Dia do Golpe Militar 50 anos do Golpe Militar de 1964. |
Este ano, o Brasil vive a mais dolorosa efeméride de sua história: 50 anos do Golpe de Estado.
A coincidência com ano eleitoral, Copa do Mundo, e prováveis protestos de rua, nos dá a chance de forçarmos o Brasil a fazer o que até hoje nunca fez: politizar o debate sobre o golpe de 64. Por que ele aconteceu? Quem se beneficiou? Quem são os herdeiros do golpe?
Seria um belíssimo presente à democracia brasileira, por exemplo, se a Lei da Anistia fosse revista. Não para prender velhinhos, mas para darmos uma satisfação política a nós mesmos, sobretudo, é preciso lembrar à sociedade que o que vivemos não foi nenhuma “ditabranda”. Vivemos um período de ruptura democrática, truculento e sinistro, que abortou o sonho de milhões de brasileiros. O golpe serviu para ampliar a desigualdade de renda, achatar o salário dos trabalhadores, e esmagar as esperanças de setores organizados de construir um país mais justo.
Não há nada de brando no esmagamento do sonho de centenas de milhões de cidadãos e na violação da normalidade democrática, com a instalação de um regime militar de exceção que, paulatinamente, aniquilou todas as liberdades no país.
Não há nada de brando na ruptura brutal de toda uma série de estudos e pesquisas acadêmicas e científicas em curso no país, nas universidades, quase todas abandonadas por causa de uma repressão estúpida e paranoica.
O Brasil, especialmente a nossa juventude, precisa ser melhor informado sobre o que aconteceu. A ditadura trouxe corrupção, miséria e degradação institucional. A origem do sucateamento dos serviços públicos está na ditadura. O problema da corrupção política também tem raízes no período de exceção, porque era um tempo sem liberdade de imprensa, sem instituições de controle e com chefes políticos exercendo cargos administrativos importantes de maneira quase totalitária. Quem ousaria acusar o diretor de uma estatal de corrupção, sendo o mesmo um coronel ou general com poder de mandar prender o acusador por “subversão”?
Precisamos conhecer melhor a história da construção do golpe. Como ele foi gestado, como foi a campanha midiática que o preparou? As passeatas que antecederam o golpe também merecem ser objeto de mais estudo, até porque a mídia, a mesma mídia que apoiou o golpe, prossegue até hoje tentando organizar protestos “espontâneos” para derrubar forças populares.
Às vésperas dos 50 anos do golpe militar torna-se necessário um resgate da História para entendermos o presente. Em 1964 o Brasil era um país politicamente repartido. Dividido e paralisado. Crise econômica, greves, ameaça de golpe militar, marasmo administrativo. O clima de radicalização era agravado por velhos adversários da democracia. A direita brasileira tinha uma relação de incompatibilidade com as urnas. Não conseguia conviver com uma democracia de massas num momento de profundas transformações. Temerosa do novo, buscava um antigo recurso: arrastar as Forças Armadas para o centro da luta política, dentro da velha tradição inaugurada pela República, que já havia nascido com um golpe de Estado.
Nos últimos anos se consolidou a versão de que os militantes da luta armada combateram a ditadura em defesa da liberdade. E que os militares teriam voltado para os quartéis graças às suas heroicas ações. Num país sem memória, é muito fácil reescrever a História.
A luta armada não passou de ações isoladas de assaltos a bancos, sequestros, ataques a instalações militares e só. Apoio popular? Nenhum. Argumenta-se que não havia outro meio de resistir à ditadura a não ser pela força. Mais um grave equívoco: muitos desses grupos existiam antes de 1964 e outros foram criados pouco depois, quando ainda havia espaço democrático. Ou seja, a opção pela luta armada, o desprezo pela luta política e pela participação no sistema político, e a simpatia pelo foquismo guevarista antecederam o AI-5, quando, de fato, houve o fechamento do regime. O terrorismo desses pequenos grupos deu munição (sem trocadilho) para o terrorismo de Estado e acabou sendo usado pela extrema direita como pretexto para justificar o injustificável: a barbárie repressiva.
A luta pela democracia foi travada politicamente pelos movimentos populares, pela defesa da anistia, no movimento estudantil e nos sindicatos. Teve em setores da Igreja Católica importantes aliados, assim como entre os intelectuais, que protestavam contra a censura. E o MDB, este nada fez? E os seus militantes e parlamentares que foram perseguidos? E os cassados?
Os militantes da luta armada construíram um discurso eficaz. Quem os questiona é tachado de adepto da ditadura. Assim, ficam protegidos de qualquer crítica e evitam o que tanto temem: o debate, a divergência, a pluralidade, enfim, a democracia. Mais: transformam a discussão política em questão pessoal, como se a discordância fosse uma espécie de desqualificação dos sofrimentos da prisão. Não há relação entre uma coisa e outra: criticar a luta armada não legitima o terrorismo de Estado. Temos de refutar as versões falaciosas. Romper o círculo de ferro construído, ainda em 1964, pelos adversários da democracia, tanto à esquerda como à direita. Não podemos ser reféns, historicamente falando, daqueles que transformaram o antagonista em inimigo; o espaço da política, em espaço de guerra.
A coincidência com ano eleitoral, Copa do Mundo, e prováveis protestos de rua, nos dá a chance de forçarmos o Brasil a fazer o que até hoje nunca fez: politizar o debate sobre o golpe de 64. Por que ele aconteceu? Quem se beneficiou? Quem são os herdeiros do golpe?
Seria um belíssimo presente à democracia brasileira, por exemplo, se a Lei da Anistia fosse revista. Não para prender velhinhos, mas para darmos uma satisfação política a nós mesmos, sobretudo, é preciso lembrar à sociedade que o que vivemos não foi nenhuma “ditabranda”. Vivemos um período de ruptura democrática, truculento e sinistro, que abortou o sonho de milhões de brasileiros. O golpe serviu para ampliar a desigualdade de renda, achatar o salário dos trabalhadores, e esmagar as esperanças de setores organizados de construir um país mais justo.
Não há nada de brando no esmagamento do sonho de centenas de milhões de cidadãos e na violação da normalidade democrática, com a instalação de um regime militar de exceção que, paulatinamente, aniquilou todas as liberdades no país.
Não há nada de brando na ruptura brutal de toda uma série de estudos e pesquisas acadêmicas e científicas em curso no país, nas universidades, quase todas abandonadas por causa de uma repressão estúpida e paranoica.
O Brasil, especialmente a nossa juventude, precisa ser melhor informado sobre o que aconteceu. A ditadura trouxe corrupção, miséria e degradação institucional. A origem do sucateamento dos serviços públicos está na ditadura. O problema da corrupção política também tem raízes no período de exceção, porque era um tempo sem liberdade de imprensa, sem instituições de controle e com chefes políticos exercendo cargos administrativos importantes de maneira quase totalitária. Quem ousaria acusar o diretor de uma estatal de corrupção, sendo o mesmo um coronel ou general com poder de mandar prender o acusador por “subversão”?
Precisamos conhecer melhor a história da construção do golpe. Como ele foi gestado, como foi a campanha midiática que o preparou? As passeatas que antecederam o golpe também merecem ser objeto de mais estudo, até porque a mídia, a mesma mídia que apoiou o golpe, prossegue até hoje tentando organizar protestos “espontâneos” para derrubar forças populares.
Às vésperas dos 50 anos do golpe militar torna-se necessário um resgate da História para entendermos o presente. Em 1964 o Brasil era um país politicamente repartido. Dividido e paralisado. Crise econômica, greves, ameaça de golpe militar, marasmo administrativo. O clima de radicalização era agravado por velhos adversários da democracia. A direita brasileira tinha uma relação de incompatibilidade com as urnas. Não conseguia conviver com uma democracia de massas num momento de profundas transformações. Temerosa do novo, buscava um antigo recurso: arrastar as Forças Armadas para o centro da luta política, dentro da velha tradição inaugurada pela República, que já havia nascido com um golpe de Estado.
Nos últimos anos se consolidou a versão de que os militantes da luta armada combateram a ditadura em defesa da liberdade. E que os militares teriam voltado para os quartéis graças às suas heroicas ações. Num país sem memória, é muito fácil reescrever a História.
A luta armada não passou de ações isoladas de assaltos a bancos, sequestros, ataques a instalações militares e só. Apoio popular? Nenhum. Argumenta-se que não havia outro meio de resistir à ditadura a não ser pela força. Mais um grave equívoco: muitos desses grupos existiam antes de 1964 e outros foram criados pouco depois, quando ainda havia espaço democrático. Ou seja, a opção pela luta armada, o desprezo pela luta política e pela participação no sistema político, e a simpatia pelo foquismo guevarista antecederam o AI-5, quando, de fato, houve o fechamento do regime. O terrorismo desses pequenos grupos deu munição (sem trocadilho) para o terrorismo de Estado e acabou sendo usado pela extrema direita como pretexto para justificar o injustificável: a barbárie repressiva.
A luta pela democracia foi travada politicamente pelos movimentos populares, pela defesa da anistia, no movimento estudantil e nos sindicatos. Teve em setores da Igreja Católica importantes aliados, assim como entre os intelectuais, que protestavam contra a censura. E o MDB, este nada fez? E os seus militantes e parlamentares que foram perseguidos? E os cassados?
Os militantes da luta armada construíram um discurso eficaz. Quem os questiona é tachado de adepto da ditadura. Assim, ficam protegidos de qualquer crítica e evitam o que tanto temem: o debate, a divergência, a pluralidade, enfim, a democracia. Mais: transformam a discussão política em questão pessoal, como se a discordância fosse uma espécie de desqualificação dos sofrimentos da prisão. Não há relação entre uma coisa e outra: criticar a luta armada não legitima o terrorismo de Estado. Temos de refutar as versões falaciosas. Romper o círculo de ferro construído, ainda em 1964, pelos adversários da democracia, tanto à esquerda como à direita. Não podemos ser reféns, historicamente falando, daqueles que transformaram o antagonista em inimigo; o espaço da política, em espaço de guerra.
Marco Antonio Villa
Historiador, autor do livro 'Ditadura à Brasileira' (Ed. Leya).
Historiador, autor do livro 'Ditadura à Brasileira' (Ed. Leya).
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