terça-feira, 7 de outubro de 2014

Ode ao Céu

John Usher
CORO DE ESPÍRITOS:
Cúpula da noite clara!
Paraíso de luz áurea!
Sem fim, Vasto, Ilimitado,
És agora e fostes ontem!
Do presente e do passado
Do eterno Quando e Onde,
A câmara, o templo e o lar,
Domo, velário estelar,
De atos e de eras por passar!

Alentas esferas gloriosas,
Vivas, que nas tenebrosas
Selvas e voragens tuas,
São da Terra a companhia
E o alvo gelo das luas
E astros de coma luzidia
E outros mundos verdejantes
E poderosos sóis distantes
Átomos de luz, ofuscantes.

Mesmo teu nome é como um deus,
Céu! Pois habita os templos teus
O Poder no qual vê o homem
Seu feitio, como um espelho.
Gerações vêm, depois somem
E a ti veneram de joelho.
Eles mesmos e seu panteão,
Fugazes, como um rio se vão:
Persiste — a tua imensidão. —
UMA VOZ MAIS REMOTA:
És o átrio da Mente, apenas,
Onde vão-se ânsias terrenas
Qual inseto que fulgura
Em gruta de estalactites;
Só o portal da sepultura
Onde um mundo de deleites
De teu feito mais sobejo
Fará não mais que um lampejo
Da sombra de um turvo ensejo!
UMA VOZ AINDA MAIS ALTA E REMOTA:
Paz! Filho do átomo, coroas
O abismo de ódio com tais loas!
Que é o céu? E o que és e fazes
Em tão estrita vivência?
Que são sóis e astros fugazes
Com o instinto da Essência
De que és uma ínfima parte?
Gotas que o mundo comparte
Nas mais finas veias! Parte!

Que é o Céu? Globo de orvalho,
Escorrendo entre o farfalho
Dalguma jovem flor despertada
Entre dimensões pretensas:
Nuvem de sóis intocada,
Dobram-se órbitas imensas,
Nesta esfera a sucumbir
Com milhões de outras vão se unir
E vibrar, faiscar e sumir.

Percy Bysshe Shelley (1792-1822)
Tradução: Adriano Scandolara

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