sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O beijo na boca dos poetas Walt Whitman e Oscar Wilde

Oscar Wilde, que morreu com apenas 46 anos em 1900, talvez tenha sido o primeiro metrossexual da história, um poderoso antecessor do cantor David Bowie e do jogador de futebol David Beckham. Ao visitar os Estados Unidos, em 1882, para uma série de conferências — a principal dela “Renascimento inglês”, sobre o esteticismo —, escandalizou e mesmerizou muitos americanos e se tornou uma estrela possivelmente maior do que Charles Dickens. As roupas de Wilde, berrantes e estilosas, atraíam os olhares de homens e mulheres. Seu casaco verde, bem diferente dos sombrios casacos dos americanos, encantava a todos. Aos 28 anos, gastador inveterado, o poeta, dramaturgo e escritor irlandês estava praticamente falido e aceitou as conferências para ganhar dinheiro. A turnê rendeu 18.215,69 dólares e o criador do romance “O Retrato de Dorian Gray” faturou 5.605,15 dólares — uma quantia considerável”, diz Richard Ellmann na biografia “Oscar Wilde” (Companhia das Letras, 542 páginas, tradução de José Antônio Arantes). Há histórias divertidas e, algumas, hilariantes na visita feita aos “súditos” do rico país de Abraham Lincoln. O encontro mais impressionante, que será mais explorado neste texto, se deu com Walt Whitman, maior poeta americano. Wilde conversou também com os escritores Oliver Wendell Holmes, Edmund Gosse e Henry James e com os políticos Jefferson Davis, presidente do Sul Confederado durante a Guerra Civil Americana, e Ulysses S. Grant. O foco deste texto é o diálogo entre o “príncipe inglês” e o “rei” Whitman, mas abrirei breve espaço para o encontro com James, Gosse, Davis e Grant.

“Quando foi ao Sul para passar uma noite com Jefferson Davis”, Wilde “percebeu uma analogia entre a Confederação do Sul e a irlandesa; ambas saíram à luta e tombaram, e a busca do autogoverno tornava-as semelhantes”, anota Ellmann. Ao término do encontro histórico, o escritor teria dito: “Os princípios pelos quais Jefferson Davis e o Sul empreenderam a guerra não podem ser derrotados”. O biógrafo conta que, mais tarde, Wilde relatou “que, no Sul, toda vez que se fazia algum comentário, respondiam: ‘Precisava ter visto isso antes da guerra’. Ele só percebeu o grau de devastação acarretada pela guerra quando, certa noite, em Charleston, virou-se para uma pessoa e disse: ‘Como é linda a lua!’. Como resposta obteve: ‘Precisava tê-la visto antes da guerra, senhor’”. Depois do encontro com Grant, em Long Branch, Wilde avaliou que o Norte tinha “características admiráveis”.

Um repórter quis saber qual era o poeta americano que mais admirava. Wilde não hesitou: “Penso que Walt Whitman e Emerson deram ao mundo mais do que qualquer outro”. Ellmann corrige o escritor, ligeiramente: “Na verdade Wilde estimava sobretudo Poe, ‘este maravilhoso senhor da expressão rítmica’, mas Poe estava morto”. Aos repórteres entusiasmados — Wilde era apresentado como hoje são exibidos cantores de rock ou de música pop —, repetia: “Quero demais conhecer o sr. Whitman. Talvez não seja muito lido na Inglaterra, mas os ingleses só apreciam um poeta após sua morte. Há algo de extremamente grego e equilibrado em sua poesia; ela é tão abrangente, tão universal. Contém todo o panteísmo de Goethe e de Schiller”.
Inicialmente, Whitman não quis sair de Camden, em Nova Jersey, para se encontrar com Wilde, mas, após ouvir os elogios, enviou um cartão para J. M. Stoddart, amigo do escritor: “Walt Whitman estará em casa esta tarde das 14 às 15h30 e terá prazer em ver o sr. Wilde e o sr. Stoddart”.
Whitman aprovou o elogio de Wilde às massas americanas, que seriam “superiores” às inglesas e europeias. A conversa, que era para durar alguns minutos, durou mais de duas horas. Quando Wilde ia saindo de sua casa, Whitman gritou-lhe: “Adeus, Oscar, Deus o abençoe”. A Stoddart, emocionado, Wilde chamou o poeta americano de “o nobre velho”. Stoddart disse que o vinho de sabugo devia ser muito ruim, mas Wilde indignou-se: “Se tivesse vinagre, eu o teria bebido da mesma forma, pois tenho por aquele homem uma admiração que mal sei expressar”. A um repórter, acrescentou: “É o homem mais nobre que conheci, o mais simples, o mais espontâneo, e mais forte personalidade que jamais encontrei na vida. Considero-o um daqueles homens maravilhosos, magnânimos e íntegros que poderiam ter vivido em qualquer época sem terem pertencido a qualquer povo. Forte, autêntico e perfeitamente lúcido: a mais estreita semelhança com os gregos que já encontramos nos tempos modernos”.
Wilde dizia, então, que a poesia de Whitman, na menção de Ellmann, “era toda conteúdo e nenhuma forma” (o que contrariava seus próprios princípios). Mais tarde, num julgamento mais crítico, disse de Whitman: “Se não um poeta, é um homem que faz e fez o apropriado, talvez nem prosa nem poesia, mas algo que lhe é próprio, original e único”. O verso livre, uma revolução, foi percebido assim pelo bardo irlandês. Whitman, instado a avaliar Wilde, disse, segundo Ellmann, que o irlandês “tinha a suprema virtude de ser jovem e ‘muito franco, direto e decidido’”. Quase sempre afetado, ao conversar com Whitman, Wilde descartou os maneirismos. “Vi os bastidores”, disse o americano, que atacou os críticos do novo amigo: “Não vejo por que o ridicularizam escrevendo essas coisas. Ele tem a fala arrastada da sociedade inglesa, mas sua pronúncia é melhor do que a que já ouvi de um jovem inglês ou irlandês”. Ao jovem amigo Henry Stafford, o autor de “Folhas de Relva” disse: “Wilde teve o bom senso de agradar-se de mim”.
Numa segunda visita a Whitman, sem a presença de intrusos, a conversa foi mais animada. Wilde relatou ao amigo George Ives “que Whitman não se preocupou em esconder dele sua homossexualidade”. “Ainda sinto nos lábios o beijo de Walt Whitman”, admitiu, prazerosamente, Wilde. “Embaixo de uma dedicatória de Whitman, Wilde escreveu sobre ele: ‘O espírito que vive inocentemente mas ousou beijar a boca ferida de seu próprio século’”, cita Ellmann.
Em 1888, seis anos depois, Whitman rompeu literariamente com Wilde em “Ramos de Novembro”: “Ninguém entenderá meus versos insistindo em vê-los como realização literária [...] ou como se aspirassem sobretudo à arte e ao esteticismo”. O poeta americano definitivamente não queria ser guru do movimento “liderado” por Wilde. Este, ao se defender, sugeriu que “o valor da poesia de Whitman residia ‘em sua profecia, não em sua realização. [...] Como homem, ele é precursor de um novo modelo. Contribuiu para a heroica e espiritual evolução do ser humano. Se a poesia o desdenhou, a filosofia o levará em conta’”. Whitman atacou por último: “Ele [Wilde] nunca foi uma chama luminosa, mas foi uma luz regular”. Comparado a Whitman, como poeta, certamente Wilde é “uma luz regular”, enquanto o americano é “uma chama luminosa”. Mas algumas de suas peças, e mesmo o romance “O Retrato de Dorian Gray”, além do belíssimo canto do cisne “De Profundis”, merecem crédito. Além de Wilde ser um frasista admirável, amplamente citado. O conflito entre Whitman e Wilde resulta de uma guerra de estrelas — uma julgando-se superior à outra. Mas deve ser realmente “duro” quando o “novo” percebe que não é superior ao “velho”.

Fonte:
Revista Bula: ( Walt Whitman e Oscar Wilde )

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