Publicada em 1859, quando o escritor tinha pouco mais de trinta anos, Felicidade conjugal é talvez a primeira obra-prima de Lev Tolstói e prenuncia um tema que terá importância fundamental na vida do autor russo - o tema do desejo, neste caso apreendido do ponto de vista feminino. descreve com precisão os ciclos da paixão e seu trágico declínio.
Grandes amores quase sempre vêm acompanhados de grandes tragédias. Pelo menos na boa literatura, no bom cinema, no bom folhetim exibido semanalmente na TV.
Geralmente os pombinhos são separados pelo rei, pela irmã malvada, pela classe social, por traições, guerra, morte; pela amante, pela tia chantagista e por aí vai.
A impossibilidade de viver o amor é o que parece torná-lo eterno.
Os amantes sofrem. Alguns enlouquecem. Outros se casam, mas não esquecem jamais “o grande amor”.
Porém há, também, um tipo de tragédia amorosa tão dolorosa quanto a separação involuntária: o fim do amor.
Perceber, admitir, conceber a ideia de que o amor não dói como antes, não rouba o ar, não alegra na presença nem entristece na ausência é tão (se não mais) trágico quanto ser impedido de amar.
Na novela Felicidade Conjugal, de Lev Tolstói (tradução de Boris Schnaiderman, Editora 34), acompanhamos a decadência não de um casal, mas de uma paixão, que surgiu fresca como a relva, cheia de promessas, palpitações e rubores, e termina feito a febre, como diz Stendhal em seu livro Do Amor: “O amor é como a febre, nasce e morre sem que a vontade venha a representar o menor papel”.
Diferentemente dos demais livros do autor – que envolvem questões ético-religiosas – em Felicidade Conjugal Tolstói se ocupa em nos apresentar o que poderíamos chamar de “ciclo da paixão”.
Descreve com precisão, através da personagem Mária Aleksândrovna, a deliciosa ilusão da simbiose dos primeiros momentos:
“Eu sabia que ele me amava (...), tinha em alto preço este amor, e, sentindo que ele me considerava como a melhor das moças no mundo, não podia deixar de desejar que esta mentira permanecesse nele. E, involuntariamente, eu o enganava. Mas enganando-o, eu própria me tornava melhor”.
Em outro trecho:
“Mas eu pensava nele agora de modo completamente diverso daquela noite em que soubera pela primeira vez que o amava, eu pensava nele como em mim mesma, ligando-o sem querer a cada pensamento sobre meu futuro (...), tinha a impressão de que, em dois, seríamos tão infinita e tranquilamente felizes”.
O que vem depois? O sentimento de posse e ciúmes que aos poucos começa a roer os ossos. A dúvida sobre a qualidade do afeto do outro. Vontades contrárias. Expectativas não partilhadas.
Quando Mária Aleksândrovna se percebe independente, com vontades próprias e demandas particulares, quando ambos se dão conta de que não são “um”, sentem-se traídos um pelo outro.
O resultado dessa traição tácita é o afastamento e por fim... o fim da paixão.
“Pela primeira vez, lembrei vivamente nossos primeiros tempos na aldeia, os nossos projetos, pela primeira vez surgiu-me na cabeça a pergunta: quais foram, afinal, as alegrias dele no decorrer de todo esse tempo? E me senti culpada perante ele. ‘Mas por que ele não me deteve, por que foi insincero comigo, por que evitou explicações, por que me ofendeu? - perguntei a mim mesma – Por que não utilizou sobre mim o poderio do seu amor? Ou não me amava’?”
Tentando buscar explicações para o fim, o amante Sierguiéi Mikháilitch argumenta:
“Eu lamento, eu choro aquele amor passado, que não existe nem pode existir mais. Quem é culpado disso? Não sei. Sobrou o amor, mas não aquele, sobrou o seu lugar, mas o amor ficou totalmente dolorido, não tem mais força nem suculência, ficaram as recordações e a gratidão, mas”...
O livro foi inspirado nas relações pessoais de Tolstói com V. V. Arsiênieva – moça com quem viveu uma história de amor antes de seu casamento – e considerada pelo próprio autor como “uma ignomínia vergonhosa”, Felicidade Conjugal nos faz crer em suas páginas que não apenas Romeu e Julieta foram vítimas de uma tragédia amorosa, mas também Mária Aleksândrovna e Sierguiéi Mikháilitch, que viram o amor-paixão nascer e morrer, pois um amor que morre ante nossos olhos é como um natimorto: quase impossível de enterrar.
Grandes amores quase sempre vêm acompanhados de grandes tragédias. Pelo menos na boa literatura, no bom cinema, no bom folhetim exibido semanalmente na TV.
Geralmente os pombinhos são separados pelo rei, pela irmã malvada, pela classe social, por traições, guerra, morte; pela amante, pela tia chantagista e por aí vai.
A impossibilidade de viver o amor é o que parece torná-lo eterno.
Os amantes sofrem. Alguns enlouquecem. Outros se casam, mas não esquecem jamais “o grande amor”.
Porém há, também, um tipo de tragédia amorosa tão dolorosa quanto a separação involuntária: o fim do amor.
Perceber, admitir, conceber a ideia de que o amor não dói como antes, não rouba o ar, não alegra na presença nem entristece na ausência é tão (se não mais) trágico quanto ser impedido de amar.
Na novela Felicidade Conjugal, de Lev Tolstói (tradução de Boris Schnaiderman, Editora 34), acompanhamos a decadência não de um casal, mas de uma paixão, que surgiu fresca como a relva, cheia de promessas, palpitações e rubores, e termina feito a febre, como diz Stendhal em seu livro Do Amor: “O amor é como a febre, nasce e morre sem que a vontade venha a representar o menor papel”.
Diferentemente dos demais livros do autor – que envolvem questões ético-religiosas – em Felicidade Conjugal Tolstói se ocupa em nos apresentar o que poderíamos chamar de “ciclo da paixão”.
Descreve com precisão, através da personagem Mária Aleksândrovna, a deliciosa ilusão da simbiose dos primeiros momentos:
“Eu sabia que ele me amava (...), tinha em alto preço este amor, e, sentindo que ele me considerava como a melhor das moças no mundo, não podia deixar de desejar que esta mentira permanecesse nele. E, involuntariamente, eu o enganava. Mas enganando-o, eu própria me tornava melhor”.
Em outro trecho:
“Mas eu pensava nele agora de modo completamente diverso daquela noite em que soubera pela primeira vez que o amava, eu pensava nele como em mim mesma, ligando-o sem querer a cada pensamento sobre meu futuro (...), tinha a impressão de que, em dois, seríamos tão infinita e tranquilamente felizes”.
O que vem depois? O sentimento de posse e ciúmes que aos poucos começa a roer os ossos. A dúvida sobre a qualidade do afeto do outro. Vontades contrárias. Expectativas não partilhadas.
Quando Mária Aleksândrovna se percebe independente, com vontades próprias e demandas particulares, quando ambos se dão conta de que não são “um”, sentem-se traídos um pelo outro.
O resultado dessa traição tácita é o afastamento e por fim... o fim da paixão.
“Pela primeira vez, lembrei vivamente nossos primeiros tempos na aldeia, os nossos projetos, pela primeira vez surgiu-me na cabeça a pergunta: quais foram, afinal, as alegrias dele no decorrer de todo esse tempo? E me senti culpada perante ele. ‘Mas por que ele não me deteve, por que foi insincero comigo, por que evitou explicações, por que me ofendeu? - perguntei a mim mesma – Por que não utilizou sobre mim o poderio do seu amor? Ou não me amava’?”
Tentando buscar explicações para o fim, o amante Sierguiéi Mikháilitch argumenta:
“Eu lamento, eu choro aquele amor passado, que não existe nem pode existir mais. Quem é culpado disso? Não sei. Sobrou o amor, mas não aquele, sobrou o seu lugar, mas o amor ficou totalmente dolorido, não tem mais força nem suculência, ficaram as recordações e a gratidão, mas”...
O livro foi inspirado nas relações pessoais de Tolstói com V. V. Arsiênieva – moça com quem viveu uma história de amor antes de seu casamento – e considerada pelo próprio autor como “uma ignomínia vergonhosa”, Felicidade Conjugal nos faz crer em suas páginas que não apenas Romeu e Julieta foram vítimas de uma tragédia amorosa, mas também Mária Aleksândrovna e Sierguiéi Mikháilitch, que viram o amor-paixão nascer e morrer, pois um amor que morre ante nossos olhos é como um natimorto: quase impossível de enterrar.
Lev Tolstói - Felicidade Conjugal
Tradução: Boris Schnaiderman
Editora: 34
Tradução: Boris Schnaiderman
Editora: 34
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