ultrapassada?
Para defender uma mudança radical, Jablonka recorre a fenômenos como a epigenética –transmissão de características que não requer mudança do DNA– e à construção de nichos –capacidade de animais de alterarem seu próprio ambiente e, portanto, modificar as pressões que a seleção natural exerceria sobre eles mesmos. Também são alvo de estudo da EES o “viés de desenvolvimento” –a impossibilidade de organismos de adquirirem certas formas enquanto evoluem– e a plasticidade –capacidade de um indivíduo de adquirir diferentes formas reagindo a seu ambiente.
Todos esses fenômenos, que são tratados pela (velha) nova síntese apenas como processos marginais, seriam sinal de que uma teoria de evolução com excesso de foco na biologia molecular se tornou incapaz de dar conta da explicação de processos que ocorrem sem interação com o DNA. Só a incorporação desses outros fenômenos, argumentam, pode salvar a teoria da evolução de se tornar algo ultrapassado.
Tramando a Revolução
Entrevistei Jablonka em 2007 e achei interessante e bem fundamentada sua defesa de que a epigenética reabilita ideias malditas do naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829). Mas fiquei incomodado com sua crítica ao conceito de “gene egoísta”, a expressão criada pelo bólogo Richard Dawkins para descrever a centralidade da biologia molecular no processo evolutivo. No ano seguinte, um congresso organizado por Jablonka e outros correligionários em Altenberg (Áustria) mostrou com mais clareza qual era a intenção do grupo. Os 16 cientistas presentes finalmente cunharam ali a sigla EES, para colocá-la em oposição ao que chamavam de SET (Teoria Evolucionária Padrão), rebatizando a nova síntese com um nome que a faz parecer algo ultrapassado. Ninguém ali se atreveu a usar o palavrão iniciado com “P”, mas a intenção era claramente a de declarar que a EES seria um novo paradigma na biologia.
Muita gente se impressionou. Outros, incluindo Dawkins, nunca deram muita bola. Desde então, deixei de acompanhar essa escaramuça, e confesso que a maior parte do conhecimento de almanaque que tenho sobre evolução acabei adquirindo como ouvinte no curso de Hopi Hoekstra e Andrew Berry, professores de Harvard que não simpatizam com o grupo de Jablonka.
Confronto direto
Foi só lendo a edição desta semana da revista “Nature” que finalmente tomei pé de como está essa discussão agora, ao me deparar com dois artigos, um a favor e um contra decretar que a teoria da evolução precisa ser repensada. Em contraposição estavam justamente as duas biólogas que já tive o privilégio de ouvir pessoalmente, Jablonka e Hoekstra, além de seus coautores. Vale a pena ler. Como já deixer transparecer meu viés aqui, posso dizer que a argumentação de Hoekstra me convenceu de que a sigla EES é mais um adendo teórico do que uma revolução. É uma tentativa de alguns biólogos de se autoatribuírem a responsabilidade por uma mudança de paradigma, quando, na verdade, o que ocorre é um avanço gradual, no qual epigenética, construção de nicho, plasticidade etc. vão se integrando à teoria da evolução tradicional. Mas o grupo da EES não quer saber de se render. “Essa não é uma tempestade num copo d’água acadêmico, é a luta pela própria alma da disciplina [da evolução]”, escreve o grupo de Jablonka, num texto com Kevin Laland como autor principal. Hoekstra retruca: “Nós também queremos uma síntese evolucionária estendida, mas para nós essas palavras estão em letra minúscula, porque nosso campo sempre avançou assim”.
De volta às origens
Talvez seja tudo uma questão de nome. Darwin, por exemplo, publicou um livro inteiro sobre como minhocas alteram seu próprio ambiente por meio de sua ação no solo. “Hoje nós chamamos esse processo de construção de nicho, mas o novo nome não altera o fato de que biólogos evolucionários têm estudado feedback entre organismos e seu ambiente por mais de um século”, diz Hoekstra.
O problema, talvez, seja o de achar que a biologia precisa de uma grande ruptura, para seguir em frente apenas por meio de grandes saltos. A quebra de paradigma, o modelo de avanço científico descrito pelo filósofo Thomas Kuhn, não se aplica muito bem à biologia, já defendia o saudoso Ernst Mayr, biólogo com importantes contribuições filosóficas à disciplina. “Precisamos também lembrar que Kuhn era físico e que sua tese reflete o pensamento ‘essencialista’ e ‘saltacionista’ tão disseminado na física”, escreveu. Mesmo a teoria de Darwin, a coisa que mais próxima de uma revolução que já ocorreu dentro da biologia, levou quase um século de debates e avanços graduais para se consolidar na forma da nova síntese. Não se estabeleceu de forma tão brusca quanto a relatividade de Einstein, por exemplo. E mesmo a física pós-Einstein não parece estar avançando em saltos tão grandes. Não há nada de errado com a ciência feita por Jablonka, Muller e seus colegas, que têm dado boas contribuições para entender processos biológicos complexos. Mas vender o advento da epigenética e companhia como uma revolução me parece algo um tanto caricaturesco.

Fonte:
Rafael Garcia: ( Vem aí a nova biologia. Ou não.)

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Perdemos o Paraíso

Sir Lawrence Alma-Tadema
Há muito que já perdemos o paraíso.
E o novo que queremos e que temos que construir,
não se encontra no equador ou nos mares quentes do Oriente.
Ele se encontra dentro de nós mesmos.

Hermann Hesse (1877-1962)

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Tempo

Edwin Harris
um quotidiano
que não se pensa
enquanto se passa a ferro
o dia

um acontecimento
entre repetições
diferença quase intervalos
uma lembrança
em dúvida
possível vereda projetos
perda

uma manhã
amanhã
agora

antes da morte
que virá
a vida.

Marcos Silva

sábado, 11 de outubro de 2014

Mito da Caverna

Ivan Bilibin

Platão narra uma história alegórica chamada de Mito da Caverna em sua obra mais complexa, A República. O diálogo travado entre Sócrates, personagem principal, e Glauco, seu interlocutor, visa a apresentar ao leitor a teoria platônica sobre o conhecimento da verdade e a necessidade de que o governante da cidade tenha acesso a esse conhecimento.
O que o Mito da Caverna diz?
No texto, Sócrates fala para Glauco imaginar a existência de uma caverna onde prisioneiros vivessem desde a infância. Com as mãos amarradas em uma parede, eles podem avistar somente as sombras que são projetadas na parede situada à frente.
As sombras são ocasionadas por uma fogueira, em cima de um tapume, situada na parte traseira da parede em que os homens estão presos. Homens passam ante a fogueira, fazem gestos e passam objetos, formando sombras que, de maneira distorcida, são todo o conhecimento que os prisioneiros tinham do mundo. Aquela parede da caverna, aquelas sobras e os ecos dos sons que as pessoas de cima produziam era o mundo restrito dos prisioneiros.
Repentinamente, um dos prisioneiros foi liberto. Andando pela caverna, ele percebe que havia pessoas e uma fogueira projetando as sombras que ele julgava ser a totalidade do mundo. Ao encontrar a saída da caverna, ele tem um susto ao deparar-se com o mundo exterior. A luz solar ofusca a sua visão e ele sente-se desamparado, desconfortável, deslocado.
Aos poucos, sua visão acostuma-se com a luz e ele começa a perceber a infinidade do mundo e da natureza que existe fora da caverna. Ele percebe que aquelas sombras, que ele julgava ser a realidade, na verdade são cópias imperfeitas de uma pequena parcela da realidade.
O prisioneiro liberto poderia fazer duas coisas: retornar para a caverna e libertar os seus companheiros ou viver a sua liberdade. Uma possível consequência da primeira possibilidade seria os ataques que sofreria de seus companheiros, que o julgariam como louco, mas poderia ser uma atitude necessária, por ser a coisa mais justa a se fazer.
Platão está dispondo, hierarquicamente, os graus de conhecimento com essa metáfora e falando que existe um modo de conhecer, de saber, que é o mais adequado para se pensar em um governante capaz de fazer política com sabedoria e justiça.
Conclusões acerca do Mito da Caverna:
A metáfora proposta pela Alegoria da Caverna pode ser interpretada da seguinte maneira:
  • Os prisioneiros: são os homens comuns, ou seja, somos nós mesmos, que vivemos em nosso mundo limitado, presos em nossas crenças costumeiras.
  • A caverna: é o nosso corpo e os nossos sentidos, fonte de um conhecimento que, segundo Platão, é errôneo e enganoso.
  • As sombras na parede e os ecos na caverna: As sombras são distorções das imagens e os ecos são distorções sonoras. Por isso, esses elementos simbolizam as opiniões erradas e o conhecimento preconceituoso do senso comum que julgamos ser verdadeiro.
  • A saída da caverna: significa buscar o conhecimento verdadeiro.
  • A luz solar: a luz, que ofusca a visão do prisioneiro liberto e o coloca em uma situação de desconforto, é o conhecimento verdadeiro, a razão e a filosofia.
Mito da Caverna visto nos dias de hoje
Trazendo a Alegoria da Caverna para o nosso tempo, podemos dizer que o ser humano tem regredido constantemente, a ponto de estar, cada vez mais, vivendo como um prisioneiro da caverna, apesar de toda a informação e todo o conhecimento que temos a nossa disposição.
  • As pessoas têm preguiça de pensar. A preguiça tornou-se um elemento comum em nossa sociedade, estimulada pela facilidade que as tecnologias nos proporcionam. A preguiça intelectual tem sido, talvez, a mais forte característica de nosso tempo. A dúvida socrática, o questionamento, a não aceitação das afirmações sem antes analisá-las (elementos que custaram a vida de Sócrates na antiguidade) são hoje desprezados.
  • A política, a sociedade e a vida comum deixaram de ser interessantes para os cidadãos do século XXI que apenas vivem como se a própria vida tivesse importância maior que a preservação da sociedade. As notícias falsas estão enganando cada vez mais pessoas que não se prestam ao trabalho de checar a veracidade e a confiabilidade da fonte que divulga as informações.
  • As redes sociais viraram verdadeiras vitrines do ego, que divulgam a falsa propaganda de vidas felizes, mas que, superficialmente, sequer sabem o peso que a sua existência traz para o mundo. A ignorância, em nossos tempos, é cultivada e celebrada.
  • Quem ousa opor-se a esse tipo de vida vulgar, soterrada na ignorância, presa na caverna como estavam os prisioneiros de Platão, é considerado louco. Os escravos presos no interior da caverna não percebem que são prisioneiros, assim como as pessoas que estão presas na mídia, nas redes sociais e no mar de informações, muitas vezes desinformantes, da internet, não percebem que são enganadas.
  • Vivemos na época do predomínio da opinião rasa, do conhecimento superficial, da informação inútil e da prisão cotidiana que arrasta as pessoas, cada vez mais, para a caverna da ignorância.
Fonte: Francisco Porfírio
Professor de Filosofia [Referência]

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Os poetas

Felix Mas
“Muitos desventurados chegarão a ser poetas
mercê dos infortúnios sofridos; aprenderão,
sofrendo, tudo o que ensinam cantando”.

Percy Bysshe Shelley (1792-1822)

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Safo de Lebos: A Décima Musa

Francis Coates Jones - Sappho
Safo, a maior poetisa lírica da Antiguidade é, provavelmente, também a primeira mulher a fazer poesia importante na história da cultura ocidental. Nasceu na ilha grega de Lesbos, por volta do ano de 612 a.C.
Pouco se sabe ao certo sobre esta mulher notável. Grandes autores como Platão, Boccaccio, Baudelaire, Lord Byron, Ezra Pound e Virginia Woolf sentiu uma grande admiração por ela.
Alguns a têm imaginado de uma beleza escultórica exuberante. Outros, como não muito bonita. Mas todos concordam que possuía um atrativo pessoal formidável e que, com seus belos olhos pretos, poderia até domar feras! Não é só esta, entretanto, a razão de sua fama. Filha de família rica, deixou cedo sua pequena cidade natal de Eresso, próxima à capital de Lesbos, Mitilene, onde estudou dança, retórica e poética, o que era, então, permitido só a mulheres da aristocracia. Mesmo de origem nobre, a bem pouco podia aspirar uma mulher nessa época fora dos trabalhos domésticos rotineiros. Mas Safo... era Safo! Uma mulher de fogo! Muito jovem já possuía grande notoriedade devido mais a seus encantos pessoais do que à sua arte, tinha uma conduta libertada de preconceitos e inibições.
Nessa época, Lesbos era governada pelo ditador Pítaco (o mesmo que seria depois incluído na lista dos Sete Sábios da Grécia). Safo, acusada de participar de uma conjuração contra o ditador, acabou sendo exilada na cidade de Pirra. A acusação foi, provavelmente, devido mais à moralidade de Pítaco (característica bastante comum entre os ditadores) do que à política, pois, de fato, Safo nunca dedicou-se à política. Nessa época de juventude, brilhava em Lesbos o jovem poeta Alceu, que pretendeu namorar Safo, sem sucesso. Por que não? Naturalmente essas coisas não têm explicação, mas poetisas não se casam com poetas. Fez-se famosa a resposta de Safo à carta amorosa de Alceu, em que este lamentava-se de que o pudor não lhe permitia dizer o que sentia: "Se tuas intenções, Alceu, fossem puras e nobres, e tua fala capaz de exprimi-las, o pudor não seria bastante a reprimi-las". Mas as falas sobre pudor, tanto de Alceu como de Safo são completamente hipócritas, pura literatura destinada ao público: nem Safo nem Alceu possuíam o menor recato!
Também Alceu foi exilado por Pítaco junto com muitos outros patrícios. Na sua geração, ele teria sido o maior poeta não fosse pela sua contemporânea Safo.
Ao seu retorno de Pirra, Safo não demorou a ser exilada de novo, desta vez na Sicília. Ali conheceu um riquíssimo industrial e, como as atuais divas se casam com milionários, Safo casou-se com ele. Este poderoso industrial cumpriu duplamente seus deveres de esposo com Safo, dando-lhe uma filha e, pouco depois, deixando-a viúva e rica.
Na sua volta a Lesbos, Safo diria: "necessito do luxo como do sol." Mas não permaneceu muito tempo na ociosidade e fundou um colégio para meninas da alta sociedade de Mitilene. Ali as instruía em música, poesia e dança, e as chamava de heteras, ou melhor, hetairas, que em grego significa companheiras.
Ao que parece, Safo era incomparável e inspirada mestra. Mas também inspirava amor às hetairas e aí Safo era grande mestra. Começaram então os boatos na cidade sobre atos e costumes adotados na grande escola. Sua hetaira favorita, chamada Átis, foi a primeira a ser tirada, iradamente, por seus pais. Tudo se desfez rapidamente e a escola acabou. Para Safo, esse foi um terrível golpe. Sobretudo a perda de Átis, por quem sentia paixão irrefreável. O que foi uma desgraça para Safo foi a faísca inicial que sublimou a sua poesia. Compôs o "Adeus a Átis", considerada até hoje como um dos mais perfeitos versos líricos de todos os tempos, que através dos séculos foi modelo de estilo pela singeleza e sobriedade da forma. Expressões originais de Safo, que chamou Átis de "doce e amargo tormento", foram usadas depois por poetas e namorados através dos séculos.
Diz a lenda (recolhida por Ovídeo) que Safo, já na idade madura, voltou a amar os homens. Existem duas versões:
  • A primeira, é a de que, apaixonada por um marinheiro chamado Faon e por ele desprezada, suicidou-se pulando ao mar, de um rochedo da Leucádia.
  • Na outra, Safo serenamente resignada com a sua sorte - segundo manuscrito achado no Egito - recusa um pedido de casamento: Se meu peito ainda pudesse dar leite e meu ventre frutificasse, iria sem temor para um novo tálamo. Mas o tempo já gravou demasiadas rugas sobre minha pele e o amor já não me alcança mais com o açoite de suas deliciosas penas.
A investigação moderna, porem chegou à conclusão que a suicida era uma homônima de Lesbo, que foi famigerada prostituta de luxo e que viveu posteriormente. O certo é que não se sabe como, nem quando Safo morreu.
A moralidade e a hipocrisia têm condenado Safo durante 26 séculos. No século XI, teve a sua maior condenação: toda a sua obra, contida em nove volumes, foi queimada pela Igreja... Só em fins do século XIX dois arqueólogos ingleses descobriram, por acaso, em Oxorinco, sarcófagos envoltos em tiras de pergaminho, numa das quais eram legíveis uns seiscentos versos de Safo. Isso é tudo o que restou dela. Pouco, mas o bastante para confirmar o veredicto dos antigos: Safo foi a maior poetisa lírica da Antiguidade.
Tinha razão Platão quando ensinou: "Dizem que há nove musas, que falta de memória! Esqueceram a décima, Safo de Lesbos." E também tinha razão Sólon (que não era apreciador de poesia, talvez por ser a única atividade do espírito que não conseguiu dominar) quando, depois de ouvir seu neto recitar uma poesia de Safo, exclamou: "Agora poderei morrer em paz!"
Numa linha imortal que sobreviveu ao fogo da Igreja e aos séculos que tudo corroem, Safo disse: "Irremediavelmente, como à noite estrelada segue a rosada aurora, a morte segue todo o ser vivo até que finalmente o alcança..." E depois veio o silêncio, mas, nem o fogo, nem os séculos conseguiram apagar sua voz, nem esquecer seu nome: Safo, a divina hetaira!
☸ ☸ ☸
A Átis
Não minto: eu me queria morta.
Deixava-me, desfeita em lágrimas:

"Mas, ah, que triste a nossa sina!
Eu vou contra a vontade, juro,
Safo". "Seja feliz", eu disse,

"E lembre-se de quanto a quero.
Ou já esqueceu? Pois vou lembrar-lhe
Os nossos momentos de amor.

Quantas grinaldas, no seu colo,
— Rosas, violetas, açafrão —
Trançamos juntas! Multiflores

Colares atei para o tenro
Pescoço de Átis; os perfumes
Nos cabelos, os óleos raros

Da sua pele em minha pele!
[...]
Cama macia, o amor nascia
De sua beleza, e eu matava
A sua sede" [...]

Cai a lua, caem as plêiades e
É meia-noite, o tempo passa e
Eu só, aqui deitada, desejante.

— Adolescência, adolescência,
Você se vai, aonde vai?
— Não volto mais para você,
Para você volto mais não.

Tradução: Décio Pignatari

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Ode ao Céu

John Usher
CORO DE ESPÍRITOS:
Cúpula da noite clara!
Paraíso de luz áurea!
Sem fim, Vasto, Ilimitado,
És agora e fostes ontem!
Do presente e do passado
Do eterno Quando e Onde,
A câmara, o templo e o lar,
Domo, velário estelar,
De atos e de eras por passar!

Alentas esferas gloriosas,
Vivas, que nas tenebrosas
Selvas e voragens tuas,
São da Terra a companhia
E o alvo gelo das luas
E astros de coma luzidia
E outros mundos verdejantes
E poderosos sóis distantes
Átomos de luz, ofuscantes.

Mesmo teu nome é como um deus,
Céu! Pois habita os templos teus
O Poder no qual vê o homem
Seu feitio, como um espelho.
Gerações vêm, depois somem
E a ti veneram de joelho.
Eles mesmos e seu panteão,
Fugazes, como um rio se vão:
Persiste — a tua imensidão. —
UMA VOZ MAIS REMOTA:
És o átrio da Mente, apenas,
Onde vão-se ânsias terrenas
Qual inseto que fulgura
Em gruta de estalactites;
Só o portal da sepultura
Onde um mundo de deleites
De teu feito mais sobejo
Fará não mais que um lampejo
Da sombra de um turvo ensejo!
UMA VOZ AINDA MAIS ALTA E REMOTA:
Paz! Filho do átomo, coroas
O abismo de ódio com tais loas!
Que é o céu? E o que és e fazes
Em tão estrita vivência?
Que são sóis e astros fugazes
Com o instinto da Essência
De que és uma ínfima parte?
Gotas que o mundo comparte
Nas mais finas veias! Parte!

Que é o Céu? Globo de orvalho,
Escorrendo entre o farfalho
Dalguma jovem flor despertada
Entre dimensões pretensas:
Nuvem de sóis intocada,
Dobram-se órbitas imensas,
Nesta esfera a sucumbir
Com milhões de outras vão se unir
E vibrar, faiscar e sumir.

Percy Bysshe Shelley (1792-1822)
Tradução: Adriano Scandolara

domingo, 5 de outubro de 2014

A Linguagem Disfarça o Pensamento

“Se tomarmos "eternidade" não como uma duração temporal infinita, mas sim como a ausência do tempo, [podemos então dizer que] a vida eterna pertence a aqueles que vivem no presente”. Ludwig Wittgenstein
Gustav Klimt-Retrato de Margaret Stonborough-Wittgenstein

A linguagem disfarça o pensamento. E principalmente de tal forma que, segundo a forma exterior da roupagem, não é possível concluir sobre a forma do pensamento disfarçado; porque a forma exterior da roupagem visa a algo bem diferente do que permite reconhecer a forma do corpo. Os arranjos tácitos para a compreensão da linguagem quotidiana são de uma enorme complicação.
Ludwig Wittgenstein (1889-1951)

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Democracia

Sou democrata na medida em que
amo o livre sol nos homens
e aristocrata na medida em que
detesto as possessivas tacanhas criaturas.

Amo o sol em qualquer,
quando o vejo na fronte,
claro, sem temor, ainda que frágil.

Mas, quando vejo os pardos homens prósperos,
hórridos e cadavéricos, inteiramente sem sol,
como obscenos escravos prósperos
saracoteando-se mecanicamente,
então sou mais que radical, desejo a guilhotina.

E quando vejo os que trabalham,
pálidos e vis como insetos, às corridas
e como piolhos vivendo, com dinheiro contado
e sem nunca erguer os olhos, então, como Tibério,
desejo que a multidão tivera uma cabeça para decepá-la
de um só golpe. Eu penso que, quando as gentes
perderam totalmente o sol, não têm direito de existir.

D. H. Lawrence (1885-1930)
Tradução: Leonardo Fróes

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

História do Papel

Antes da criação do papel, em alguns países e/ou grupos humanos existiram maneiras curiosas do homem se expressar através da escrita. Na Índia, usavam as folhas de palmeiras, os esquimós utilizavam ossos de baleia e dentes de foca. Na China os livros eram feitos com conchas e cascos de tartaruga e posteriormente em bambu e seda. Estes dois últimos antecederam a descoberta do papel. Entre outros povos era comum o uso da pedra, barro e até mesmo a casca das árvores. As matérias-primas mais famosas e próximas do papel foram o papiro e o pergaminho. O primeiro, o papiro, foi inventado pelos egípcios e apesar de sua fragilidade, milhares de documentos em papiro chegaram até nos. O pergaminho era muito mais resistente, pois se tratava de pele de animal, geralmente carneiro, bezerro ou cabra e tinham um custo muito elevado. Os Maias e os Astecas guardavam seus livros de matemática, astronomia e medicina em cascas de árvores, chamadas de "tonalamatl".
A palavra papel é originária do latim "papyrus". Nome dado a um vegetal da família "Cepareas" (Cyperua papyrus). A medula dos seus caules era empregada, como já referido, pelos egípcios, há 2 400 anos antes de Cristo. Entretanto foram os chineses os primeiros a fabricarem o papel como o atual. Por volta do século VI a.C. os chineses começaram a produzir um papel de seda branco próprio para pintura e para escrita. O papel produzido após a proclamação da invenção, diferenciava-se desse, unicamente pela matéria-prima utilizada.
A maioria dos historiadores concorda em atribuir a T'sai Lun, um oficial da Corte Imperial Chinesa (150 d.C.) a primazia de ter feito papel por meio de polpação de redes de pesca e de trapos e mais tarde usando vegetais. Esta técnica foi mantida em segredo pelos chineses durante quase 600 anos. O uso do papel estendeu-se até os confins do Império Chinês, acompanhando as rotas comerciais das grandes caravanas. Até então a difusão da fabricação do papel foi lenta. Tudo parece indicar que a partir do ano 751 (d.C), quando os árabes, instalados em Samarkanda, grande entreposto das caravanas provenientes da China, aprisionaram 2 chineses que conheciam a arte do papel e a trocaram pela sua liberdade. Dai então foi possível a quebra do monopólio chinês com o início da produção de papel em Bagdá (795 d.C.).
A partir daquele momento a difusão do conhecimento sobre a produção do papel artesanal acompanhou a expansão muçulmana ao longo da costa norte da África ate a Península Ibérica.
Os primeiros moinhos papeleiros europeus localizaram-se na Espanha, em Xativa e Toledo (1085). Ao mesmo tempo via Sicília ou Palestina, o papel foi introduzido na Itália. Depois em 1184 chegou a França e então lentamente outros países começaram a estabelecer suas manufaturas nacionais. Na América foi introduzido pelos colonizadores e no Brasil em 1809. A sua produção se deu desde então a nível industrial.
No fim do século XVI, os holandeses inventaram uma máquina que permitia desfazer trapos desintegrando-os até o estado de fibra. O uso dessa máquina que passou a chamar-se de "holandesa", foi se propagando e chegou até os nossos dias sem que os sucessivos aperfeiçoamentos tenham modificado a sua ideia básica.
No fim do século XVIII, a revolução industrial amenizou a constante escassez de matéria-prima para a indústria de papel e aumentou a demanda criando um mercado com grande poder de consumo. Em fins do século XVIII e princípios do século XIX a indústria do papel ganhou um grande impulso com a invenção das máquinas de produção contínua e do uso de pastas de madeira.
Há aproximadamente 15, 20 anos é que no Brasil, artistas plásticos veem resgatando e difundindo as técnicas de produção do papel artesanal.
A Origem do papel

A origem do papel data do ano 105 A. C.
Foram encontradas peças em escavações nos arredores da cidade de Hulam, na China. Presume-se que o inventor foi Ts'ai Lun, um alto funcionário da corte do imperador Chien-Ch'u, da dinastia Han (206 A.C. a 202 D.C.) contemporânea do reinado de Trajano em Roma.
A transferência da invenção chinesa para os árabes ocorreu com a captura, pelos árabes, de artesãos chineses, e em Bagdá no final do século VIII (795 D.C.) já se conhecia a fabricação de papel. A manufatura do papel artesanal acompanhou a expansão muçulmana ao longo da costa norte da África até a Península Ibérica. Em Xavita, 1085 D.C., foi instalado o primeiro moinho papeleiro da Europa, ainda na região dominada pelos mouros. Só depois que a fabricação de papel se instalou em Fabriano (Itália), em 1260, é que a produção de papel se disseminou por toda a Europa. Também se deve ao moinho de Fabriano a primeira marca d'água no papel.
A primeira máquina de fabricação de papel foi introduzida por Nicholas-Louis Robert, em 1797. Em 1809 John Dickinson fez a primeira máquina cilíndrica, iniciando o método moderno de fabricação de papel.
O Papel no Egito

Muito da História do Egito nos foi transmitido pelos rolos de papiro encontrados nos túmulos dos nobres e faraós. Foram os egípcios que, por volta de 2200 antes de Cristo, inventaram o papiro, espécie de pergaminho e antepassado do papel.
Papiro é uma planta aquática existente no delta do Nilo. Seu talo em forma piramidal chega a ter de 5 a 6 metros de comprimento. Era considerada sagrada porque sua flor, formada por finas hastes verdes, lembra os raios do Sol, divindade máxima desse povo. O miolo do talo era transformado em papiros e a casca, bem resistente depois de seca, utilizada na confecção de cestos, camas e até barcos.
Para se fazer o papiro, corta-se o miolo do talo - que é esbranquiçado e poroso - em finas lâminas. Depois de secas em um pano, são mergulhadas em água com vinagre onde permanecem por seis dias para eliminar o açúcar. Novamente secas, as lâminas são dispostas em fileiras horizontais e verticais, umas sobre as outras. Esse material é colocado entre dois pedaços de tecido de algodão e vai para uma prensa por seis dias. Com o peso, as finas lâminas se misturam e formam um pedaço de papel amarelado, pronto para ser usado.
Pintura sobre lâmina de papiro, proveniente do Egito
Olho de Horus

O Papel na China
No século II, a China começou a produzir papel para escrita com fibras de cânhamo ou de casca de árvore. Segundo os registros da "História do Período Posterior da Dinastia Han" do século V, o marquês TSai Lun (?-125 d.C.) dos Han do Este (25-220 d.C.) produziu papel a partir de 105 d.C com materiais baratos - casca de árvore, extremidades de cânhamo, farrapos de algodão e redes de pesca rasgadas. O uso do papel vulgarizou-se, a partir de então; e o papel era conhecido entre o povo como "papel TSai Lun".
A partir de então, o papel começou a substituir o bambu, madeira e seda. Nos séculos seguintes, os processos tecnológicos e equipamentos para a produção de papel desenvolveram-se mais ainda. O papel e métodos de fabricação deste material foram primeiramente introduzidos no Vietnam e Coreia: e depois da Coreia para o Japão. Os países árabes aprenderam com a China a produzir papel nos meados do século VIII, e dali a técnica expandiu para a Europa e o resto do mundo.
O Papel no Japão
Hoje, como antigamente, fazer papel a mão, no Japão, é frequentemente realizado como uma fonte de renda fora da estação pelos pequenos fazendeiros que vivem em aldeias nas montanhas, onde há pouca terra para cultivo de arroz mas uma abundância de boa água limpa nos riachos.
Quando o fim do ano chega e a colheita do arroz acaba, esses fazendeiros invariavelmente se ocupam com a feitura de papel.
Em certo sentido, o trabalho é hereditário, sendo desempenhado em uma pequena escala, em casa, pelos membros capazes de cada família. Os métodos empregados são antiquíssimos e têm sido passados através de gerações sucessivas com pequenas mudanças. A estação para fazer papel difere de acordo com as localidades nas quais ele é feito. Ela geralmente começa no fim de Novembro ou início de Dezembro e termina em Abril ou Maio do ano seguinte.
Nesta época do ano os fazendeiros que fazem papel como trabalho paralelo encontram-se muito ocupados pois eles têm muito que fazer no transplante de mudas de arroz e na criação de bicho-da-seda.
Seja feito a mão ou a máquina muitos papéis japoneses usam fibras vegetais como matéria-prima. Entre essas fibras o gampi, kozo e mitsumata constituem o trio principal de materiais. Papel de gampi é considerado nobre; o de kozo, forte; e o de mitsumata, delicado. Para fazer papel japonês é comum usar um material mucilaginoso vegetal que é comburente chamado Neri.
Há vários tipos de neri, o mais comum é o tororo, uma substância proveniente das raízes do crescimento do primeiro ano da planta tororo, que é um tipo de malvácea. A função do tororo é fazer com que as fibras flutuem uniformemente na água. Outra função é retardar a velocidade de drenagem resultando assim uma folha de papel melhor formada.
Matérias-primas para papel japonês

O Papel no Mundo
O papel tem sua história ligada a legítimos e nobres ascendentes. Além das placas de argila, ossos, metais, pedras, peles, o homem escreveu, desenhou, e pintou em papiro, sobre o líber e logo a seguir em pergaminho.
O mais antigo papiro já encontrado data por volta de 2200 a.C., e pertence ao Museu Britânico; o papiro foi o suporte de escrita de uso corrente até os primeiros séculos da era Cristã, em toda Europa, regiões asiáticas, e naturalmente, África, de onde se originou.
O pergaminho tornou-se o principal suporte de escrita durante quase toda a idade Média. Havia ainda o palimpseto, cuja palavra designa o pergaminho já usado e reaproveitado.
O fenómeno do reaproveitamento do papiro repetia-se assim, com relação aos pergaminhos.
Com a introdução do papel na Europa, os outros suportes de escrita e desenho desapareceram, restando a lembrança do papiro, na palavra papel, paper, papier. Foi longa e lenta a rota do papel a partir da sua invenção em 105 d.C. por T'sai Lun. O papel só conseguiu atingir a Europa 10 séculos mais tarde, por caminhos tortuosos e difíceis.
Os árabes o produziam, comercializavam-no, e o transportavam da Ásia pelo norte da África, e de Alexandria, Trípoli e Tunísia, faziam-no chegar à Espanha, e em seguida à França.
Outros países que produzem papel artesanal de maneira rudimentar e ancestral são: Índia, Paquistão, Nepal, Tibet, etc.
Com a descoberta da América, encontrou-se um papel semelhante ao papiro produzido pelos Maias e pelos Aztecas chamado Amatl. O processo de feitura difere do papiro, e é fabricado ainda hoje na cidade de San Pablito, México, e constitui fonte de renda para seu povo.
O Liber, palavra latina, é a entre-casca de árvore usada para fazer papel dando origem a palavra Livro.
Era usual escrever-se em folhas de plantas na China, daí a origem da expressão 'folha de papel'. A palavra grega Biblos era a designação feita a várias folhas escritas sobre papiro, originando assim a palavra Bíblia.
O Papel no Brasil
A primeira fábrica de papel no Brasil entre 1809 e 1810 no Andaraí Pequeno (Rio de Janeiro), foi construída por Henrique Nunes Cardoso e Joaquim José da Silva, industriais portugueses transferidos para o Brasil. Deve ter começado a funcionar entre 181O e 1811, e pretendia trabalhar com fibra vegetal. Outra fábrica aparece no Rio de Janeiro, montada por André Gaillard em 1837 e logo em seguida em 1841, tem início a de Zeferino Ferraz, instalada na freguesia do Engenho Velho.
O português Moreira de Sá proclama a precedência da descoberta do papel de pasta de madeira como estudo de seu laboratório, e produto de sua fábrica num soneto de sua autoria, dedicado aos príncipes D. João e Dona Carlota Joaquina impresso na primeira amostra assim fabricado:
“A química e os desejos trabalharam
não debalde, senhor, que o fruto é este
outras nações a tanto não chegaram”.
A vinda de Moreira de Sá ao Brasil coincide com as experiências de Frei Velozo em 1809 quando produziu o papel de imbira e experimentava seu fabrico com outras plantas.
Marlene Trindade, Artista e Professora da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, foi quem criou no ano de 1980 o Atelier de Artes da Fibra, onde se deu início à pesquisa do papel artesanal no Brasil. Participaram neste Atelier, que teve a duração de um semestre, Diva Elena Buss, Joice Saturnino, Nícia Mafra, e Paulo Campos. Com o incentivo de Marlene desvendaram-se os mistérios do papel a partir de um livro por ela elaborado.
Marlene preparou um novo curso para o Festival de Inverno de Diamantina/MG, que gerou novos papeleiros. A semente que ela plantou, germinou, cresceu, e deu muitos frutos. A partir deste novo começo, nunca mais se parou de pesquisar e produzir papel artesanal no Brasil.
Cronologia do papel

• 105 a.C. – A invenção do papel é atribuída a T’sai Lun na China, fabricado a partir de fibras de cânhamo trituradas e revestidas de uma fina camada de cálcio, alumínio e sílica.
• 611 d.C. - Instalam-se manufaturas do papel na Coreia. • 794 - Instala-se a fabricação de papel para o comércio, primeiro em Damasco, depois em Bagdá.
• 807 - Produção de papel em Kioto, no Japão.
• 877 - Nota-se a existência do papel sanitário.
• 900 - O papel é fabricado no Egito pelos árabes.
• 950 - O papel chega pela primeira vez na Espanha através de livros.
• 998 - O papel-moeda é o meio circulante da China.
• 1000 - Dois árabes fazem uma escrita a respeito dos métodos de fabricação do papel.
• 1150/1151 - Os árabes chegam à Espanha fixando-se numa região de Valencia (Xavita) sendo instalado o primeiro ponto de fabricação da Europa.
• 1282 - Introdução da marca d'água por Fabriano: cruzes e círculos.
• 1285 - Marca d'água na França: flor de Liz.
• 1309 - Início da utilização do papel na Inglaterra.
• 1320 - Chegada do papel na Alemanha.
• 1390 - Instalação da primeira indústria na Alemanha.
• 1405 - Chegada do papel na região de Flandres, levado por um espanhol.
• 1450 - Invenção da imprensa -Johannes Guttemberg e consequente procura por papel.
• 1550 - Comercialização do papel de parede proveniente da China pelos espanhóis e holandeses em toda a Europa.
• 1719 – O naturalista francês Reaumur sugere o uso da madeira como matéria prima para o fabrico de papel, ao observar que as vespas mastigavam madeira podre e empregavam a pasta resultante para produzir uma substância semelhante ao papel na confecção dos seus ninhos.
• Meados do Séc. XIX – surge a demanda de papel para a impressão de livros, jornais e fabricação de outros produtos de consumo, levando á busca de fontes alternativas de fibras a serem transformadas em papel.
• 1809 - Começa a fabricação de papel no Brasil, no "Andaraí Pequeno", Rio de Janeiro.
• 1838 – Produção de pasta de palha branqueada
• 1840 – Na Alemanha, desenvolve-se um processo para a trituração de madeira. As fibras são separadas e transformadas no que passou a ser conhecido como “pasta mecânica” de celulose.
• 1854 – É patenteado na Inglaterra um processo de produção de pasta celulósica através de tratamento com soda cáustica. A lignina, cimento orgânico que une as fibras, é dissolvida e removida, surgindo a primeira “pasta química”.
• 1860 – Invenção do papel couché. Lançamento do papel higiénico em forma de rolo. Surgem na Finlândia as primeiras leis sobre práticas de silvicultura.
• 1920/1930 - Importante década para o desenvolvimento do papel no Brasil.
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