Auto Retrato
Todo olhar sobre Van Gogh é uma aventura. Como a biografia que chega ao Brasil, tradução de Denise Bottmann. Nasceu depois de demorados caminhos e foi além de pequenas descobertas. Como a de que a sua morte não foi suicídio, mas bala perdida, no estômago, de uma arma disparada por um garoto que brincava de caubói. Ainda viveu dois dias de delírio até fechar os olhos nos braços de Théo, seu único irmão. Sua morte foi talvez mais um quadro nas asas negras dos seus corvos sobre os trigais.
O livro – 1.144 páginas – lançado no Brasil pela Companhia das Letras é o resultado de uma pesquisa de dois jornalistas, Gregory White Smith e Steven Naifeh. E, talvez por isso, tenha sido um raio de luz sobre velhas e sombrias dúvidas que pairavam sobre a vida do grande pintor holandês que fez de Paris e da França a pátria da sua solidão e do seu desespero que marcaram sua vida. Vivo, não vendeu um quadro. Morto, é um dos maiores pintores do mundo batendo recordes nos leilões de arte.
Duas vezes Rejane cruzou os caminhos do mundo de avião, trem e metrô, e foi bater no Museu de Amsterdã em busca de ver de perto os três quadros d’Os Comedores de Batata. E ali, diante da cena sombria dos carvoeiros miseráveis de Van Gogh, acompanhei seu choro emocionado e feliz. As lágrimas grossas e lentas descendo dos olhos. Estava diante, finalmente, de uma das obras de arte que desejou a vida inteira olhar de perto. E ficou ali, uma hora, como se a vida tivesse parado para sempre. Alguns anos depois, a convite de Ana Cláudia, sua sobrinha, filha de Otomar e Déa, que mora em Avignon, às margens do Ródano, fomos conhecer St. Remy de Provence. Deixamos o carro no estacionamento e fomos a pé pelo caminho que leva ao hospital onde Van Gogh viveu internado quinze meses. Seus quadros estavam ali, em reproduções diante de cada paisagem real que pintou. As oliveiras de galhos retorcidos e plátanos velhos como os séculos, urdindo o tempo, segundo a segundo. Mas antes que chegássemos ao antigo hospital, onde viveu na solidão de um quarto com seu único janelão aberto para um campo de parreiras, lá estava ele. De bronze. Em tamanho real. Levando uma braçada de girassóis, como se caminhasse de volta a Paris. Subimos, visitamos seu quarto – uma banheira de madeira tosca e um lavatório. Nada sugeria uma presença viva. Só a desesperada solidão em tudo que estava ali. No silêncio morto de todas as coisas. Nenhum quadro, um só traço, uma cor.
Nem aqueles quadros todos que vimos outra vez ao longo da caminhada de volta, tinham vida. Repetiam as mesmas cenas reais que estavam diante deles e que um dia inspiraram Van Gogh e a sua alma triste. Árvores caladas. Cobertas de um silêncio morto, mesmo diante de um sol macio que se derramava, alegre e luminoso. Aqui e ali restava pobre e tímido, o lilás das alfazemas. Quem sabe era ele mesmo que estava ali. Com seu olhar de bronze a olhar a primavera que renascia entre os trigais.
O livro – 1.144 páginas – lançado no Brasil pela Companhia das Letras é o resultado de uma pesquisa de dois jornalistas, Gregory White Smith e Steven Naifeh. E, talvez por isso, tenha sido um raio de luz sobre velhas e sombrias dúvidas que pairavam sobre a vida do grande pintor holandês que fez de Paris e da França a pátria da sua solidão e do seu desespero que marcaram sua vida. Vivo, não vendeu um quadro. Morto, é um dos maiores pintores do mundo batendo recordes nos leilões de arte.
Duas vezes Rejane cruzou os caminhos do mundo de avião, trem e metrô, e foi bater no Museu de Amsterdã em busca de ver de perto os três quadros d’Os Comedores de Batata. E ali, diante da cena sombria dos carvoeiros miseráveis de Van Gogh, acompanhei seu choro emocionado e feliz. As lágrimas grossas e lentas descendo dos olhos. Estava diante, finalmente, de uma das obras de arte que desejou a vida inteira olhar de perto. E ficou ali, uma hora, como se a vida tivesse parado para sempre. Alguns anos depois, a convite de Ana Cláudia, sua sobrinha, filha de Otomar e Déa, que mora em Avignon, às margens do Ródano, fomos conhecer St. Remy de Provence. Deixamos o carro no estacionamento e fomos a pé pelo caminho que leva ao hospital onde Van Gogh viveu internado quinze meses. Seus quadros estavam ali, em reproduções diante de cada paisagem real que pintou. As oliveiras de galhos retorcidos e plátanos velhos como os séculos, urdindo o tempo, segundo a segundo. Mas antes que chegássemos ao antigo hospital, onde viveu na solidão de um quarto com seu único janelão aberto para um campo de parreiras, lá estava ele. De bronze. Em tamanho real. Levando uma braçada de girassóis, como se caminhasse de volta a Paris. Subimos, visitamos seu quarto – uma banheira de madeira tosca e um lavatório. Nada sugeria uma presença viva. Só a desesperada solidão em tudo que estava ali. No silêncio morto de todas as coisas. Nenhum quadro, um só traço, uma cor.
Nem aqueles quadros todos que vimos outra vez ao longo da caminhada de volta, tinham vida. Repetiam as mesmas cenas reais que estavam diante deles e que um dia inspiraram Van Gogh e a sua alma triste. Árvores caladas. Cobertas de um silêncio morto, mesmo diante de um sol macio que se derramava, alegre e luminoso. Aqui e ali restava pobre e tímido, o lilás das alfazemas. Quem sabe era ele mesmo que estava ali. Com seu olhar de bronze a olhar a primavera que renascia entre os trigais.
Vicente Serejo
Nenhum comentário:
Postar um comentário