sábado, 6 de julho de 2013

Obra 'Terra Mátria' revela o Thomas Mann 'brasileiro'

Thomas Mann e seu neto Frido, coautor do livro 'Terra Mátria'
Poucos se dão conta, em meio ao zum-zum-zum da Flip, mas uma das famílias mais importantes da literatura moderna mundial começou a não mais do que 10 km da tenda onde se realiza o festival literário de Paraty.
Foi num engenho da cidade que cresceu e viveu a brasileira Julia da Silva-Bruhns Mann (1851-1923), mãe de dois dos maiores autores alemães do século 20, Heinrich e Thomas Mann, avó de escritores como Klauss e bisavó de Frido Mann.
Este último é um dos autores de "Terra Mátria", principal estudo já realizado sobre as relações da família Mann com o Brasil, publicado agora pela editora Civilização Brasileira.
Coescrita com os pesquisadores Paulo Astor Soethe (brasileiro) e Karl-Josej Kuschel (alemão), a obra será lançada com um debate na quinta-feira, na programação paralela da Flip.
O livro, que traz dezenas de documentos inéditos, como cartas de Thomas e de Heinrich, trouxe novidades para os próprios familiares.
"Foi na realização do livro que descobri que vovô chegou a pensar em ir ao Brasil", diz à Folha, por telefone, Frido Mann. O "vovô" era Thomas (1875-1955), o maior escritor alemão moderno e autor de romances como "A Montanha Mágica" e "Doutor Fausto".
Frido, que esteve 16 vezes no Brasil (e que cancelou sua vinda a esta Flip na semana passada, por motivos pessoais), chama a atenção para uma carta desencavada nas pesquisas do livro.
Na correspondência, inédita, e reproduzida em "Terra Mátria", Thomas Mann escreve: "Sempre estive consciente do sangue latino-americano que pulsa em minhas veias e bem sinto o quanto lhe devo como artista. Apenas uma certa corpulência desajeitada e conservadora de minha vida explica que eu ainda não tenha visitado o Brasil".
A carta, hoje na Biblioteca Nacional da Áustria, em Viena, fora despachada em 1943 ao bairro de Higienópolis, para Karl Lustig-Prean, jornalista e produtor cultural de origem tcheca que se refugiou do nazismo em São Paulo.
Lustig-Prean (1892-1965), um líder do grupo antinazista "Movimento dos Alemães Livres do Brasil", manteve correspondência com Thomas (reproduzida na íntegra no livro) e também trocou cartas com seu irmão mais velho, Heinrich.
Autor de romances importantes como "O Anjo Azul", Heinrich Mann (1871-1950) chegou a levar a brasilidade da mãe à literatura.
Em "Entre Raças" (1907), ele romantiza a infância "tropical" de sua mãe, Julia, filha de um alemão com uma brasileira -- Maria Senhorinha da Silva era a avó materna de Thomas Mann.
Julia nasceu na estrada. Os pais se mudavam de uma fazenda em Angra dos Reis (RJ) para outra em Paraty.
O casarão onde ela viveu, o Engenho Boa Vista, ainda está de pé (leia texto ao lado). Quando ela tinha 7 anos, o pai, precocemente viúvo, resolveu voltar para a Alemanha. Levou consigo sua prole e a criada brasileira Ana, negra.
Como sustenta Paulo Astor Soethe, professor da Universidade Federal do Paraná, a família manteve muitos laços com o país.
"O livro conta, por exemplo, como foram os encontros de Thomas Mann com intelectuais brasileiros como Sérgio Buarque de Holanda e Erico Veríssimo e mostra como Gilberto Freyre defendeu a vinda do escritor ao Brasil", afirma Soethe.
Cassiano Elek Machado

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