quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Uns Braços

Jean Antoine Watteau
(…) Não digo que ficou em paz com os meninos, porque o nosso Inácio não era propriamente menino. Tinha quinze anos feitos e bem feitos. Cabeça inculta, mas bela, olhos de rapaz que sonha, que adivinha, que indaga, que quer saber e não acaba de saber nada. Tudo isso posto sobre um corpo não destituído de graça, ainda que mal vestido. Também a culpa era antes de D. Severina em trazê-los assim nus, constantemente. Usava mangas curtas em todos os vestidos de casa, meio palmo abaixo do ombro; dali em diante ficavam-lhe os braços à mostra. Na verdade, eram belos e cheios, em harmonia com a dona, que era antes grossa que fina, e não perdiam a cor nem a maciez por viverem ao ar; mas é justo explicar que ela os não trazia assim por faceira, senão porque já gastara todos os vestidos de mangas compridas.
Não foi; sentiu-se agarrado e acorrentado pelos braços de D. Severina.
Nunca vira outros tão bonitos e tão frescos. A educação que tivera não lhe permitia encará-los logo abertamente, parece até que a princípio afastava os olhos, vexado. Encarou-os pouco a pouco, ao ver que eles não tinham outras mangas, e assim os foi descobrindo, mirando e amando. (…).
Machado de Assis (1839-1908)
in: do conto Uns Braços.
Podemos perceber um certo tom de erotismo por parte do personagem que demonstra uma atração física pela sua patroa D. Severina, quando a mesma deixa os braços sem cobrir, despertando com isso o interesse em admirá-los de uma forma intencional. A figura da mulher já não era mais idealizada, e sim vista no plano material e físico.
Assim como este, existe uma infinidade de outros contos, todos baseados na temática voltada para a realidade social e para a questão da personalidade humana.

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