segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Lobo da Estepe

Albert Anker - Chapeuzinho vermelho

Lobo da estepe, vou eu trotando, trotando.
O mundo cobre-se todo de neve.
De uma bétula, sai voando um corvo;
mas em nenhum lugar se vê uma lebre,
não se vê uma gazela.
Com as gazelas sou tão delicado,
ah, se uma aparecesse!
Tomá-la-ia nas garras, nos dentes:
não há coisa mais linda.
Aos mansos, mostro o meu bom coração:
em seus tenros pernis enterraria suavemente os dentes,
e o sangue claro eu iria sorvendo até mais não poder,
para ficar depois a noite inteira uivando em solidão.
Uma lebre já me contentaria:
mornas carnes de gosto doce à noite.
— Mas será que de mim se esconde tudo
que torna a vida um pouco mais bonita?
Em minha cauda o pelo já branqueia
e eu já não tenho a vista tão certeira;
faz anos que morreu-me a companheira.
Agora vou eu trotando e sonhando com gazelas,
vou eu trotando e sonhando com lebres,
ouvindo o vento a zunir na noite de inverno;
engulo neve, a ver se a goela me acalma,
e vou seguindo com o diabo na alma.

Hermann Hesse (1877-1962)

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