quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Ternura e Cavalheirismo

Edmund Blair Leighton
Quem morreu primeiro: a ternura ou cavalheirismo ?
A mulher está mais agressiva. O homem, menos gentil.
Quem começou isso primeiro ?

A noite está uma guerra – queixa-se a moça bonita e solteira. Agora nem preciso mais chegar junto – festeja o carinha de calça skinny e barba de oito dias. Vou meter o dedo no olho dela – ameaça a namoradinha, vendo uma periguete arrastando a asa pros seus domínios. Nós somos Constantinopla e elas são os turcos – comemora Marcos Palmeira na abertura do longa “E Aí, Comeu?”, de Felipe Joffily.
Já vem acontecendo faz tempo, não é novidade. Pode ser resquício da queima de sutiãs ou das primeiras CEOs, não sei. Fato é que elas estão se portando como iguais aos homens. Estão mais objetivas, mais focadas, com menos mimimi. Também vão pra cima, também xavecam, também derrubam. Fazem isso em plena luz do dia, no trabalho, nas aulas de Cross Fit, no trânsito. E repetem o comportamento durante a noite também, claro. Mordem e deixam roxo. O Alfa se ressente. Gosta da pegada varejo que a night se tornou, mas reclama: a mulherada perdeu a ternura. Perdeu mesmo, verdade. Há registros inclusive de uma moça que recusou flores, porque teria que pôr no vaso e eventualmente regar. Estão muito brutas – diz outro queixoso. Me atacaram como se eu fosse um objeto – acusa o gatinho, sorrindo dentes quebrados.
Ainda ganham menos, segundo pesquisas (coisa que daria outra crônica; se quiserem escrevo). Ganham menos até nos torneios de tênis. Agora, se as mulheres perderam um pouco a ternura, os homens também deixaram de ser cavalheiros. Pararam de seguir a etiqueta das relações afetivas – para seguir o Bolsonaro no "feice". Elas vieram pra cima, e eles deixaram de ser gentis. Coisa mais comum do mundo, hoje, é dividir a conta – algumas vezes até separando uma cerveja a mais num lado, uma caipirinha de saquê no outro. Vixe, nossa, uia. Não abrimos mais a porta do carro pra elas. Credo. Tem gente até que deixa a moça no ponto de táxi, depois do dois-vira-quatro-acaba. O homem, diante de um rebolado, parou de receber a verve de Fernando Pessoa para encarnar Compadre Washington. Gente do céu ! Estamos tratando as mulheres como iguais ! Tudo bem que elas querem isso mesmo, mas não precisa tratar como igual o tempo todo. Se isso é bom para o ambiente corporativo, é no mínimo cegueira anatômica para a vida lá fora (que é onde as melhores coisas acontecem).
Mas quem começou primeiro ? Os homens, que desencanaram da sedução protocolar básica – ou as mulheres, que desistiram do modelo de conduta consagrado desde Maria Madalena ? Qual foi o primeiro pé que chutou as convenções ? Quem começou com essa de ser igual até na sedução ? Quem é ovo e quem é ave, aqui ?
Eu não sei responder. Sei, isso sim, que ficou pálido, sem nenhuma cor. Ternura nunca fez mal a ninguém, pelo contrário. Não fosse a ternura não haveria o filho mais velho dela (o cafuné), nem o irmão caçula (o bolo de chocolate). E ser cavalheiro é tipo Stones, Michelangelo e jeans com camiseta branca. Básico. Moderno.
Digo tudo isso acima porque me parece ser assunto quente para esta semana pré-natal, quando as pessoas costumam se refugiar bastante em bar. Amigo secreto, encontros de escola aterradores, festa da firma, não falta mesa. Também não vai faltar menino querendo rachar conta e menina querendo conversar de homem pra homem. Me parece o ambiente adequado para discussões infindáveis como essa, apesar da ressaca que inapelavelmente virá em seguida. Então, aqueçam os argumentos e me digam: quem começou primeiro ?

Fonte:
Jornal Estadão: ( Autor: Lusa Silvestre)

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