segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Heróis da Vida

Sylvia Grabois
Nascida em família de militantes e sobrinha de Maurício Grabois, um dos chefes da Guerrilha do Araguaia, a poeta Sylvia Grabois o homenageia em seu livro, A Carta do Elefante, todos os seus grandes heróis. Sylvia conviveu com as imagens de heróis e vilões desde muito cedo: casou-se aos 18 anos, entrou para a juventude comunista, formou-se na Faculdade Nacional de Direito e foi impedida de exercer sua profissão pelos agentes da ditadura militar do Brasil.
Aos 77 anos, Sylvia selecionou poemas sobre o gueto de Varsóvia, a morte do jornalista Vladimir Herzog, a Guerrilha do Araguaia, o Muro de Berlim, vítimas de Auschwitz, Maria da Penha entre outros temas para imortalizar as ações de corajosos heróis admirados por ela desde os 17 anos. “A história se faz presente na poesia através dos mártires e heróis do país. Heróis ficam vivos, não são enterrados” cita a poeta. Com mais de 150 poemas na manga, Sylvia escolheu aqueles que, segundo ela, deveriam representar lutas sociais. “Essa história não se aprende na escola. Vou mostrar como foi. Se a gente não guarda na memória, a história se repete.” O título do livro que reúne a poesia da autora é nomeado segundo um dos poemas, que trata de um rei espanhol machucado durante uma caça a elefantes. O acidente do rei alertou ao povo, que passava fome, o que seu soberano fazia com a riqueza que poderia lhes alimentar.
Seu primeiro livro, Direto e Avesso, foi publicado em 2009. Desde então, Sylvia escreve sem parar, sobre os mais variados assuntos. A poeta encontra inspiração nas conversas cotidianas e em sua história. “Gosto muito de conversar com motorista de taxi, com os empregados, a gente aprende muito” diz. Ao mesmo tempo, Sylvia procura resgatar suas lembranças da infância, principalmente as histórias de seu pai, “grande leitor e preocupado em passar seu conhecimento aos filhos”, no fazer literário.

História
Assim como os heróis de seu passado, Sylvia Grabois lutou por algo em que acreditava e cruzou com inimigos no caminho. Ao sair da faculdade de Direito, a jovem, que já esperava seu terceiro filho, se inscreveu em inúmeros concursos públicos, sem resultado. O Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) era o vilão da vez. “Havia mais de 27 certidões. Todos abonavam minha conduta, menos o DOPS. Fui conversar com o inspetor e ele me disse: ‘você não sabe que guerra é guerra? Como vamos contratar alguém que não está do nosso lado?’.”
Sem desistir de suas intenções no Direito, Sylvia chegou a trabalhar como advogada, largando a profissão para trabalhar com artesanato e defender as causas sociais dos artesãos. Como mãe, a poeta afirma ter ensinado aos filhos que não se deve agir por temor a Deus, mas pela justiça, como ela fez durante toda a vida. Presa por mais de 10 vezes, a militante foi detida pelo DOPS pela primeira vez aos 17 anos.

Poeta
“Quando eu tenho uma emoção muito grande, falo e escrevo” explica Sylvia Grabois. A expressão por meio da poesia começou aos 70 anos, por meio das oficinas literárias, uma paixão de Sylvia que se mantém até hoje. “Minha nora veio de uma oficina [literária] e me explicou como isso funcionava. Fiquei maravilhada quando soube que isto existia!” relembra. Desde então, a poeta participou de diversas agendas e coleções de livros. “Ainda fiz dois cordéis, para minha mãe e para meu marido”.
Casada pela segunda vez com o físico Roberto Nicowski, a poeta se sente incentivada e apoiada pelo marido. “Sou muito romântica. Sempre escrevi cartas e poemas para ele, então isso começou a se tornar um hábito” explica Sylvia. Influenciada por autores como Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Paulo Leminski, Martha Medeiros e Castro Alves, “um herói da época”, vovó Sylvinha, como assina seus contos infantis, também é muito próxima da família, principalmente dos 12 netos e 5 bisnetos (por enquanto), que a motivaram na adaptação de histórias infantis sobre amizade, amor ao próximo, bondade e arte. Os livros, criados em parceria com a fotógrafa Nana Moraes, ainda esperam patrocínio.
Para vovó Sylvinha, o tempo é generoso, e a idade, um presente: “Agora eu olho para as coisas com outro olhar. Olho também o outro, e vejo algo diferente nele, algo bom. Quando se é mais jovem, não é assim. Jovem quer fazer revolução, consertar, protestar. O mais velho tem isso na cabeça, mas consegue tentar entender o próximo.”
A visão humanista de Sylvia lhe motivou a recuperar a história e continuar na luta pela verdade sobre as torturas e desaparecimentos da época da ditadura. A Carta do Elefante se fecha com um apelo da poeta à Comissão Nacional da Verdade: “Por favor, me contem a verdade, não me ocultem nada, para que tudo não se repita. Não deixem a história manchada.”
A venda da obra de Sylvia Grabois está disponível nos lançamentos e festas organizados pela autora por todo o Brasil.

Fonte:
Revista Cult: ( A Carta do Elefante )

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