Furtei uma flor daquele jardim.
O porteiro do edifício cochilava,
e eu furtei a flor.
Trouxe-a para casa e coloquei-a no copo com água.
Logo senti que ela não estava feliz.
O copo destina-se a beber, e a flor não é para ser bebida.
Passei-a para o vaso, e notei que ela me agradecia,
revelando melhor sua delicada composição.
Quantas novidades há numa flor, se a contemplarmos bem.
Sendo autor do furto, eu assumira a obrigação de conservá-la.
Renovei a água do vaso, mas a flor empalidecia.
Temi por sua vida.
Não adiantava restituí-la ao jardim.
Nem apelar para o médico de flores.
Eu a furtara, eu a via morrer.
Já murcha, e com a cor particular da morte, peguei-a docemente e fui
depositá-la no jardim onde desabrochara.
O porteiro estava atento e repreendeu-me:
– Que ideia a sua, vir jogar lixo de sua casa neste jardim!
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)
O porteiro do edifício cochilava,
e eu furtei a flor.
Trouxe-a para casa e coloquei-a no copo com água.
Logo senti que ela não estava feliz.
O copo destina-se a beber, e a flor não é para ser bebida.
Passei-a para o vaso, e notei que ela me agradecia,
revelando melhor sua delicada composição.
Quantas novidades há numa flor, se a contemplarmos bem.
Sendo autor do furto, eu assumira a obrigação de conservá-la.
Renovei a água do vaso, mas a flor empalidecia.
Temi por sua vida.
Não adiantava restituí-la ao jardim.
Nem apelar para o médico de flores.
Eu a furtara, eu a via morrer.
Já murcha, e com a cor particular da morte, peguei-a docemente e fui
depositá-la no jardim onde desabrochara.
O porteiro estava atento e repreendeu-me:
– Que ideia a sua, vir jogar lixo de sua casa neste jardim!
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)
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