sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Haikai

Louis Emile Adan
Velha cidade silenciosa…
O perfume das flores flutuando
e à noite um sino a cantar.

Matsuo Bashô (1644-1694)
Tradução: Casimiro de Brito

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Zygmun

“Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar”.
Zygmunt Bauman
O sociólogo polonês radicado na Inglaterra Zygmunt Bauman é um dos intelectuais mais respeitados e produtivos da atualidade. Aos 84 anos, escreveu mais de 50 livros. Dois dos mais recentes, “Vida a crédito” e “Capitalismo Parasitário” chegam ao Brasil pela Zahar. As quase duas dezenas de títulos já publicados no País pela editora venderam mais de 200 mil cópias. Um resultado e tanto para um teórico. Pode-se explicar o apelo de sua obra pela relativa simplicidade com que esmiúça aspectos diversos da “modernidade líquida”, seu conceito fundamental. É assim que ele se refere ao momento da História em que vivemos. Os tempos são “líquidos” porque tudo muda tão rapidamente. Nada é feito para durar, para ser “sólido”. Disso resultariam, entre outras questões, a obsessão pelo corpo ideal, o culto às celebridades, o endividamento geral, a paranóia com segurança e até a instabilidade dos relacionamentos amorosos. É um mundo de incertezas. E cada um por si. “Nossos ancestrais eram esperançosos: quando falavam de ‘progresso’, se referiam à perspectiva de cada dia ser melhor do que o anterior. Nós estamos assustados: ‘progresso’, para nós, significa uma constante ameaça de ser chutado para fora de um carro em aceleração”, afirma.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Zygmunt Bauman

“Estamos todos numa solidão e numa multidão ao mesmo tempo”.
Zygmunt Bauman
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman declara que vivemos em um tempo que escorre pelas mãos, um tempo líquido em que nada é para persistir. Não há nada tão intenso que consiga permanecer e se tornar verdadeiramente necessário. Tudo é transitório. Não há a observação pausada daquilo que experimentamos, é preciso fotografar, filmar, comentar, curtir, mostrar, comprar e comparar.
O desejo habita a ansiedade e se perde no consumismo imediato. A sociedade está marcada pela ansiedade, reina uma inabilidade de experimentar profundamente o que nos chega, o que importa é poder descrever aos demais o que se está fazendo. Em tempos de Facebook e Twitter não há desagrados, se não gosto de uma declaração ou um pensamento, deleto, desconecto, bloqueio. Perde-se a profundidade das relações; perde-se a conversa que possibilita a harmonia e também o destoar. Nas relações virtuais não existem discussões que terminem em abraços vivos, as discussões são mudas, distantes. As relações começam ou terminam sem contato algum. Analisamos o outro por suas fotos e frases de efeito. Não existe a troca vivida.
Ao mesmo tempo em que experimentamos um isolamento protetor, vivenciamos uma absoluta exposição. Não há o privado, tudo é desvendado: o que se come, o que se compra; o que nos atormenta e o que nos alegra.
O amor é mais falado do que vivido. Vivemos um tempo de secreta angustia. Filosoficamente a angustia é o sentimento do nada. O corpo se inquieta e a alma sufoca. Há uma vertigem permeando as relações, tudo se torna vacilante, tudo pode ser deletado: o amor e os amigos.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

O amor está em algum lugar além dos antônimos do século 21

Pawel Kuczynski
Dizem por aí: — Sempre tem alguém, nem que seja do outro lado do mundo, que irá te completar. Mas será que precisamos andar tanto pra achar nossa parte completa?
Lógico que queremos viajar para o outro lado do mundo, mas queremos para conhecer novos lugares, passar por aventuras, apreciar novas culturas, experimentar novos sabores, mas não apenas para procurar a tal metade da laranja. Temos muito que aproveitar da vida invés de ficar procurando desesperadamente algo que não sabemos se é o certo ou o incerto.
s pessoas buscam tanto a perfeição no século 21, o amor, aquela enorme obsessão de ter alguém, de mostrar para o mundo (Facebook, Instagram) que namora alguém, que tem um amor perfeito, que sua vida é baseada em amor, fidelidade e cumplicidade, mas acabam esquecendo que existe um mundo maior que tudo isso, o amor é importante? Sim, e muito. Mas sua vida também tem outras prioridades, para ser feliz por completo você precisa de: amor e liberdade, estabilidade e aventura, dor e alívio, paixão e ódio, sonho e realidade. Para ser feliz por completo você precisa de antônimos.
Você precisa ver árvores verdes e galhos secos, rosas vermelhas e espinhos cortantes, chuvas e arco-íris, nuvens brancas e pretas (essas podem ser consideradas como pessoas: algumas trazem àquela paz e outras aquela perturbação). E acredite, o amor está em todos esses antônimos.
Então, você percebe, que para ser feliz e encontrar a tal metade que irá te completar, você precisa de antônimos, precisa sentir a dor daquele amor que foi embora e o prazer do novo que está chegando, sentir a prisão de alguns relacionamentos e a liberdade que encontrou em outros, aquela liberdade que te deixa a vontade para respirar e ser você por completo, e esse completo sabe o que é? É aquele que você tanto buscava no início — o completo não é uma pessoa perfeita e sem defeitos, e sim aquele que te deixa sentir e ser por completo o que você realmente é, não deixando seu amor acabar por qualquer “coisa” do século 21!
Já dizia Paul McCartney na música “And I Love Her”: “E eu sei que esse meu amor nunca morrerá”.
Fernanda Siqueira

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Férias

Guy Cambier
Desprezo
Prazos.
Ajusto
Para o tempo
Passar sem susto.

Danclads Andrade

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Heróis da Vida

Sylvia Grabois
Nascida em família de militantes e sobrinha de Maurício Grabois, um dos chefes da Guerrilha do Araguaia, a poeta Sylvia Grabois o homenageia em seu livro, A Carta do Elefante, todos os seus grandes heróis. Sylvia conviveu com as imagens de heróis e vilões desde muito cedo: casou-se aos 18 anos, entrou para a juventude comunista, formou-se na Faculdade Nacional de Direito e foi impedida de exercer sua profissão pelos agentes da ditadura militar do Brasil.
Aos 77 anos, Sylvia selecionou poemas sobre o gueto de Varsóvia, a morte do jornalista Vladimir Herzog, a Guerrilha do Araguaia, o Muro de Berlim, vítimas de Auschwitz, Maria da Penha entre outros temas para imortalizar as ações de corajosos heróis admirados por ela desde os 17 anos. “A história se faz presente na poesia através dos mártires e heróis do país. Heróis ficam vivos, não são enterrados” cita a poeta. Com mais de 150 poemas na manga, Sylvia escolheu aqueles que, segundo ela, deveriam representar lutas sociais. “Essa história não se aprende na escola. Vou mostrar como foi. Se a gente não guarda na memória, a história se repete.” O título do livro que reúne a poesia da autora é nomeado segundo um dos poemas, que trata de um rei espanhol machucado durante uma caça a elefantes. O acidente do rei alertou ao povo, que passava fome, o que seu soberano fazia com a riqueza que poderia lhes alimentar.
Seu primeiro livro, Direto e Avesso, foi publicado em 2009. Desde então, Sylvia escreve sem parar, sobre os mais variados assuntos. A poeta encontra inspiração nas conversas cotidianas e em sua história. “Gosto muito de conversar com motorista de taxi, com os empregados, a gente aprende muito” diz. Ao mesmo tempo, Sylvia procura resgatar suas lembranças da infância, principalmente as histórias de seu pai, “grande leitor e preocupado em passar seu conhecimento aos filhos”, no fazer literário.

História
Assim como os heróis de seu passado, Sylvia Grabois lutou por algo em que acreditava e cruzou com inimigos no caminho. Ao sair da faculdade de Direito, a jovem, que já esperava seu terceiro filho, se inscreveu em inúmeros concursos públicos, sem resultado. O Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) era o vilão da vez. “Havia mais de 27 certidões. Todos abonavam minha conduta, menos o DOPS. Fui conversar com o inspetor e ele me disse: ‘você não sabe que guerra é guerra? Como vamos contratar alguém que não está do nosso lado?’.”
Sem desistir de suas intenções no Direito, Sylvia chegou a trabalhar como advogada, largando a profissão para trabalhar com artesanato e defender as causas sociais dos artesãos. Como mãe, a poeta afirma ter ensinado aos filhos que não se deve agir por temor a Deus, mas pela justiça, como ela fez durante toda a vida. Presa por mais de 10 vezes, a militante foi detida pelo DOPS pela primeira vez aos 17 anos.

Poeta
“Quando eu tenho uma emoção muito grande, falo e escrevo” explica Sylvia Grabois. A expressão por meio da poesia começou aos 70 anos, por meio das oficinas literárias, uma paixão de Sylvia que se mantém até hoje. “Minha nora veio de uma oficina [literária] e me explicou como isso funcionava. Fiquei maravilhada quando soube que isto existia!” relembra. Desde então, a poeta participou de diversas agendas e coleções de livros. “Ainda fiz dois cordéis, para minha mãe e para meu marido”.
Casada pela segunda vez com o físico Roberto Nicowski, a poeta se sente incentivada e apoiada pelo marido. “Sou muito romântica. Sempre escrevi cartas e poemas para ele, então isso começou a se tornar um hábito” explica Sylvia. Influenciada por autores como Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Paulo Leminski, Martha Medeiros e Castro Alves, “um herói da época”, vovó Sylvinha, como assina seus contos infantis, também é muito próxima da família, principalmente dos 12 netos e 5 bisnetos (por enquanto), que a motivaram na adaptação de histórias infantis sobre amizade, amor ao próximo, bondade e arte. Os livros, criados em parceria com a fotógrafa Nana Moraes, ainda esperam patrocínio.
Para vovó Sylvinha, o tempo é generoso, e a idade, um presente: “Agora eu olho para as coisas com outro olhar. Olho também o outro, e vejo algo diferente nele, algo bom. Quando se é mais jovem, não é assim. Jovem quer fazer revolução, consertar, protestar. O mais velho tem isso na cabeça, mas consegue tentar entender o próximo.”
A visão humanista de Sylvia lhe motivou a recuperar a história e continuar na luta pela verdade sobre as torturas e desaparecimentos da época da ditadura. A Carta do Elefante se fecha com um apelo da poeta à Comissão Nacional da Verdade: “Por favor, me contem a verdade, não me ocultem nada, para que tudo não se repita. Não deixem a história manchada.”
A venda da obra de Sylvia Grabois está disponível nos lançamentos e festas organizados pela autora por todo o Brasil.

Fonte:
Revista Cult: ( A Carta do Elefante )

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

O apanhador de desperdícios

George Dunlop Leslie
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água, pedra, sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos,
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Manoel de Barros

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Livros que são diamantes para o cérebro

Livros que são diamantes para o cérebro
Livros, bons livros, são verdadeiros diamantes para o cérebro ou, se se quiser, para a alma. Aliás, até maus livros, se bem lidos, se tornam pelo menos uma vistosa bijuteria. Nesta lista, idiossincrática como qualquer outra, menciono livros que, em geral, foram editados no Brasil há alguns anos.
Albert Camus - O Estrangeiro
O Estrangeiro, um dos livros mais marcantes da literatura mundial. Obra do escritor, filósofo, dramaturgo, ensaísta Albert Camus, pied-noir da Argélia (onde, aliás, a história se passa) cuja história de vida, marcada pela fome, pela guerra, pela desigualdade, pelas perdas, muito influenciou seus escritos, dentre os quais O Estrangeiro não é exceção. Esse livro trata do absurdo, com apenas 100 páginas, nenhuma palavra é desperdiçada e cada frase visa despertar algum sentimento, alguma reflexão no leitor.
Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister, de Goethe
O livro de Johann Wolfgang von Goethe “criou”, segundo Marcus Vinicius Mazzari, “o gênero que mais tarde foi chamado de ‘romance de formação’ (Bildungsroman), a mais importante contribuição alemã à história do romance ocidental. (…) Goethe empreendeu a primeira grande tentativa de retratar e discutir a sociedade de seu tempo de maneira global, colocando no centro do romance a questão da formação do indivíduo, do desenvolvimento de suas potencialidades sob condições históricas concretas”. (Editora 34, tradução de Nicolino Simone Neto.)
Hermann Hesse - O Lobo da Estepe
O Lobo da Estepe é a história de um intelectual cinquentão vivendo em plena desvairada década de 1920 que, após abandonar a regrada vida burguesa, se entrega à dissipação da vida boêmia dos bares, dos salões de dança onde aprende o jazz, e das elegantes cortesãs.
Folhas de Relva, de Walt Whitman
Walt Whitman não é “um” e sim “o” poeta norte-americano. Segundo Otto Maria Carpeaux, é um “poeta para poetas”. Dado o uso intensivo do verso livre, que ele “criou” como um método — então novo e rebelde em relação à poesia metrificada —, o poema longo de Whitman deveria ser de fácil acesso. Se fosse russo, seria cantado nas ruas, como se faz com Púchkin. A dificuldade teria a ver mais com o poema longo do que com o poema em si? Pode ser. O que a poesia de Whitman exige é um leitor atento. Harold Bloom o apresenta como “fundador” da poesia americana. “O” poeta. Há algumas traduções no Brasil. As mais citadas são as de Bruno Gambarotto (Hedra), Rodrigo Garcia Lopes (Iluminuras) e Geir Campos (Civilização Brasileira). Há uma da Editora Martin Claret.
Poesia 1930-1962, de Carlos Drummond de Andrade
O poeta Carlos Drummond de Andrade talvez tenha apenas dois rivais em língua portuguesa — Camões e Fernando Pessoa. No Brasil, quem mais se aproximou, a uma distância de 10 mil quilômetros, foi João Cabral de Melo Neto. Ninguém mais. “Poesia 1930-1962 — Edição Crítica” contém o que há de melhor do escritor mineiro. É, digamos, sua bíblia. Aí está o Drummond, modernista total, de corpo e alma. Como presente de Natal, o preço é salgado, 179 reais, mas a edição, caprichada, vale a pena. O preço será esquecido, mas o presenteador e o livro decerto jamais serão olvidados. (Editora Cosac Naify)
A Montanha Mágica, de Thomas Mann
É o segundo grande romance de formação alemão. O livro conta a história do jovem Hans Castorp, que, ao visitar uma clínica para tuberculosos na Suíça, amadurece, participa de debates filosóficos. Enfim, vive e cresce. Mann escreveu: “E que outra coisa seria de fato o romance de formação alemão, a cujo tipo pertencem tanto o ‘Wilhelm Meister’ como ‘A Montanha Mágica’, senão uma sublimação e espiritualização do romance de aventuras?” (Nova Fronteira, tradução de Herbert Caro.)
Guerra e Paz, de Liev Tolstói
Se tivesse lido cuidadosamente o romance “Guerra e Paz” — literatura e história —, Adolf Hitler não teria invadido a União Soviética, em 1941, ou seja, 129 anos depois, mas com os mesmos resultados funestos das tropas de Napoleão Bonaparte. Liev Tolstói examinou a história cuidadosamente e escreveu um romance poderoso a respeito da invasão napoleônica de 1812. Seu trabalho literário rivaliza-se com as melhores histórias sobre o assunto. Detalhe: além da guerra, ele examina minuciosamente a vida civil do período. Como complemento, o leitor pode consultar “1812 — A Marcha Fatal de Napoleão Rumo a Moscou”, de Adam Zamoyski. (Tradução de Rubens Figueiredo, a única feita a partir do russo. Editora Cosac Naify.)
Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust
Harold Bloom percebe Marcel Proust como o maior escritor francês, acima de Flaubert, o “santo” de devoção de Mario Vargas Llosa. Proust não sabia avaliar se “Em Busca do Tempo Perdido” era um romance, ou algo mais. Talvez seja muito mais do que um romance. Quiçá uma bíblia da civilização humana, mais do que da francesa. Ciúme, memória-tempo, amizade, sexualidade — eis alguns dos temas candentes do escritor. Duas editoras se encarregaram de traduzir a obra-prima, a Globo e a Ediouro. No time de tradutores da Globo estão Mario Quintana, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, entre outros. Fernando Py enfrentou solitariamente as centenas de páginas de um autor de prosa densa (quem só defende literatura concisa não sabe a delícia que é Proust). Mario Sergio Conti prepara a terceira tradução para a Companhia das Letras.