Aos 2 anos, filho de militantes foi preso e classificado como 'subversivo' pela ditadura:
Nasci em fevereiro de 1968, no bairro da Liberdade, em São Paulo. Minha mãe, Jovelina Tonello, trabalhava na prefeitura de Osasco e foi demitida durante a licença maternidade por causa da militância do meu pai.
Ele, Manoel Dias do Nascimento, era líder sindical. Em 1968, teve a prisão decretada e entrou na clandestinidade.
Meu pai já era do Partido Comunista Brasileiro, e virou um dos fundadores da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), liderada pelo Carlos Lamarca.
Quando meu pai decide ir para a luta armada, minha avó resolve ir também. Ela fica com o Lamarca no vale do Ribeira, no sul do Estado, com três filhos adotivos para simular uma família normal na casa, que chamavam de “aparelho”. Ela também ajudava o movimento costurando roupas para os militantes.
Meu pai fica organizando a guerrilha na capital. No dia 19 de maio de 1970, ele foi preso, quando estava no “ponto” para passar informações aos companheiros. Eu fui preso com minha mãe mais tarde, no mesmo dia, em nossa casa na Vila Formosa. A gente vai para a Operação Bandeirantes, depois para o Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e para a ala feminina do presídio Tiradentes. Eu só tinha dois anos de idade, mas já tinha carteirinha de subversivo.
Eu vi meus pais serem torturados e sei que também apanhei. Fui usado para ameaçarem meu pai. Isso está registrado em depoimentos.
Não tenho lembranças, só traumas. Meus pais não conversam sobre isso. Só soube dos detalhes quando voltei ao Brasil, em 1986.
Minha mãe foi várias vezes na Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo buscar documentos.
Nesse vai e volta, apareceu minha ficha num álbum do Dops de “terroristas e subversivos”. Tem uma foto minha, aos dois anos, e está escrito que sou “subversivo”. Minha avó também tinha sido presa. Meus irmãos de criação, que estavam com ela, foram para o juizado de menores. Não sei por que eu não fiquei com eles. É isso que eu quero saber, o que se passou nesses 28 dias de escuridão na minha vida.
RESGATE
Saí da prisão com a minha avó. Ela estava na lista dos 40 presos políticos libertados em troca do embaixador alemão Ehrenfried von Holleben, que tinha sido sequestrado.
Nós saímos no mesmo resgate em que foram libertados o Fernando Gabeira, o Carlos Minc e outros companheiros, em 16 de junho de 1970.
Tiramos uma fotografia antes de embarcar para o exílio na Argélia. Eu e meus irmãos somos essas crianças que estão na foto. Não tenho nenhuma lembrança desse dia. Ficamos um mês na Argélia e no dia 27 de julho de 1970 chegamos em Cuba. O objetivo era chegar no dia anterior, em comemoração ao aniversário da revolução cubana, mas por causa do mal tempo, partimos no dia seguinte.
Meus pais ainda ficaram presos aqui. Eles só foram resgatados no sequestro do embaixador suíço Giovanni Bücher, e foram para o exílio no Chile, junto com o frei Betto e o frei Tito.
Minha primeira lembrança é aos quatro anos de idade, quando eu morava em Cuba. Eu tinha muito medo de policiais, e minha tia Damaris, que morou com a gente no exílio, deu um brinquedo para um policial me entregar. Ele me deu um carrinho de corrida, brincou comigo, me botou em cima de uma motocicleta, e eu adorei. Quando ele foi embora, eu vi que era um policial. Essa é a minha primeira memória.
Só voltei para o Brasil definitivamente em janeiro de 1986. “Yo soy cubano, yo no soy brasileño” [eu sou cubano, eu não sou brasileiro]. A mim foi negada toda minha cultura, meus direitos civis.
Hoje os meus quatro filhos estudam essa história e veem a minha foto nos livros. Só que não fui só eu. Foram centenas de crianças que passaram coisas parecidas, dentro e fora dos cárceres.
Eu quero que levantem todas essas questões. Nós temos muitas crianças –que nem são mais crianças, alguns já estão na idade de se aposentar– que viveram essa escuridão.
Ele, Manoel Dias do Nascimento, era líder sindical. Em 1968, teve a prisão decretada e entrou na clandestinidade.
Meu pai já era do Partido Comunista Brasileiro, e virou um dos fundadores da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), liderada pelo Carlos Lamarca.
Quando meu pai decide ir para a luta armada, minha avó resolve ir também. Ela fica com o Lamarca no vale do Ribeira, no sul do Estado, com três filhos adotivos para simular uma família normal na casa, que chamavam de “aparelho”. Ela também ajudava o movimento costurando roupas para os militantes.
Meu pai fica organizando a guerrilha na capital. No dia 19 de maio de 1970, ele foi preso, quando estava no “ponto” para passar informações aos companheiros. Eu fui preso com minha mãe mais tarde, no mesmo dia, em nossa casa na Vila Formosa. A gente vai para a Operação Bandeirantes, depois para o Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e para a ala feminina do presídio Tiradentes. Eu só tinha dois anos de idade, mas já tinha carteirinha de subversivo.
Eu vi meus pais serem torturados e sei que também apanhei. Fui usado para ameaçarem meu pai. Isso está registrado em depoimentos.
Não tenho lembranças, só traumas. Meus pais não conversam sobre isso. Só soube dos detalhes quando voltei ao Brasil, em 1986.
Minha mãe foi várias vezes na Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo buscar documentos.
Nesse vai e volta, apareceu minha ficha num álbum do Dops de “terroristas e subversivos”. Tem uma foto minha, aos dois anos, e está escrito que sou “subversivo”. Minha avó também tinha sido presa. Meus irmãos de criação, que estavam com ela, foram para o juizado de menores. Não sei por que eu não fiquei com eles. É isso que eu quero saber, o que se passou nesses 28 dias de escuridão na minha vida.
Ernesto Carlos Dias, que viveu 16 anos no exílio, em Cuba
Nós saímos no mesmo resgate em que foram libertados o Fernando Gabeira, o Carlos Minc e outros companheiros, em 16 de junho de 1970.
Tiramos uma fotografia antes de embarcar para o exílio na Argélia. Eu e meus irmãos somos essas crianças que estão na foto. Não tenho nenhuma lembrança desse dia. Ficamos um mês na Argélia e no dia 27 de julho de 1970 chegamos em Cuba. O objetivo era chegar no dia anterior, em comemoração ao aniversário da revolução cubana, mas por causa do mal tempo, partimos no dia seguinte.
Meus pais ainda ficaram presos aqui. Eles só foram resgatados no sequestro do embaixador suíço Giovanni Bücher, e foram para o exílio no Chile, junto com o frei Betto e o frei Tito.
Minha primeira lembrança é aos quatro anos de idade, quando eu morava em Cuba. Eu tinha muito medo de policiais, e minha tia Damaris, que morou com a gente no exílio, deu um brinquedo para um policial me entregar. Ele me deu um carrinho de corrida, brincou comigo, me botou em cima de uma motocicleta, e eu adorei. Quando ele foi embora, eu vi que era um policial. Essa é a minha primeira memória.
Só voltei para o Brasil definitivamente em janeiro de 1986. “Yo soy cubano, yo no soy brasileño” [eu sou cubano, eu não sou brasileiro]. A mim foi negada toda minha cultura, meus direitos civis.
Hoje os meus quatro filhos estudam essa história e veem a minha foto nos livros. Só que não fui só eu. Foram centenas de crianças que passaram coisas parecidas, dentro e fora dos cárceres.
Eu quero que levantem todas essas questões. Nós temos muitas crianças –que nem são mais crianças, alguns já estão na idade de se aposentar– que viveram essa escuridão.
Fonte: ( Boainformação )
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