O primeiro biógrafo do padre Antônio Vieira, o também padre jesuíta André de Barros, no livro lançado em 1746, conta que o futuro genial pregador era, na infância, um tanto quanto parco de inteligência. Aluno limitado, Vieira tinha grandes dificuldades para assimilar as lições.
Enorme, no entanto era a sua devoção à Virgem Maria, a quem suplicava luzes, entendimento. Certo dia, rezando à santa, “inflamado todo em desejo de saber”, o menino Antônio Vieira teve um estalo, de repente algo como que se arrebentou em sua cabeça, explodiu. O estalo “foi tão forte que lhe parecia que morria”, conta o biógrafo.
Passado o estupor, eis que o cérebro de Vieira desanuvia-se, desembota, ilumina-se, vão-se as dificuldades, desaparece o aluno medíocre e começa a nascer o mais extraordinário de nossos oradores sacros, o mais escorreito escritor da língua portuguesa.
Daí, por séculos, a expressão estalo de Vieira incorpora-se ao uso corrente, para significar a repentina, miraculosa iluminação da ignorância pelo entendimento, das trevas pela luz, da estupidez pela inteligência, da pasmaceira pela agilidade.
E aqui me ocorre um sermão do padre Antônio Vieira - com a cabeça já devidamente estalada - sobre o mal que os aduladores fazem aos governantes. É o “Sermão da Primeira Sexta-Feira da Quaresma”, pregado em Lisboa, na Capela Real, em 1649, e tido por alguns como um dos mais sublimes e eloquentes sermões de Vieira.
Diz o pregador: “Entre os políticos, Xenofonte, Tácito, Cassiodoro; entre os historiadores, Tito Lívio, Suetônio, Quinto Cúrcio; entre os filósofos, Sêneca, Plutarco, Severino Boécio; entre os santos padres, Jerônimo, Crisóstomo, Gregório, Agostinho, Bernardo, todos, só com discrepância no encarecimento, dizem e ensinam, concordemente, que os inimigos dos reis, e os maiores inimigos, são os aduladores”.
Citando Santo Agostinho, Vieira diz que o bispo de Hipona ensinava que há dois gêneros de inimigos dos governantes, “uns que perseguem, outros que adulam” e que se há de temer mais “a língua do adulador que as mãos do perseguidor”.
De Pitágoras, recolhe este ensinamento a quem governa: “Gosta antes dos que te arguem, do que dos que te adulam, e tem maior aversão aos aduladores que aos inimigos, porque são piores”.
E Vieira lembra a recomendação de outro filósofo grego, Sócrates: “À benevolência dos aduladores dá-lhe logo as costas, e foge deles como de inimigos”.
Continua o padre: “Uns autores comparam estes aduladores ao camaleão, que não tem cor certa nem própria, se reveste e pinta de todas as cores, quaisquer que sejam as do objeto vizinho. Outros os comparam à sombra, que não tem outra ação, figura ou movimento, que a do corpo interposto à luz, do qual nunca se aparta, e sempre e para qualquer parte o segue”.
No entanto, Vieira considera que a melhor comparação do governismo idólatra e interesseiro foi feita por Santo Agostinho, que comparou os bajuladores com o eco: “O eco sempre repete o que diz a voz, nem sabe dizer outra coisa; e onde as concavidades são muitas (os corredores palacianos, legislativos e ministeriais , diria eu), é cena verdadeiramente aprazível ver como os ecos se vão respondendo uns aos outros, e todos sem discrepância dizendo o mesmo. O que disse a primeira voz, é o que todos uniformemente repetem”.
Prodigiosa, sublime a cabeça de Vieira depois de estalada.
De quanta atualidade os seus sermões!
Padre Antônio Vieira nasceu em Lisboa no dia 6 de fevereiro de 1608 e faleceu na Bahia a 17 de junho de1697.