sábado, 28 de setembro de 2013

A dívida secular de Campinas com o maestro genial

Foto do Maestro Carlos Gomes
Campinas promove uma série de atividades culturais do Mês Carlos Gomes. Há apresentações de música instrumental, números de canto e dança; exposições e palestras. A comunidade celebra a memória do filho ilustre da terra, que se foi deste mundo no dia 16 de setembro de 1896. Mas nem sempre foi assim. No final do século 19, a cidade ignorava a importância de um gênio que, muito doente, só encontrou acolhimento no Pará, onde morreu. E, para acirrar os debates sobre o tema, uma pesquisa aprofundada (que será publicada em livro) comprova que o maestro tinha, no país todo, o reconhecimento que a própria terra natal não lhe conferia.
Depoimentos raros, publicados em jornais de época, revelam para as novas gerações que a morte de Carlos Gomes conseguiu pacificar uma nação nervosa. Naquele tempo, explodiam movimentos revoltosos em todo o território nacional, comandados por fanáticos religiosos ou opositores do jovem governo republicano. Os textos foram localizados, ao longo de visitas pacientes a arquivos públicos e privados, por Jorge Alves de Lima, presidente do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas (IHGGC).
O cidadão, de 76 anos, foi durante 35 anos procurador jurídico da Prefeitura. Depois da aposentadoria, ele começou a se dedicar a uma antiga paixão pessoal escrever sobre história e se tornou membro do Centro de Ciências, Letras e Artes (CCLA) e da Academia Campinense de Letras (ACL). Ele é autor de O Ovo da Serpente, obra que passa a ser publicada em série a partir de novembro, pela Editora Arte Escrita, sobre a epidemia de febre amarela que quase apagou a cidade do mapa no final do século 19.
Foi, durante pesquisas para a obra, que Lima de deparou com relatos impressionantes. Como o do jornalista Álvaro Muller, que em reportagem do Diário de Campinas afirmava que a cidade devia prestar uma homenagem ao maestro que, naquele dia, agonizava no leito de morte. Para o redator, a iniciativa, “ainda que tardia”, seria uma forma de compensar o que parecia ser um “silêncio criminoso” dos conterrâneos. Para o redator, só os desdobramentos da epidemia terrível podiam justificar, naquele momento; “a ingratidão revoltante” da cidade.
E a pesquisa de Lima foi além. Documento encontrado no Arquivo Edgard Leuenroth, da Unicamp, reproduz o discurso de Júlio de Mesquita, fundador do jornal O Estado de São Paulo, que foi orador da solenidade póstuma em homenagem ao maestro, organizada no Teatro São Carlos no dia 26 de outubro de 1896 (um mês depois da morte). Mesquita afirmou, na ocasião, que o país estava diante do sério risco de se dividir em diversas republiquetas, por conta de movimentos separatistas. Mas que o falecimento do maestro promoveu uma verdadeira “explosão de sentimento patriótico”, que fez povo ignorar diferenças políticas e crises pontuais que alimentavam revoltas. “A arte é a afirmação de união de um grande povo”, disse o jornalista, no encerramento do discurso.
As revoltas, no caso, se referem às articulações patrocinadas por lideranças que sonhavam com o reestabelecimento do regime monárquico. Os atentados contra políticos republicanos, por exemplo, aconteciam ao mesmo tempo em que explodiam focos de insatisfação. “Aquela era uma época instável. Grupos fanáticos apareciam no sertão, militares articulavam revoluções dentro dos quarteis”, afirma o estudioso. “O doloroso martírio do maestro, diagnosticado com câncer na língua por médicos europeus, conseguiu unificar, pela primeira vez, os sentimentos do povo brasileiro”.
O teor detalhado dos textos encontrados foi exposto, durante ultimo encontro periódico dos membros do IHGGC, na sede do Rotary Club. “Acho que precisamos reparar um erro do passado. As novas gerações precisam saber que Campinas tem uma dívida moral, secular, com o maestro.”, diz.

Fonte:
Jornal Correio Popular: ( Baú de Histórias )

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