segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O dia múltiplo

Bruno Morandi - Pêcheur sur le lac Inle
Dia galopante e parado,
dia passado três dias antes,
brilhante, ofuscado oásis,
deserto desejado, completo
dia-quase. Tumulto e feriado.
Hoje foi escancarado:
todo o dia estive oculto.
É dia de gandaia e pausa
e aplauso, mas o dia me vaia.
O dia é um presídio libertário;
de aniversário e suicídio
é feito o dia.

Jorge Emil

Elogio do esforço

Vale a pena tornar tudo tortuoso, adornar
com folhas de chumbo a cabeça confusa
e fazer a volta que serpenteia e se afasta
do atalho que chama, cheio de grama.

Se podemos nos bifurcar em dúvidas, errar
o alvo próximo e acertar o inocente difuso na lonjura;
se a discussão, além de inútil, pode ser interminável
quando as partes simplesmente não se escutam.

Tudo é tão fácil! O difícil sou eu que faço —
o máximo cansaço já no início do caminho.

Jorge Emil

domingo, 30 de outubro de 2011

Passado, Presente e Futuro


As Horas cismam no ar parado:
— Passado.

As Horas bailam no ar fremente:
— Presente.

As Horas sonham no ar obscuro:
— Futuro.

Da Costa e Silva (1885-1950)

sábado, 29 de outubro de 2011

Eólica

No calor da tarde
o vento, à busca de abrigo,
debruça a janela.

Delores Pires

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Bambu

Pendido, tristonho,
na touça, leve, balouça,
à pesca de um sonho...

Delores Pires

Pequena tragédia brasileira

Mike Worrall
A Bem-Amada queria devorar o coração do Poeta.
- Não, - disse ele - só terás um pedacinho.
Porque noventa por cento pertence aos Editores.

Mario Quintana (1906-1994)

A nossa intimidade a três ou quatro é constrangida

John Willian Waterhouse - Ophelia
A nossa intimidade a três ou quatro é constrangida.
Tenho medo no ângor e uma urtiga no pé.
Um dia é pouco ao pé de Margarida:
A ausência é menos sozinha,
A muita companhia dá bandos longe. Até
A vida
É
Se tua, já menos minha:
Se própria de meu, repartida,
Por muitos na atenção, nem tua é.
Só nossa solidão dual e penetrada
Evita o perigo do nada
A que, por condição, setas, as nossas pernas
Apontam na cavidade inexorável,
Fim de molécula qualquer.
Mas, entretanto, Margarida amável
Será flor, ou mulher?

Vitorino Nemésio (1901-1978)

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A janela encantada

A vida sempre foi boa comigo.
Quando soube que o meu coração
estava carregado de sombras,
e que ele só se alimentava de luz,
abriu uma janela no meu peito
para que por ele possam entrar
o resplendor do orvalho,
o fulgor das estrelas
e o invisível arco-íris do amor.

Thiago de Mello

A música das cores

Vivian Anderson - Out Of Africa
A pintura; às vezes, sabe ser
uma forma de música: sugere,
no fluxo imparável do acontecer,
que a vida pode não acabar. Fere
o centro de nós mesmos. Amacia
e dissolve tensões que a vida impura,
em tantos momentos, cega, nos cria.
Como a música, é boa a pintura.

Eugénio Lisboa

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

O segredo está no amor

Galina Kozakova

O segredo está no amor,
É evidente,
mas também em sabermos
afastar do nosso convívio
o que não presta.
Só quem se libertou
do medíocre e do vazio
poderá ser feliz.

Torquato da Luz

terça-feira, 25 de outubro de 2011

25 • Dia do Sapateiro

O Sapateiro
Esta profissão e arte, já esquecida e ignorada pelas sociedades urbanas.
Ainda existem alguns, porém, hoje eles vendem outras coisas nas lojas para sobreviverem e já perderam aquela característica de antigamente. Existem alguns sapateiros, que teimam levar por diante a arte de bem fazer o conserto típico - os sapatos da ceifeira ou as botas do pastor.
Lembro-me muito de um sapateiro na cidade em que morava quando criança. Eu observava ele bater a sola molhada...
Para espichar, dizia,
Observava a sua mesa de trabalho, cheia de preguinhos...
Colocava o sapato na forma, e batia com o martelo!
Martelo com a cabeça redonda...
Punha um monte de preguinhos na boca!
Ainda conversava.
Ficava com medo que engolisse...
Esperava pregar todos... ia embora... Lá ficavam alguns aposentados batendo papo sobre vários assuntos.
Esta música de Raul Seixas é bem interessante.
Eu calço é 37
Meu pai me dá 36
Dói, mas no dia seguinte
Aperto meu pé outra vez
Eu aperto meu pé outra vez

Pai eu já tô crescidinho
Pague pra ver, que eu aposto
Vou escolher meu sapato
E andar do jeito que eu gosto

Por que cargas d'água
Você acha que tem o direito
De afogar tudo aquilo que eu
Sinto em meu peito
Você só vai ter o respeito que quer
Na realidade
No dia em que você souber respeitar
A minha vontade
Meu pai
Meu pai

Pai já tô indo-me embora
Quero partir sem brigar
Pois eu já escolhi meu sapato
Que não vai mais me apertar
Que não vai mais me apertar
Que não vai mais me apertar.

Letra e música de Raul Seixas
António Gonçalves Annes Bandarra (1500-1556)
Patrono dos Sapateiros-Poetas e dos Poetas-Sapateiros.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Não falarei de coisas, mas de inventos

Claude Monet – Agapanthus
Não falarei de coisas, mas de inventos
e de pacientes buscas no esquisito.
Em breve, chegarei à cor do grito,
à música das cores e do vento.

Mutiplicar-me-ei em mil cinzentos
(desta maneira, lúcido, me evito)
e a estes pés cansados de granito
saberei transformar em cataventos.

Daí, o meu desprezo a jogos claros
e nunca comparados ou medidos
como estes meus, ilógicos mais raros.

Daí também, a enorme divergência
entre os dias e os jogos, divertidos
e feitos de beleza e improcedência.

Carlos Pena Filho (1929-1960)

domingo, 23 de outubro de 2011

Personalidades Históricas: Euclides de Alexandria

Raffaello Sanzio - The School of Athens (detalhe para Euclides)

Euclides de Alexandria (360 a.C. — 295 a.C.) foi um professor, matemático platônico e escritor de origem desconhecida, criador da famosa geometria euclidiana: o espaço euclidiano, imutável, simétrico e geométrico, metáfora do saber na antiguidade clássica, que se manteve incólume no pensamento matemático medieval e renascentista, pois somente nos tempos modernos puderam ser construídos modelos de geometrias não euclidianas. Teria sido educado em Atenas e frequentado a Academia de Platão, em pleno florescimento da cultura helenística.
Convidado por Ptolomeu I para compor o quadro de professores da recém fundada Academia, que tornaria Alexandria no centro do saber da época, tornou-se o mais importante autor de matemática da Antiguidade greco-romana e talvez de todos os tempos.
Pela sua maneira de expor nos escritos deduz-se que tenha sido um habilíssimo professor.

Personalidades Históricas: Arquimedes

Jusepe de Ribera - Archimedes
Arquimedes nasceu em 287 a.C., em Siracusa, na Sicília, que nessa época fazia parte da Grécia. Estudou matemática em Alexandria e provavelmente conheceu Euclides. Durante toda sua vida, Arquimedes dedicou-se tanto à Matemática quanto à Física e à engenharia.
Sua descoberta mais famosa em Física foi a chamada "lei do empuxo", que explica porque um corpo pode flutuar em um fluido. Diz a lenda, provavelmente exagerada, que Arquimedes descobriu essa lei durante o banho e ficou tão excitado com a descoberta que saiu nu pelas ruas gritando "Eureka", isto é, "achei" !
Em Siracusa, dedicou-se com afinco ao estudo da Matemática e demonstrou vários teoremas de enorme importância. Quando os romanos, sob o comando de Marcelo, sitiaram Siracusa, depararam-se com uma barreira intransponível de máquinas bélicas inventadas por Arquimedes e a tomada da cidade foi, desse modo impedida por vários anos. Até que em 212 a.C., conseguiram penetrar na cidade aproveitando um período de festas durante o qual a defesa foi relaxada. Apesar da recomendação de Marcelo para que a vida do grande cientista fosse poupada, pois passara a admirar o engenhoso inimigo, Arquimedes foi morto por um soldado ao se recusar a interromper uma demonstração matemática na qual estava concentrado.
Em seu túmulo foi gravado um cilindro circunscrito a uma esfera, para lembrar um dos resultados de que mais se orgulhava: o cálculo da área de uma superfície esférica.

sábado, 22 de outubro de 2011

O Perfume

As mãos cheiram a laranja
e os teus dedos são os gomos
que acariciam os lábios.

porque vens segura e breve
o silêncio é o irmão
que me contém o desejo.

o perfume é a palavra
gravada na laranjeira.

Afiz Ibn Amahd Kuzmãn

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Educação

Pensadores da Educação.
Tão antigo quanto a Filosofia, o pensamento educacional se desdobra em várias correntes.
Detalhes desta árvore no site: ( Educar para crescer )

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

São muitos anos ...

Titian - Vênus with Organist and Cupid

São muitos anos e outros vão passar
Desde a hora santa em que nos encontramos,
Mas lembro sempre o quanto nos amamos,
Gélidas mãos e grande ardor no olhar.

Ó, vem palavras doces me inspirar,
Teu rosto sobre mim deita e me mira:
Sob sua luz me deixa ainda sonhar,
Novas canções arranca à minha lira!

Tu nem o sabes - ao te aproximares,
Meu coração no fundo já se acalma
Qual o surgir da estrela sobre os mares;

Quando sorris, criança, és minha calma,
Se extingue, então, a vida de pesares,
O olhar me arde e me transborda a alma!

Mihai Eminescu (1850-1889)
Tradução: Luciano Maia

Da Antiguidade a Newton

Tapeçaria de Bayeux mostra Guilherme (à direita) tirando seu elmo.
Durante a Idade Média avançou-se mais na arte e na teologia do que no conhecimento científico. A Tapeçaria de Bayeux conta a história de como Guilherme da Normandia derrota o Rei Haroldo II, Saxão, Rei da Inglaterra em 1066, naquela que ficou conhecida como a Batalha de Hastings. Uma parte da tapeçaria mostra um cometa (o Halley) e à sua direita aparece o Rei Haroldo II junto ao trono. Há também pessoas a apontar para o céu retirando-se para dentro das muralhas da cidade, amedrontadas pelo desastre que o cometa anuncia. Por cima, uma inscrição que diz «Isti mirant stella» (aqueles olham a estrela). Pouco depois do aparecimento do cometa a 24 de Abril de 1066, Haroldo foi morto na batalha com uma seta que lhe entrou pelo olho e Guilherme tornou-se Rei. Estabeleceu-se, naquele tempo, que o cometa estava do lado dos Normandos e de Guilherme. O episódio foi tão importante que ainda hoje os Reis de Inglaterra trazem o símbolo de um cometa nas suas coroas.
A ideia da astrologia associando o aparecimento de cometas ao prenúncio da morte de monarcas perdurou durante muito tempo.

Fonte:
Portal do Astrônomo: ( Da Antiguidade a Newton )

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Bateforte

Nikolai K Bodarevski
As palavras, como usar?
como ousar dizê-las ternas
no sopro dos meus lábios untados aos teus?
trêmulas, não convencerão:
soarão desculpas, parecerão ridículas,
perecerão em teus olhos noturnos.
teu riso franco as dispersará,
tufão incrédulo sobre a cidade.
as frases cairão imprecisas,
na fuga das águas de um rio,
perdidas no mar.
prefiro o gosto úmido silêncio:
o sentimento, morena,
palavra alguma jamais pode alcançar.

Pedro Lago (1870-1958)

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Todo o tempo é de poesia

Jean Baptiste Corot
Todo o tempo é de poesia
Desde a névoa da manhã
à névoa do outro dia.
Desde a quentura do ventre
à frigidez da agonia
Todo o tempo é de poesia
Entre bombas que deflagram.
Corolas que se desdobram.
Corpos que em sangue soçobram.
Vidas que amar se consagram.
Sob a cúpula sombria
das mãos que pedem vingança.
Sob o arco da aliança
da celeste alegoria.
Todo o tempo é de poesia.
Desde a arrumação ao caos
à confusão da harmonia.

António Gedeão (1906-1997)

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Perplexidades

Conrad Kiesel - The lute player

A parte mais efêmera
de mim
é esta consciência de que existo
e todo o existir consiste nisto
é estranho!
e mais estranho
ainda
me é sabê-lo
e saber
que esta consciência dura menos
que um fio de meu cabelo
e mais estranho ainda
que sabê-lo
é que
enquanto dura me é dado
o infinito universo constelado
de quatrilhões e quatrilhões de estrelas
sendo que umas poucas delas
posso vê-las
fulgindo no presente do passado.

Ferreira Gullar

domingo, 16 de outubro de 2011

É o êxtase amoroso

Van Gogh - The Grove
É o êxtase amoroso,
é o cansaço langoroso,
são os suspiros que exalam
as matas, ao vir da aragem .
São, pela espessa folhagem,
tímidas vozes que falam.

Oh! fresco e flébil ruído!
É como um leve gemido,
é como o lânguido arfar
que agita a relva, de manso.
Dir-se-ia um surdo balanço
de calhaus n'água, a rolar.

Esta alma que se lamenta,
nesta queixa sonolenta,
não será, talvez, nossa alma?
Quem sabe a minha alma e a tua,
cuja canção se insinua,
baixinho, na tarde calma?

Paul Verlaine (1844-1896)

sábado, 15 de outubro de 2011

Hoje é dia de Santa Teresa de Ávila

Nada te perturbe, Nada te espante,
Tudo passa,
A paciência tudo alcança;
Quem a Deus tem, Nada lhe falta:
Só Deus basta.
Eleva o pensamento, Ao céu sobe,
Por nada te angusties, Nada te perturbe.
Mesmo que passe por momentos difíceis;
Sendo Deus o seu tesouro, Nada lhe falta.
Ainda que tudo perca, Só Deus basta.


Santa Teresa D’Ávila (1515-1582)

Mata Hari

15 de Outubro de 1917 - Mata Hari é executada
A dançarina, cujo verdadeiro nome era Marguerite Gertrude Zelle (Margaretha Geertruida Zelle), nasceu em 7 de agosto de 1876, em Leeuwarden, na Holanda, filha de um comerciante bastante conhecido, de origem javanesa, e de mãe holandesa, descrita pelos que a conheceram como uma "grande dama, tão bela quanto rica".
Por trás da exótica personagem que construiu, a de uma dançarina falsamente indiana, a espiã transformou-se em lenda, eternizada pelas dúvidas sobre sua atuação.
Em 1917, em pleno conflito mundial, Mata Hari, foi julgada por um conselho de guerra, condenada à morte e, fuzilada na cidade de Vincennes, na França.
Muito foi escrito sobre ela. Alguns de seus biógrafos tentaram limpar sua biografia, incutindo dúvidas sobre sua culpabilidade. Outros, ao contrário, mostraram tantas provas para embasar seus comentários que tornou-se difícil, até mesmo impossível, acreditá-la inocente. Mais penoso ainda é esclarecer, em meio a essa confusão de relatos, os motivos que a fizeram agir. Apesar de tudo o que foi publicado, muitos aspectos de seu temperamento permaneceram estranhamente obscuros.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O Beijo

Sir Frank Dicksee
Hoje, não sei porquê, o vento teve um grande gesto
de renúncia , e as árvores aceitaram a imobilidade.
No entanto ( e é bem que assim seja) uma viola
organiza obstinadamente o espaço da solidão.
Ficamos sabendo que as flores se alimentam
na fértil humidade.
É essa a verdade da saliva.

José Saramago (1922-2010)

Poesia

Juarez Machado

Boêmio e até byroniano:
sair liricamente ruas afora,
ir pela beira do cais do Capibaribe
ora recitando baixinho versos à Vovó Lua
ou à Dona Lua, ora assobiando
altos trechos da Viúva Alegre ouvida cantar
por italiana opulentamente gorda no Santa Isabel
e sempre gozando o silêncio da meia-noite recifense, o ar
bom da madrugada que
dá ao Recife o seu melhor encanto.

Quem sabe se não encontrará alguma mulher bonita?
Alguma pálida iaiá de cabelos e desejos soltos?
Ou mesmo alguma moura -
encantada
na figura de uma encantadora
mulata
de rosa ou flor cheirosa no cabelo.

Gilberto Freyre (1900-1987)