quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Que Vos Daria?

Ary Scheffer
Se tiverdes um dia um capricho, senhora,
Um capricho, um delírio, uma vontade enfim,
Não exijas o carro azul que monta a Aurora
Nem da estrela da tarde o plaustro de marfim;

Nem o mar, que murmura e aí vai por mar em fora
Nem o céu d'outros céus, elos de céu sem fim,
Que se isso fosse meu, já vosso, há muito, fora.
Fora vosso o que é grande e anda em torno de mim...

Mostrásseis num só gesto ingênuo, um só desejo...
O universo que vejo e os outros que não vejo
Sofreriam por vós vosso último desdém.

Que faríeis dos sóis, grãos vis de areias d'ouro
Mulher! Pedi-me um beijo e vereis o tesouro
Que um beijo encerra e o amor que um coração contém.

Luiz Delfino (1834-1910)

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Humanidade insana

Francisco Goya – El Tres de Mayo
Os humanos se envolvem em disputas territoriais desde a Idade da Pedra, é verdade, mas a melhora tecnológica das “máquinas de matar” ao longo do último milênio fez com que os conflitos fizessem muito mais vítimas fatais em menos tempo – inclusive gente que não tinha nada a ver com a briga. Nesta lista, confira as guerras, revoltas e rebeliões que mais dizimaram vidas ao longo da história.
  1. Segunda Guerra Mundial
    Local: Todos os continentes - nem todos foram atacados, mas países de todos os continentes tomaram parte (e morreram) nesta guerra.
    Período: de 1939 a 1945 – 6 anos
    Número estimado de mortos: 40.000.000 a 72.000.000 pessoas
    Entre as vítimas deste conflito, 62% eram civis – ou seja: pessoas que não tinham nada a ver com a briga além do fato de estarem lá (e, bem, serem judeus, ciganos, homossexuais, terem uma deficiência…). Além das armas de fogo convencionais, nessa guerra rolou gás mostarda, testes com pessoas em campos de concentração e bombas nucleares.

  2. Rebelião de An Lushuan
    Local: China
    Período: de 755 a 763
    Número estimado de mortos: 33.000.000 a 36.000.000 pessoas
    O general An Lushuan, durante a dinastia Tang, resolveu se declarar imperador de uma parte da China, o que não agradou a dinastia que reinava sobre o país. Foram 8 anos de confrontos que continuaram mesmo depois da morte de An Lushuan – e terminaram com a subjugação dos rebeldes e afirmação, mesmo que frágil, da dinastia Tang.

  3. Investidas Mongóis
    Local: Ásia e leste europeu
    Período: de 1207 a 1472
    Número estimado de mortos: 30.000.000 a 60.000.000 pessoas
    Foram 265 anos de invasões empreendidas pelo povo mongol por toda a Ásia e parte da Europa. A recompensa: um império de mais de 12 milhões de quilômetros quadrados.

  4. Disputa entre a dinastia Ming e Qing
    Local: China
    Período: de 1616 a 1662
    Número estimado de mortos: 25.000.000 pessoas
    Os Qing vieram do nordeste da Grande Muralha da China e eram vassalos dos governantes da dinastia Ming (aquela dos famosos vasos de porcelana). Houve uma revolta de camponeses que depôs os Ming e criou a Dinastia Shun –só que ela não durou muito tempo: os Qing dominaram a capital Beijing e assumiram o poder dizendo que estavam restabelecendo a “ordem imperial”. Mas na verdade eles estavam era pegando o poder pra eles mesmos.

  5. Rebelião Taiping
    Local: China
    Período: de 1815 a 1864
    Número estimado de mortos: 20.000.000 a 60.000.000 pessoas
    Esta “rebelião” foi na verdade uma grande guerra civil no sul da China, liderada por um cristão, Hong Xiuquan, que dizia ser o irmão mais novo de Jesus Cristo
    (pois é…).
  6. Primeira Guerra Mundial
    Local: Todos os continentes – nem todos foram atacados, mas países de todos os continentes tomaram parte (e morreram) nesta guerra.
    Período: de 1914 a 1918
    Número estimado de mortos: 15.000.000 a 65.000.000 pessoas
    A estimativa mais alta de mortos (65 milhões) contabiliza as pessoas que pereceram da Gripe Espanhola, uma variação do vírus H1N1 (que no século XXI conhecemos como Gripe Suína). A Gripe Espanhola se espalhou generalizadamente pelo mundo no começo do século XX e a epidemia “pegou carona” na 1ª Guerra, matando de 50 a 100 milhões de pessoas em menos de 2 anos, portanto, a gripe matou mais que a guerra.

  7. Investidas de Tamerlão
    Local: Ásia
    Período: de 1369 a 1405
    Número estimado de mortos: 15.000.000 a 20.000.000 pessoas
    Não se conquista um território sem matar umas pessoas, não é mesmo? Tamerlão e seus exércitos dizimaram muita gente na Ásia para expandir o Império Timúrida, que chegou a ter mais de 5,5 milhões de quilômetros quadrados.

  8. Revolta Dungan
    Local: China
    Período: de 1862 a 1877
    Número estimado de mortos: 8.000.000 a 12.000.000 pessoas
    Os chineses da etnia Dugan (também chamada de Hui, de origem persa) se revoltaram e foram derrotados – os que sobraram desse conflito foram para territórios que hoje são parte da Rússia, Cazaquistão e Quirguistão.

  9. Guerra Civil Russa
    Local: Rússia
    Período: de 1917 a 1921
    Número estimado de mortos: 5.000.000 a 9.000.000 pessoas
    Ainda que se diga que a este conflito acabou em 1921, a verdade é que ele se prolongou por mais dois anos. O objetivo da revolta era acabar com a monarquia, mas os grupos envolvidos divergiam sobre que forma de governo seria implantada com o fim dos czares. Levou a melhor o partido bolchevique, que estabeleceu o primeiro governo inspirado no socialismo de Karl Marx.

  10. Segunda Guerra do Congo
    Local: República Democrática do Congo, África
    Período: de 1998 a 2003
    Número estimado de mortos: 3.800.000 a 5.400.000 pessoas
    Este é o conflito mais recente da lista. A Guerra acabou em um acordo entre as partes, mas a população sofre com as consequências até hoje. Em 2004, cerca de 1.000 pessoas morreram diariamente de desnutrição e doenças que seriam facilmente tratáveis se a região não estivesse tão debilitada.

  11. Guerras Napoleônicas
    Local: Europa e ilhas nos oceanos Pacífico, Atlântico e Índico
    Período: de 1804 a 1815
    Número estimado de mortos: 3.500.000 a 6.500.000 pessoas
    O francês Napoleão Bonaparte estava bombando nas conquistas de territórios na Europa, mas não deu conta de lutar no inverno russo – muitos soldados viraram picolé e outra boa parte morreu de fome. A estratégia russa era queimar as cidades pelas quais o exército invasor iria passar para evitar que fossem saqueadas e fornecessem recursos aos inimigos.

  12. Guerra dos Trinta Anos
    Local: Império Romano (Ásia, Europa e um pedacinho da África)
    Período: de 1618 a 1648
    Número estimado de mortos: 3.000.000 a 11.500.000 pessoas
    Esta versão “de bolso” de uma Guerra Mundial começou como um conflito religioso e foi tomando feições mais complexas até ninguém saber mais por que estava brigando. Muitos dos exércitos tinham mercenários em suas frentes de batalha, que trocavam de lado sempre que a oportunidade parecia interessante.
Fonte: Revista Superinteressante

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Horas Mortas

Robert McInnes - The Grape Harvest
Breve momento, após comprido dia –
De incômodos, de penas, de cansaço,
Inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
Posso a ti me entregar, doce Poesia.

Desta janela aberta à luz tardia -
Do luar em cheio a clarear no espaço,
Vejo-te vir, ouço o leve passo
Na transparência azul da noite fria.

Chegas. O ósculo teu me vivifica.
Mas é tão tarde! Rápido flutuas,
Tornando logo à etérea imensidade;

E na mesa a que escrevo apenas fica
sobre o papel - rastro das asas tuas,
Um verso, um pensamento, uma saudade.

Alberto de Oliveira (1857-1937)

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Motivo

Alphonse Mucha
Tudo o que vês
não é nada:
ou uma nuvem
ou uma palavra.

Tudo o que ouves
nada mais é:
o vento é lesto
e corre breve.

O que não vês
nem sabes mesmo
é que importava
se houvesse tempo.

Glória de Sant'Anna (1925-2009)

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Bob Marley

“Se o mundo fosse perfeito,
todo dia faria sol,
todo mar quebraria onda,
toda música seria reggae,
toda fumaça faria a cabeça...
...A vida é para quem topa qualquer parada,
e não para quem para em qualquer topada”.

Bob Marley (1945-1981)

Sequestros de Aviões

Os principais sequestros de aviões por ordem cronológica:
  • 23 de julho de 1968 - Três palestinos armados desviaram para Argel, na Argélia, um Boeing-707, que voava de Tel Aviv para Roma.
  • 21 de fevereiro de 1968 - Voo 843 da Delta Airlines, que fazia a rota Chicago-Miami, foi desviado para Havana por um passageiro armado.
  • 06 de setembro de 1970 - Palestinos armados desviam um Boeing-707 da TWA, um Douglas DC-8 da Swissair e um VC-10 da Boac para um antigo campo de pouso britânico na Jordânia. Os 255 passageiros ficaram seis dias presos nas aeronaves. Após a libertação dos reféns, os aviões foram explodidos no solo.
  • 04 de julho de 1976 - Comandos de Israel resgatam 98 reféns israelenses e judeus em Entebbe, Uganda, depois que guerrilhas palestinas sequestraram um avião da Air France.
  • 24 de dezembro de 1994 - O voo Air France 8969, que saia de Argel com destino a Paris com 220 passageiros e 12 tripulantes, é sequestrado por quatro terroristas argelinos do Grupo Armado Islâmico.
  • 16 de agosto de 2000 - No Brasil, um Boeing da Vasp, com 61 passageiros e seis tripulantes a bordo, teve sua rota desviada ao decolar de Foz do Iguaçu com destino a Curitiba, Rio de Janeiro, Brasília e São Luís. Cinco homens encapuzados obrigaram o comandante Sérgio Carmo dos Santos a pousar em Porecatu (norte do Paraná).
  • 11 de setembro de 2001 - Quase 3.000 pessoas morreram quando três aviões sequestrados pela rede terrorista da Al Qaeda foram jogados contra o World Trade Center, em Nova York, e contra o Pentágono, em Washington. Um quarto avião sequestrado caiu na zona rural da Pensilvânia.
  • 20 de fevereiro de 2002 - Um avião com cerca de 30 pessoas a bordo foi sequestrado na Colômbia e desviado para a zona rural do país. A aeronave fazia o trecho Neiva (capital do departamento de Huila)-Bogotá.
  • 01 de abril de 2003 - O avião cubano, que realizava um voo doméstico entre a ilha da Juventude e a capital cubana de Havana com 46 passageiros e tripulantes a bordo, foi sequestrado por um homem armado com duas granadas e que exigia ser levado para os Estados Unidos, ameaçando explodir o aparelho.
  • 03 de outubro de 2006 - Um avião de passageiros da companhia Turkish Airlines foi sequestrado no espaço aéreo grego, depois de decolar de Tirana, capital albanesa, com destino a Istambul. O piloto do Boeing 737-400, com 107 passageiros e seis tripulantes, conseguiu aterrissar em Brindisi, no sudeste da Itália, segundo autoridades gregas.
  • 12 de março de 2007 - A polícia do Sudão prendeu um sudanês que sequestrou um avião de passageiros com 201 passageiros e 11 tripulantes, que realizava um voo entre Trípoli, na Líbia, e Cartum. O sequestrado, identificado como Said Majluf, que portava uma faca, ordenou ao piloto que desviasse de sua rota e aterrissasse em Bangui, a capital da República Centro-Africana.
  • 18 de agosto de 2007 - Mais de cem passageiros conseguiram fugir de um avião no aeroporto de Anatólia, na Turquia, após uma tentativa de sequestro. O avião estava voando do norte do Chipre para Istambul, quando dois homens, que disseram ter uma bomba, tentaram desviá-lo para a capital do Irã, Teerã.
  • 26 de agosto de 2008 - Um Boeing-737 que transportava 87 passageiros e oito tripulantes de Niyala (no oeste do Sudão) para Cartum, foi sequestrado por três rebeldes armados com facas. Eles pretendiam sequestrar o governador da Província de Darfur, Ali Mahmoud, que supostamente viajaria nesse voo.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Acredite em você


Kim Anderson

Pros erros há perdão;
pros fracassos, chance;
pros amores impossíveis, tempo.
De nada adianta cercar um coração vazio
ou economizar alma. Um romance cujo fim
é instantâneo ou indolor não é romance.
Não deixe que a saudade sufoque,
que a rotina acomode,
que o medo impeça de tentar.
Desconfie do destino e acredite em você.
Gaste mais horas realizando que sonhando,
fazendo que planejando,
vivendo que esperando porque,
embora quem quase morre esteja vivo,
quem quase vive já morreu.

Sarah Westphal

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Ah! o amor...

“Nunca conseguimos explicar
o motivo de estar amando.
Sempre explicamos fácil
o motivo da separação.
Amar deve ser uma sábia ignorância”.

Fabrício Carpinejar

Eu fui

Sir Lawrence Alma Tadema - Hopeful
Eu fui uma mulher marítima,
as rugas chegaram antes.

Eu fui uma mulher marítima,
paisagem e pêssego,
uma faísca
entre a corda do barco
e a rocha.

Eu fui o que não sou.
Depois que inventaram o inconsciente,
a verdade fica sempre para depois.

Fabrício Carpinejar

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Haikai

Andrei Protsouk - L'Amour sous le Parapluie
Os beijos da tarde
são feitos de mil fragrâncias
de velhas saudades.

Humberto del Maestro

A Jaula

Tamas Galambos - Old Spinster with a Dove
Lá fora faz sol.
Não é mais que um sol
mas os homens olham-no
e depois cantam.

Eu não sei do sol.
Sei a melodia do anjo
e o sermão quente
do último vento.
Sei gritar até a aurora
quando a morte pousa nua
em minha sombra.

Choro debaixo do meu nome.
Aceno lenços na noite
e barcos sedentos de realidade
dançam comigo.
Oculto cravos
para escarnecer meus sonhos enfermos.

Lá fora faz sol.
Eu me visto de cinzas.

Alejandra Pizarnik (1936-1972)
Tradução: Carlos Machado

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Haikai

A noite flutua
e as rosas dormem mimosas
aos beijos da lua.

Humberto del Maestro

O Estado é Laico

O Estado é Laico e a Psicologia também.
Em apoio à decisão do CRP 8 que solicita à psicóloga Marisa Lobo que trabalhe com Ética respeitando a diversidade de orientação sexual e de gênero e para que não utilize sua religião no exercício de práticas psicológicas.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Carnaval só nosso

Giovanni Domenico Ferretti - Harlequin and His Lady
Vestidos de arco-íris vamos pelo salão
No compasso patente desse louco amor.
Ao conhecer na pele o toque da tua mão
Antevejo paixão nos teus braços, Pierrot.

Sem máscaras agora, somos apenas nós
Brincando na fantasia, que nos alucina
Esquecendo o tempo, esse nosso algoz
Recheamos de encanto cada verso, e rima
O intenso brilho do teu olhar afiança
Que não haverá cinzas na quarta-feira.

E o sabor da boca acorda a esperança
Que chega vestindo a alma, sorrateira.
Alegria rara, de repente nos envolve
No enredo desse amor, rumo certeiro
Desatina o coração, embriaga, absorve
Diz que vai ser carnaval o ano inteiro.

Glória Salles

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Quando o Carnaval chegar...

André Derain-Pierrot and Harlequin
Quando o Carnaval chegar,
Fantasiar-me-ei de rosa...
O mundo irei perfumar,
Dançarei bela e dengosa.

Fantasiar-me-ei de rosa...
Arlequim me beijará...
Dançarei bela e dengosa.
A festa nossa será.

Arlequim me beijará,
Pierrô ficará comigo,
A festa nossa será,
Desfarei amor antigo.

Pierrô ficará comigo,
Viveremos outra história,
Desfarei amor antigo,
Intriga contraditória...

Mardilê Friedrich Fabre

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Haikai

Pierre Puvis de Chavannes -Young Girls
Seus cachos de seda
são borboletas douradas
brincando na brisa.

Humberto del Maestro

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Êxodo

Chegamos à planície, onde teus olhos
inventarão o azul dos horizontes
escandidos nas unhas, como os versos
na fábula dos dias impossíveis.
Aqui o tempo enrola seus casulos
de terras e de mares estrangeiros.
E o mito desenrola-se nas sedas
da longa solidão que desfazemos.
Nestes campos noturnos nosso povo
construirá seu reino na linguagem
da Terra Prometida, que buscávamos
neste êxodo sem fim, que agora finda.

Gilberto Mendonça Teles

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Haikai

Pierre Auguste Cot - Springtime
Doze anos em flor!
A linda menina ainda
não pensa no amor.

Humberto del Maestro

A Conversão de São Paulo do Ponto de Vista Médico

A conversão de São Paulo, descrita em três ocasiões na Bíblia sagrada, ocorreu a caminho a Damasco para aprisionar cristãos. No capítulo 22 do livro de Atos, o apóstolo conta a sua experiência:
6. Ora, aconteceu que, indo eu já de caminho, e chegando perto de Damasco, quase ao meio-dia, de repente me rodeou uma grande luz do céu.
7.E caí por terra, e ouvi uma voz que me dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues?
8.E eu respondi: Quem és, Senhor? E disse-me: Eu sou Jesus Nazareno, a quem tu persegues. (ATOS. 22. 6-8) [...]
11.E, como eu não via, por causa do brilho daquela luz, fui levado pela mão dos que estavam comigo, e cheguei a Damasco. (ATOS. 22: 11)

Em A Conversão de São Paulo , de Michelangelo (1475–1564), Paulo é retratado no chão, ofuscado pela visão de uma luz divina:
Michelangelo Buonarroti - A Conversão de São Paulo

- Em Atos, o apóstolo relata que uma luz brilhante o cegou e que, em seguida, caiu no chão. Sua visão foi recuperada somente após três dias. A experiência de Paulo foi atribuída a uma crise epiléptica do lobo temporal com aura emocional que talvez tenha evoluído para generalização secundária, que foi assustadora e dramática, seguida de cegueira cortical pós-ictal.
(Landsborough, 1987)
Em algumas de suas cartas, Paulo dizia possuir uma enfermidade que quem padecia costumava ser desprezado. Lembremos que, à época, a epilepsia era chamada de "morbus insputatus": doença cuspida; pois, lamentavelmente, o preconceito gerou um costume que perdurou durante séculos: cuspir nos epilépticos.
Nas cartas, Paulo também afirma que, por vezes, sentiu-se arrebatado para o Paraíso. Tal sensação é atribuída à aura extática, outrora descrita pelo escritor russo Fíodor Dostoiévski, epiléptico que afirmou que durante os segundos antecedentes a crise, sentia-se “no céu”:

”Que importa que seja doença? Quem mal faz que seja uma intensidade anormal, se esse fragmento de segundo, recordado e analisado depois, na hora da saúde, assume o valor da síntese da harmonia e beleza, visto proporcionar uma sensação desconhecida e não advinda antes? Um estado de ápice, de reconciliação, de inteireza e de êxtase devocional, fazendo a criatura ascender à mais alta escala da vivência? ... Sim, por este momento se daria toda a vida!”
Dostoiévski - O Idiota
Curiosidade: Antigamente, na Irlanda, a epilepsia era chamada de "doença de São Paulo".
Referências:
1. LANDSBORROUGH D. St. Paul and temporal lobe epilepsy. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1987.
2. DOSTOIÉVSKI, Fíodor "O Idiota" Editora José Olympio, 1951 - Rio de Janeiro.
3. BÍBLIA SAGRADA - Tradução de João Ferreira de Almeida.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Sofismas

(Pintura de Anouk Lacasse)
Às vezes
eu sou chuva
e escorro pelas valas
da desilusão.

Às vezes
sou vento
e percorro alamedas
inutilmente.

Por que sou chuva?
Por que sou vento?
Por que reclamo poemas?
cânticos tão verdes?
se já sou inverno
a entoar hinos de hosana
entre folhas secas
pisadas
machucadas demais
para inventarmos outra igual.

Alvina Tzovenos

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Albinismo em Pintura Alemã

O distúrbio hereditário conhecido como albinismo (latim: albus = branco), – conseguinte à ausência da enzima tirosinase nos melanócitos – resulta no bloqueio irreversível da síntese de melanina, ocasionando ausência completa ou parcial de pigmento na pele, cabelos e olhos.
O expressionista alemão
Otto Dix registrou numa de suas pinturas uma jovem portadora de um sugestivo fenótipo desta condição:
Otto Dix - Menina nua
A “Menina Nua” possivelmente sofre de despigmentação oculocutânea, subtipo de albinismo também conhecido como tiroxinase-negativo, em que todo o corpo é afetado.

REFERÊNCIAS:
Emery, M. “Genetics in art”. J Med Genet 1994;31:420-422.


domingo, 12 de fevereiro de 2012

Descobrimento

Mário de Andrade por Tarsila do Amaral
Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da Rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.

Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!
muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu
Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.

Esse homem é brasileiro que nem eu.

Mário de Andrade (1893 -1945)

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Os Portadores de Sonhos

Alfred Glendening
Em todas as profecias está prevista a destruição do mundo.
Todas as profecias dizem que o homem criará sua própria destruição.
Porem os séculos e a vida que sempre se renovam criariam também uma geração de amantes e sonhadores; homens e mulheres que não sonharam com a destruição do mundo, e sim com a construção do mundo das mariposas e dos rouxinóis.
Desde pequeninos vinham marcados pelo amor. or trás de sua aparência cotidiana guardavam a ternura e o sol da meia-noite.
Suas mães os encontraram chorando por um pássaro morto e mais tarde muitos foram encontrados mortos como pássaros.
Estes seres coabitaram com mulheres translúcidas e elas ficaram prenhes de mel e de filhos reverdecidos por um inverno de carícias.
Foi assim que proliferaram no mundo os portadores de sonhos, atacados ferozmente pelos portadores de profecias que falavam de catástrofes.
Foram chamados iludidos, românticos, pensadores de utopias, disseram que suas palavras eram velhas -e de fato eram porque a memória do paraíso é antiga no coração do homem – os acumuladores de riquezas os temiam e lançavam seus exércitos contra eles, mas os portadores de sonhos faziam amor todas as noites e do seu ventre brotava a semente que não somente portava sonhos mas que os multiplicavam e os fazia correr e falar.
E assim o mundo criou de novo a sua vida da mesma forma que havia criado os que inventaram a maneira de apagar o sol.
Os portadores de sonhos sobreviveram aos climas gélidos e nos climas quentes pareciam brotar por geração espontânea.
Quem sabe as palmeiras, os céus azuis, as chuvas torrenciais tiveram a ver com isso, a verdade é que, como formiguinhas operárias estes espécimes não deixavam de sonhar e construir mundos formosos, mundo de irmãos, de homens e mulheres que se chamavam companheiros, que se ensinavam a ler uns aos outros, consolavam-se diante da morte, se curavam e se cuidavam entre si, se ajudavam na arte de querer e na defesa da felicidade.
Eram felizes em seu mundo de açúcar e de vento e de todas as partes vinha gente impregnar-se de alento e de suas claras percepções e de lá partiam os que os haviam conhecido portando sonhos, sonhando com novas profecias que falavam de tempos de mariposas e rouxinóis, onde o mundo não haveria de findar na hecatombe mas onde os cientistas desenhariam fontes, jardins, brinquedos surpreendentes para fazer mais gostosa a felicidade do homem.
São perigosos – imprimiam as grandes rotativas.
São perigosos – diziam os presidentes em seus discursos.
São perigosos – murmuravam os artífices da guerra.
Devem ser destruídos – imprimiam as grandes rotativas.
Devem ser destruídos – diziam os presidentes em seus discursos.
Devem ser destruídos – murmuravam os artífices da guerra.
Os portadores de sonhos conheciam seu poder e por isso nada achavam de estranho e sabiam também que a vida os havia criado para proteger-se da morte que as profecias anunciam.
E por isso defendiam sua vida até a morte. E por isso cultivavam os jardins de sonhos e os exportavam com grandes laços coloridos e os profetas obscuros passavam noites e dias inteiros vigiando as passagens e os caminhos procurando essas cargas perigosas que nunca conseguiram encontrar porque quem não tem olhos para sonhar não enxerga os sonhos nem de dia, nem de noite.
E no mundo sucedeu um grande tráfico de sonhos que os traficantes da morte não podiam estancar; em todas as partes há pacotes com laços de fita que só esta nova raça de homens pode ver e a semente destes sonhos não se pode detectar porque está envolta em corações vermelhos ou em amplos vestidos de maternidade onde pezinhos sonhadores sapateiam nos ventres que os carregam.
Dizem que a terra depois de os haver parido desencadeou um céu de arco-íris e soprou de fecundidade as raízes das árvores.
Nós sabemos que os vimos, sabemos que a vida os criou para proteger-se da morte que as profecias anunciam.
Gioconda Belli Escritora da Nicarágua.
Tradução: Celso Japiassu.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A Paz quase impossível

John William Godward
Tudo é parede em torno, tudo é nada
e em vão martelo o crânio contra o muro,
os ladrilhos manchados da prisão,
o cárcere maldito, a solitária,
a cela-surda em que não sento ou deito,
mastigando os insetos do meu dia,
a palavra travada, a fala morta
no tubo amordaçado da garganta,
eu, Sísifo rolando a pedra bruta,
eu, Prometeu acorrentado e exposto
ao abutre infernal, eu, navegante
sem bússola ou sextante, remo ou vela,
eu, estrangeiro indesejado, eu, morto,
insistindo no jogo de estar vivo.

Reynaldo Valinho Alvarez

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Voo

Will Bullas - U is for Untitled...
Museu, porto no ar:
os termos que a vida cobra
pra glória aterrar.

Lívio Oliveira

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Lugar

Giorgione (Giorgio da Castelfranco)
Poema onde vivo
todo espanto melífluo
que faz o meu canto.

Lívio Oliveira

A atualidade de Padre Antônio Vieira

O primeiro biógrafo do padre Antônio Vieira, o também padre jesuíta André de Barros, no livro lançado em 1746, conta que o futuro genial pregador era, na infância, um tanto quanto parco de inteligência. Aluno limitado, Vieira tinha grandes dificuldades para assimilar as lições.
Enorme, no entanto era a sua devoção à Virgem Maria, a quem suplicava luzes, entendimento. Certo dia, rezando à santa, “inflamado todo em desejo de saber”, o menino Antônio Vieira teve um estalo, de repente algo como que se arrebentou em sua cabeça, explodiu. O estalo “foi tão forte que lhe parecia que morria”, conta o biógrafo.
Passado o estupor, eis que o cérebro de Vieira desanuvia-se, desembota, ilumina-se, vão-se as dificuldades, desaparece o aluno medíocre e começa a nascer o mais extraordinário de nossos oradores sacros, o mais escorreito escritor da língua portuguesa.
Daí, por séculos, a expressão estalo de Vieira incorpora-se ao uso corrente, para significar a repentina, miraculosa iluminação da ignorância pelo entendimento, das trevas pela luz, da estupidez pela inteligência, da pasmaceira pela agilidade.
E aqui me ocorre um sermão do padre Antônio Vieira - com a cabeça já devidamente estalada - sobre o mal que os aduladores fazem aos governantes. É o “Sermão da Primeira Sexta-Feira da Quaresma”, pregado em Lisboa, na Capela Real, em 1649, e tido por alguns como um dos mais sublimes e eloquentes sermões de Vieira.
Diz o pregador: “Entre os políticos, Xenofonte, Tácito, Cassiodoro; entre os historiadores, Tito Lívio, Suetônio, Quinto Cúrcio; entre os filósofos, Sêneca, Plutarco, Severino Boécio; entre os santos padres, Jerônimo, Crisóstomo, Gregório, Agostinho, Bernardo, todos, só com discrepância no encarecimento, dizem e ensinam, concordemente, que os inimigos dos reis, e os maiores inimigos, são os aduladores”.
Citando Santo Agostinho, Vieira diz que o bispo de Hipona ensinava que há dois gêneros de inimigos dos governantes, “uns que perseguem, outros que adulam” e que se há de temer mais “a língua do adulador que as mãos do perseguidor”.
De Pitágoras, recolhe este ensinamento a quem governa: “Gosta antes dos que te arguem, do que dos que te adulam, e tem maior aversão aos aduladores que aos inimigos, porque são piores”.
E Vieira lembra a recomendação de outro filósofo grego, Sócrates: “À benevolência dos aduladores dá-lhe logo as costas, e foge deles como de inimigos”.
Continua o padre: “Uns autores comparam estes aduladores ao camaleão, que não tem cor certa nem própria, se reveste e pinta de todas as cores, quaisquer que sejam as do objeto vizinho. Outros os comparam à sombra, que não tem outra ação, figura ou movimento, que a do corpo interposto à luz, do qual nunca se aparta, e sempre e para qualquer parte o segue”.
No entanto, Vieira considera que a melhor comparação do governismo idólatra e interesseiro foi feita por Santo Agostinho, que comparou os bajuladores com o eco: “O eco sempre repete o que diz a voz, nem sabe dizer outra coisa; e onde as concavidades são muitas (os corredores palacianos, legislativos e ministeriais , diria eu), é cena verdadeiramente aprazível ver como os ecos se vão respondendo uns aos outros, e todos sem discrepância dizendo o mesmo. O que disse a primeira voz, é o que todos uniformemente repetem”.

Prodigiosa, sublime a cabeça de Vieira depois de estalada.
De quanta atualidade os seus sermões!

Padre Antônio Vieira nasceu em Lisboa no dia 6 de fevereiro de 1608 e faleceu na Bahia a 17 de junho de1697.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Esperanças e Dúvidas

Sir Lawrence Alma-Tadema - The Discourse
Sandro Botticelli - A Lady and Four Allegorical
Independentemente da época as esperanças ou dúvidas, a pintura é sempre sobre pessoas: toda arte é sempre sobre pessoas. Experiência humana é o referente uma constante e inevitável em qualquer trabalho criativo. Mesmo um pedaço de música que imita o canto dos pássaros ou uma tempestade está a impor uma interpretação humana sobre essas coisas.
Quando uma paisagem é preenchida apenas com montanhas e fendas profundas, ele sugere um estado de espírito humano, e quando o retrato de um pesadelo mostra beligerantes cores e formas sombrias, ela também fala de uma compreensão humana para outra.
Figuras de Romanos que Alma-Tadema pinta e donzelas celestiais de Botticelli em grande estilo, são mundos distantes de hoje, mas todas essas formas chamam-nos a entrar e quase podemos ouvi-los. Elas nos fazem sentir que a vida é importante.